terça-feira, 4 de agosto de 2020

XXXII

04/05/2020

Disciplinas que seriam úteis para ter uma visão mais profunda e ampla dos sistemas dinâmicos (e seus colapsos): Taoismo, I Ching, Dialética, Trialética, Termodinâmica, Cibernética, Teoria do Caos, Teoria dos Sistemas, Teoria da Complexidade, Sistemas Complexos, Teoria da Informação, Semiótica, Biologia evolutiva, Biologia conservativa, Ecologia.


07/05/2020

Uma das fontes da propensão humana à idolatria parece ser o fato de que nossos cérebros têm mecanismos de economia de energia. O idólatra economiza energia cerebral ao colocar-se como submisso às decisões do seu ídolo. Decidir seguir um ídolo e aí acatar (quase) tudo o que ele diz (e, mesmo quando se é impelido a decidir algo, decide-se num espaço menor, o espaço configurado pelo ídolo e pelas pautas levantadas por ele) é abdicar de um grande volume de operações emocionais e cognitivas, e assim economizar bastante energia consumida pelo sistema nervoso central.


08/07/2020

Nietzsche fala da necessidade humana de se sentir cuidado, de sentir que se tem importância perante o mundo, de onde viria a necessidade de inventar deus(es). Pois bem, todos que chegaram à idade adulta só chegaram porque foram cuidados. Por mais que exista gente traumatizada por ter tido pais negligentes, esses pais foram bons o bastante para garantir a sobrevivência da criança e sua chegada à idade adulta (mesmo que a pessoa tenha chegado à idade adulta cheia de perturbações mentais). Então, todos nós vivemos no passado essa sensação de termos sido cuidados, de ter gente que se importava conosco, e sentimos falta disso ao, na idade adulta, estarmos largados à nossa própria sorte. Não se trata, portanto, apenas de uma saudade da irresponsabilidade (Sartre), mas uma saudade de ser objeto do cuidado-amor-carinho de alguém. A crise da adolescência (que cada vez se arrasta mais para a idade adulta e não faro nunca é superada nessa sociedade saturada de entretenimento e de desemprego) tem a ver com a dificuldade em abdicar desses prazeres (o da irresponsabilidade e o de ser objeto de cuidado do pais e de outros adultos).


09/07/2020

As pessoas apenas vão ficar obcecadas pelo colapso da civilização quando ele já tiver ocorrido e for questão de 3 ou 4 meses para quase todos morrerem de fome.




23/07/2020

Mais do mesmo II

Noam Chomsky, aos 90 anos (e depois, segundo ele próprio indica nesse texto, de uma carreira intelectual de 80 anos), ainda não entendeu (ou se recusa a aceitar) que um mundo que, para ser salvo, precisa que a população  a qual está entorpecida pelo trabalho diuturno e por drogas químicas e semióticas  se rebele massivamente contra toda parafernália de controle social dos masters of the universe, é um mundo que já está tautologicamente condenado. Como disse Cioran, só agimos por causa da cegueira, eis o motor, junto à inércia do hábito, da ação do intelectual Chomsky.

Os intelectuais profissionais (que precisam diuturnamente produzir conteúdo para seu público) acabam sendo vitimados por mais vieses cognitivos do que as pessoas que não são reféns desse ofício. A produção de conteúdo impinge uma pressa em concluir, a qual recrudesce os vieses cognitivos que todas as pessoas já possuem ordinariamente.

Assim, quando passamos da obra de um intelectual a outro, somos assolados pela sensação de que eles vivem em mundos diferentes, em universos paralelos. Eles criam universos paralelos mediante sua pressa em concluir, a qual é pré-condição para sua eficácia como intelectuais e, portanto, como formadores de opinião e influenciadores sobre decisões e sobre comportamentos.

(Continua.)


03/08/2020

(Continuação.)

