05/04/2020
Por
mais abstrato que o conceito de “Deus” seja em comparação com
os deuses politeístas, Deus ainda tem um resquício de animismo, e
esse resquício facilita com que o grande público se relacione com a
Vida e com o Mundo – que são conceitos que se referem ao Real
(enquanto Deus é uma fantasia), porém, por não serem dotados de
uma personalidade, de um animus, são mais difíceis de serem
compreendidos pelo povão, por exigirem um poder de abstração
invulgar. É mais fácil para o humano médio se relacionar com uma personalidade falsa do que com um abstração verdadeira mas sem
personalidade. Mesmo porque a personalidade implica na possibilidade
de oferecer algum auxílio mediante suplicas e adorações, enquanto
a ausência de personalidade corta essa pseudo-possibilidade
utilitária de intercâmbio.
Deus,
assim, acaba sendo um artifício do instinto de conservação para
ajudar o humano médio a aceitar as agruras da Vida e do Mundo. Ou
seja, Deus é uma fantasia para facilitar a produção do amor fati.
Ser submisso a Deus, se humilhar para ele, adorá-lo, não criticá-lo
mesmo quando se está na penúria (vide o caso de Jó, citado à
exaustão pelos cristãos), etc., nada mais é do que aceitar a vida
como ela é, dizer Sim, mediado por uma fantasia animista. Assim como
Nietzsche acusou o Cristianismo de ser um platonismo para as massas,
podemos dizer que o próprio nietzscheanismo é um cristianismo para
os eruditos, ou, se preferir, para os esnobes.
Se
já é difícil as pessoas abandonarem crenças em geral (pois estão
ligadas ao seu ego), se é mais difícil ainda abandonarem crenças
incutidas em suas mentes em tenra infância por poderosas
instituições sociais, mais difícil ainda é abandonar a crença em
Deus (ou em deuses quaisquer), pois essa crença está intimamente
ligada ao instinto de conservação, à forma como esse é
racionalizado (é traduzido mediante signos) no neocortex.
Não
que Deus seja o único artifício para o populacho chegar ao amor
fati. Praticamente todo o esoterismo e toda autoajuda vai na mesma
direção, vide “A Lei da Atração”, “O Poder do Pensamento
Positivo”, etc.
13/04/2020
A
pandemia da COVID-19 desnudou de forma extremamente concreta – a
destruição de nossas mimadas rotinas – e essência irracional da
vida (e, quiçá, do próprio universo dentro do qual a vida emergiu
como subproduto da atividade da matéria): a autopoise, a concreção
da Vontade denunciada por Schopenhauer. Não que acrescente algum
conhecimento novo, apenas acrescenta-lhe uma demonstração cabal,
intuitiva, espetacular. Previsivelmente, não vi ninguém comentando
sobre isso. Pelo menos, após tantos anos de desgraça e agora ainda
isso, até os otimistas mais despudorados estão dando sinal de
cansaço e de que vão jogar a toalha. E é só o começo de nossa
via-crúcis. Vai piorar.
18/04/2020
Agora,
que a morte se aproxima para todos os humanos,
venho pensando bastante na minha vida. Se há algo que não me
arrependo nesta vida, é da pornografia que consumi. Valeu a pena
cada foto e cada vídeo. Evidência de como estou longe de atingir a
salvação que eu mesmo apresentei no Post
(mortem) scriptum.
Se é que essa salvação existe.
19/04/2020
Em
março desse ano eu fui diagnosticado como tendo TEA (Transtorno do
Espectro Autista), grau 1 (autismo leve, Síndrome de Asperger, CID
F84.5). Foi o fechamento de um processo que começara em agosto de
2019, quando eu me autodiagnostiquei como sendo autistas. O processo
envolveu três médicos (sendo um deles uma psiquiatra especialista
em autismo) e uma psicóloga especialista em avaliação neuropsicológica (a qual
realizou testes padronizados comigo ao longo de 9 consultas antes de
chegar ao fechamento do diagnóstico).