Perguntamo-nos como um determinado intelectual chega a certas conclusões ignorando completamente alguns dados aos quais nós, generalistas (que não estamos, por razão profissional, presos a um conjunto restrito de disciplinas e assuntos), temos acesso. Se ele levasse esses dados em consideração, tiraria conclusões diferentes, mas os dados não estão disponíveis na subcultura na qual ele habita; enquanto isso, nós, como generalistas, podemos trafegar entre uma subcultura e outra e ver o que especialistas ignoram. Mesmo quando apresentamos os dados para o intelectual especialista que os ignora, ele simplesmente insiste em ignorá-los, pois ele já está tão comprometido com uma narrativa, ou ao menos com uma área específica do conhecimento dentro da qual ele acompanha algumas narrativas  e ele ainda por cima está preso à necessidade de produzir conteúdo diuturnamente para manter sua relevância como intelectual , que ele perde a capacidade de notar a relevância dos dados que oferecemos, pois não há tempo para avaliá-los. Mesmo uma avaliação prévia dos dados é descartada, talvez porque inconscientemente já se pressinta seu perigo, o seu potencial demolidor para as convicções e mesmo para rotina do intelectual em questão. Ele descarta-os com alguma frase feita e segue inercialmente sua rotina acomodada de produção intelectual dentro do seu mundinho semiótico já estabelecido por seus vieses cognitivos (os quais ele confunde com sua intuição). Como diz Cioran, os desocupados têm mais capacidade perceptiva do que os ocupados. Os intelectuais têm, surpreendentemente, limitações intelectuais...

(Continua.)


28/08/2020

(Continuação.)

É comum intelectuais (e seu público) sofrerem de uma mistura de efeito halo com efeito Dunning-Kruger: como esses intelectuais de fato possuem um conhecimento robusto epistemologicamente sobre uma área do conhecimento, passam a achar que o possuem em outras áreas nas quais na verdade mal saíram do senso comum. Isso é cômodo para a homeostase psíquica tanto deles quanto dos seus seguidores (os quais não precisam se dar ao trabalho de procurar um especialista para cada área do conhecimento). A caricatura disso são esses intelectuais (comunicadores, formadores de opinião, influencers) que estão aí na internet e na mídia opinando sobre tudo, e que possuem seguidores fiéis (para não dizer idólatras fanáticos). Esses efeitos atuam dialeticamente e instersubjetivamente: a convicção subjetiva do intelectual transmite confiança ao público, e a aceitação, a submissão e o entusiasmo por parte do público reforçam a convicção subjetiva do intelectual.

A regra que se tira disso é óbvia: se queremos progredir na investigação da Verdade, apenas devemos nos submeter à autoridade do intelectual na área em que ele é especialista, ao tempo em que ignoramos as opiniões dele nas outras áreas, pois essas opiniões são basicamente o senso comum, não estão robustecidas por um rigor epistemológico. Logo, no que diz respeito a metanarrativas, deveríamos ouvir especialistas em metanarrativas, e não as metanarrativas de especialistas em algum assunto em particular, os quais têm autoridade nesse assunto em particular, mas não em metanarrativas. E, inclusive, eles só conseguem ser especialistas em um assunto em particular justamente ao custo de oportunidade de, no campo das metanarrativas, não saírem da superficialidade. O especialista em metanarrativas é um generalista: ele precisa conhecer um pouco de tudo para formar o quadro geral. Já quem sabe muito de um assunto em particular não tem como elaborar uma metanarrativa robusta, e basicamente repete o senso comum (embora, via efeitos halo e Dunning-Kruger, acredite que ultrapassou o senso comum). O generalista especialista em metanarrativas precisa dos especialistas para forneceram as linhas gerais com as quais ele constrói a metanarrativa, e os especialistas basicamente repetem (caricaturizadas pelos vises de suas respectivas especialidades e do senso comum) alguma metanarrativa criada por algum generalista especialista em metanarrativas.

Quanto mais o generalista especialista em metanarrativas é rigoroso na escolha epistemológica dos especialistas aos quais se submete (ou seja, quanto maior o rigor epistemológico aplicado por esse generalista na seleção dos especialistas que fornecem as bases para a metanarrativa a ser construída), maior a qualidade da metanarrativa que ele consegue edificar. Ou seja, é possível construir uma metanarrativa robusta epistemologicamente — o que seria o mais próximo da Verdade a que podemos chegar —, há um método perspectivista que ultrapassa o puro relativismo. Podemos não saber tudo, mas sabemos alguma coisa, a despeito do caos semiótico no qual cada afirmação é anulada por uma negação e o qual nos dá a impressão de que não sabemos nada.

 

quinta-feira, 30 de abril de 2020

XXXI


05/04/2020


Por mais abstrato que o conceito de “Deus” seja em comparação com os deuses politeístas, Deus ainda tem um resquício de animismo, e esse resquício facilita com que o grande público se relacione com a Vida e com o Mundo – que são conceitos que se referem ao Real (enquanto Deus é uma fantasia), porém, por não serem dotados de uma personalidade, de um animus, são mais difíceis de serem compreendidos pelo povão, por exigirem um poder de abstração invulgar. É mais fácil para o humano médio se relacionar com uma personalidade falsa do que com um abstração verdadeira mas sem personalidade. Mesmo porque a personalidade implica na possibilidade de oferecer algum auxílio mediante suplicas e adorações, enquanto a ausência de personalidade corta essa pseudo-possibilidade utilitária de intercâmbio.

Deus, assim, acaba sendo um artifício do instinto de conservação para ajudar o humano médio a aceitar as agruras da Vida e do Mundo. Ou seja, Deus é uma fantasia para facilitar a produção do amor fati. Ser submisso a Deus, se humilhar para ele, adorá-lo, não criticá-lo mesmo quando se está na penúria (vide o caso de Jó, citado à exaustão pelos cristãos), etc., nada mais é do que aceitar a vida como ela é, dizer Sim, mediado por uma fantasia animista. Assim como Nietzsche acusou o Cristianismo de ser um platonismo para as massas, podemos dizer que o próprio nietzscheanismo é um cristianismo para os eruditos, ou, se preferir, para os esnobes.

Se já é difícil as pessoas abandonarem crenças em geral (pois estão ligadas ao seu ego), se é mais difícil ainda abandonarem crenças incutidas em suas mentes em tenra infância por poderosas instituições sociais, mais difícil ainda é abandonar a crença em Deus (ou em deuses quaisquer), pois essa crença está intimamente ligada ao instinto de conservação, à forma como esse é racionalizado (é traduzido mediante signos) no neocortex.

Não que Deus seja o único artifício para o populacho chegar ao amor fati. Praticamente todo o esoterismo e toda autoajuda vai na mesma direção, vide “A Lei da Atração”, “O Poder do Pensamento Positivo”, etc.


13/04/2020


A pandemia da COVID-19 desnudou de forma extremamente concreta – a destruição de nossas mimadas rotinas – e essência irracional da vida (e, quiçá, do próprio universo dentro do qual a vida emergiu como subproduto da atividade da matéria): a autopoise, a concreção da Vontade denunciada por Schopenhauer. Não que acrescente algum conhecimento novo, apenas acrescenta-lhe uma demonstração cabal, intuitiva, espetacular. Previsivelmente, não vi ninguém comentando sobre isso. Pelo menos, após tantos anos de desgraça e agora ainda isso, até os otimistas mais despudorados estão dando sinal de cansaço e de que vão jogar a toalha. E é só o começo de nossa via-crúcis. Vai piorar.



18/04/2020


Agora, que a morte se aproxima para todos os humanos, venho pensando bastante na minha vida. Se há algo que não me arrependo nesta vida, é da pornografia que consumi. Valeu a pena cada foto e cada vídeo. Evidência de como estou longe de atingir a salvação que eu mesmo apresentei no Post (mortem) scriptum. Se é que essa salvação existe.