Embora
algumas das minhas características exibidas em meus textos possam
decorrer do autismo, após 8 meses acompanhando as produções
audiovisuais de autistas na internet eu pude concluir que ao menos
três características bem marcantes da minha idiossincrasia não são
fruto do autismo: 1. o pessimismo; 2. a agnosia/o ceticismo; e 3. o
sofrer por não saber a verdade (essa última é, de longe, a
característica mais rara que eu tenho, estimo que só ocorra em uma
pessoa a cada 100 milhões).
Por
umas semanas, eu desconfiei que o mundo poderia ser melhor só com
autistas, mas, após tantos meses acompanhando autistas e ao
descobrir que figuras como Paulo
Kogos são
autistas, essa hipótese foi descartada. Já convivi com mulher
vegana praticante de CNV e de yôga para descobrir que se o mundo
fosse repovoado só com gente deste demográfico ainda sim ele (o
mundo) seria uma merda e estaria condenado ao suicídio. Não há
salvação para humanidade, nem mesmo salvação meramente
imaginária.
24/04/2020
"O
que se deve fazer num mundo onde quase tudo que vale a pena ter ou
fazer é impossível?" (Bukowski)
"O
paraíso não era suportável, senão o primeiro homem ter-se-ia
acomodado a ele; este mundo também está longe de o ser, porque nele
lamentamos o paraíso ou gozamos antecipadamente um outro. Que fazer?
Onde ir? Não façamos nada, nem tentemos ir a lugar nenhum, muito
simplesmente." (Cioran, em "Do inconveniente de ter
nascido")
Mas
sem uma herança, ou sem um prêmio de loteria ou sem a renda mínima
do Suplicy, morremos de fome se não fizermos nada... Como
diz o próprio Cioran, vivemos numa paródia do inferno.
28/04/2020
Comparando
o omniverso com a execução de um arquivo de mídia
O
arquivo é o nada/tudo (sim, nada e tudo se encontram, como dizia
Hegel para o horror de Schopenhauer), a “placa holográfica”, a
totalidade das partículas virtuais e todas suas interações
possíveis, o mundo das ideias de Platão: um repositório estático
com TODAS AS INFORMAÇÕES DE TODAS AS POSSIBILIDADES DE INTERAÇÃO
DE TODOS OS ELEMENTOS FUNDAMENTAIS (BRANAS?). Há um mecanismo, tipo
uma vitrola, tipo um computador, que “lê” o arquivo,
reproduzindo assim as informações em espaço-tempo e
energia-matéria. Vivemos nessa reprodução. Pense num filme em
streaming. Vivemos no filme, ele é o universo que sentimos. Mas a
informação do futuro já existe, assim como a do passado se
conserva. Essa informação precisa de um mecanismo para ser
executada, “rodada”, e assim consubstanciar, concretizar, a
materialização do fluxo informacional no tempo.
Este
universo em particular é a execução/leitura de um dos caminhos (um
desdobramento entre zilhões e zilhões de possibilidades). Cada
universo, ou mesmo cada multiverso, é a execução/leitura de um
outro caminho. (O multiverso em que estamos é formado por todas a
variações quânticas da configuração inicial de um Big
Bang específico; mas há zilhões de configurações de Big Bangs;
logo, há zilhões de zilhões de multiversos: o omniverso.)
Os
chamados “fenômenos psi” decorrem do “hackeamento”, de
“falhas” na execução desse arquivo (ou mesmo de aparentes
falhas, isto é, de falhas que só aparecem como falhas porque não
temos um conhecimento mais completo da hiperfísica envolvida). De
alguma forma, nossas consciências estão conectadas nesse domínio
informacional atemporal. Esse tipo de modelo abre espaço para
uma espiritualidade niilista hiperfísica. Assim,
não se faz preciso fugir da possibilidade a existência de fenômenos
“espirituais”, como fazem os neoateus, os ateus materialistas e
os cientificistas.