19/04/2020


Em março desse ano eu fui diagnosticado como tendo TEA (Transtorno do Espectro Autista), grau 1 (autismo leve, Síndrome de Asperger, CID F84.5). Foi o fechamento de um processo que começara em agosto de 2019, quando eu me autodiagnostiquei como sendo autistas. O processo envolveu três médicos (sendo um deles uma psiquiatra especialista em autismo) e uma psicóloga especialista em avaliação neuropsicológica (a qual realizou testes padronizados comigo ao longo de 9 consultas antes de chegar ao fechamento do diagnóstico).

Embora algumas das minhas características exibidas em meus textos possam decorrer do autismo, após 8 meses acompanhando as produções audiovisuais de autistas na internet eu pude concluir que ao menos três características bem marcantes da minha idiossincrasia não são fruto do autismo: 1. o pessimismo; 2. a agnosia/o ceticismo; e 3. o sofrer por não saber a verdade (essa última é, de longe, a característica mais rara que eu tenho, estimo que só ocorra em uma pessoa a cada 100 milhões).

Por umas semanas, eu desconfiei que o mundo poderia ser melhor só com autistas, mas, após tantos meses acompanhando autistas e ao descobrir que figuras como Paulo Kogos são autistas, essa hipótese foi descartada. Já convivi com mulher vegana praticante de CNV e de yôga para descobrir que se o mundo fosse repovoado só com gente deste demográfico ainda sim ele (o mundo) seria uma merda e estaria condenado ao suicídio. Não há salvação para humanidade, nem mesmo salvação meramente imaginária.


24/04/2020


"O que se deve fazer num mundo onde quase tudo que vale a pena ter ou fazer é impossível?" (Bukowski)


"O paraíso não era suportável, senão o primeiro homem ter-se-ia acomodado a ele; este mundo também está longe de o ser, porque nele lamentamos o paraíso ou gozamos antecipadamente um outro. Que fazer? Onde ir? Não façamos nada, nem tentemos ir a lugar nenhum, muito simplesmente." (Cioran, em "Do inconveniente de ter nascido")


Mas sem uma herança, ou sem um prêmio de loteria ou sem a renda mínima do Suplicy, morremos de fome se não fizermos nada... Como diz o próprio Cioran, vivemos numa paródia do inferno.


28/04/2020


Comparando o omniverso com a execução de um arquivo de mídia

O arquivo é o nada/tudo (sim, nada e tudo se encontram, como dizia Hegel para o horror de Schopenhauer), a “placa holográfica”, a totalidade das partículas virtuais e todas suas interações possíveis, o mundo das ideias de Platão: um repositório estático com TODAS AS INFORMAÇÕES DE TODAS AS POSSIBILIDADES DE INTERAÇÃO DE TODOS OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS (BRANAS?). Há um mecanismo, tipo uma vitrola, tipo um computador, que “lê” o arquivo, reproduzindo assim as informações em espaço-tempo e energia-matéria. Vivemos nessa reprodução. Pense num filme em streaming. Vivemos no filme, ele é o universo que sentimos. Mas a informação do futuro já existe, assim como a do passado se conserva. Essa informação precisa de um mecanismo para ser executada, “rodada”, e assim consubstanciar, concretizar, a materialização do fluxo informacional no tempo.

Este universo em particular é a execução/leitura de um dos caminhos (um desdobramento entre zilhões e zilhões de possibilidades). Cada universo, ou mesmo cada multiverso, é a execução/leitura de um outro caminho. (O multiverso em que estamos é formado por todas a variações quânticas da configuração inicial de um Big Bang específico; mas há zilhões de configurações de Big Bangs; logo, há zilhões de zilhões de multiversos: o omniverso.)

Os chamados “fenômenos psi” decorrem do “hackeamento”, de “falhas” na execução desse arquivo (ou mesmo de aparentes falhas, isto é, de falhas que só aparecem como falhas porque não temos um conhecimento mais completo da hiperfísica envolvida). De alguma forma, nossas consciências estão conectadas nesse domínio informacional atemporal. Esse tipo de modelo abre espaço para uma espiritualidade niilista hiperfísica. Assim, não se faz preciso fugir da possibilidade a existência de fenômenos “espirituais”, como fazem os neoateus, os ateus materialistas e os cientificistas.