sábado, 11 de dezembro de 2021

XXXVII

 

04/11/2021

Em essência, a minha diferença para os razoabilistas e cientificistas é que eu não tenho compromisso (convicção) acerca de certos dogmas do iluminismo: racionalismo, progressismo, humanismo e otimismo. Sou um irracionalista, não acredito no progresso, não tenho compromisso com os humanos e sou pessimista. Isso me abre a interpretações trágicas e paranoicas, as quais são negadas, por viés cognitivo, a priori pelos razoabilistas e cientificistas. Não tenho compromisso com a autopoiese (seja da vida em geral, seja dos humanos, seja da cultura ocidental, seja de certas ideologias, seja de certas instituições), o que me confere uma liberdade de pensamento maior do que a da maioria das pessoas, por não estar preso ao bom-mocismo ingênuo que esse compromisso costuma implicar em. A verdade é a verdade; ela não necessariamente converge com interesses autopoiéticos, seja lá quais forem. Comprometer-se a priori com a vida em geral e/ou com vidas em particular (por exemplo, comprometer-se com o progresso da ciência, com o sucesso das instituições e das pessoas ligadas à ciência) é escolher outras prioridades antes da questão da verdade, é escolher vieses cognitivos que vão conspirar contra a busca pela verdade.

Não que eu concorde prontamente com os paranoicos, eu apenas não descarto as suas hipóteses a priori (com base em dogmas e em vieses cognitivos), como fazem os razoabilistas, racionalistas, cientificistas, iluministas.

Ambos os lados são liderados por fanáticos, que estão numa guerra pela hegemonia ideológica, a qual, por sua vez, afeta a distribuição do excedente econômico. A nossa visão de mundo afeta as nossas escolhas, e as nossas escolhas afetam a distribuição do excedente econômico. E a nossa visão de mundo é socialmente construída, por relações intersubjetivas. É uma batalha por nossas mentes, e nela todos têm interesses em jogo. Acusar esse ou aquele lado de difundir essa ou aquela afirmação, negação ou dúvida por motivo de interesse próprio não invalida, epistemologicamente, a afirmação ou negação ou dúvida. A verdade independe de interesses, e os interesses podem, dependendo do contexto, serem atendidos pela verdade, ou pela mentira ou (como em geral acontece) por uma mistura de ambas. Mesmo porque todas as posições atendem certos interesses e atrapalham outros. E os fanáticos, seja de que causa forem, têm mais pontos cegos do que os não fanáticos. Por outro lado, são especialistas no assunto pelo qual são fanáticos. É útil levar em conta o conhecimento especializado deles, mas sempre tendo em mente os pontos cegos ensejados pelo fanatismo e pela especialização.

As ferramentas de propaganda necessárias para difundir uma mentira também são necessárias para difundir uma verdade. A verdade (em especial se contraintuitiva, se anódina e/ou se contrária ao senso comum e ao otimismo) não se impõe por si só, muito pelo contrário. Detectar que tal assertiva está sendo difundida por técnicas de propaganda não é suficiente para concluir que ela é uma assertiva mentirosa.


10/12/2021

Qual é o sentido da vida?

(Já tratei disso no dia 11/07/2017)


Basicamente, há duas abordagens para essa questão, sendo que normalmente as pessoas já partem para a segunda:


1. A primeira é a abordagem fática, ontológica, empirista, objetiva, física, científica, positiva, avalorativa: ela busca meramente tentar descrever, da forma mais a objetiva possível, o fenômeno da “vida”, bem como o epifenômeno da “vida humana” e ainda os epifenômenos das “sociedades humanas” e das “culturas humanas”. Sob esse aspecto, o “sentido” da vida é meramente uma descrição dos processos das atividades biológicas e sociais, e, em uma palavra, se reduz à ideia de autopoiese. Nesse campo, temos as ciências da natureza e parte das ciências sociais, e até parte da filosofia da natureza e parte da antropologia filosófica. A autopoiese se divide em três grandes campos: a do corpo do indivíduo/organismo (que está num permanente processo de autoconstrução até exaurir-se na morte), a da espécie (coletivo de organismos no espaço no tempo) através da reprodução (a criação de novos corpos) e, no caso dos seres gregários (como os humanos), a do arranjo social dos organismo (que, no caso dos humanos, incluí a esfera da cultura e, como subesfera da cultura, a esfera das instituições).

De um ponto de vista marxista e de outras abordagens (transhumanismo, iluminismo das trevas e outras), é possível especular que a autopoiese dos corpos humanos e da sociedade humana foi capturada e instrumentalizada (reificada) como parte do processo de autopoiese de algo que inicialmente foi criação dos próprios humanos: o capital, no caso do marxismo, e a inteligência artificial, no caso do transhumanismo e no caso do iluminismo das trevas. Essas ontologias já estão invariavelmente contaminadas pela segunda abordagem, embora isso não necessariamente descarte a priori tudo o que elas dizem.


2. A segunda é a abordagem desejante, deontológica, idealista, (inter)subjetiva, moral, ideológica e utópica, normativa, valorativa: ela busca não descrever o que a vida é, mas sim dizer o que a vida deveria ser, e esse desejo acaba contaminando a própria descrição daquilo que a vida é. Nesse campo, temos a infindáveis ideologias, doutrinas, filosofias, religiões, etc. Não há uma resposta para essa pergunta no campo da objetividade, portanto, nesse campo da objetividade está correto afirmar que a vida não possui um sentido moral (o que tanto indignou Schopenhauer e o que foi objeto do meu texto de 11/07/2017).

E essa abordagem valorativa se divide, ela também, em ao menos duas partes: a que trata da autopoiese o coletivo (a humanidade, a civilização, a nação da qual a pessoa faz parte, a comunidade da qual ela faz parte, os indivíduos em geral) e a que trata da autopoiese da própria pessoa que está pensando, em sua cotidianidade concreta e na interação com as pessoas mais próximas (incluindo aqui a família).

Quanto à primeira parte dessa segunda abordagem, eu não tenho uma posição forte, pois não tenho a convicção suficiente para me agarrar a alguma receita disponível ou inventada por mim. O mais perto que chego de uma convicção é algo na linha do transhumanismo, mas não acredito que seja algo concretizável, por causa do processo de extinção humana já em curso.

Já quanto à segunda parte, a minha posição é professar uma espécie de eudemonismo maquiavélico apolítico niilista. E eu reconheço que essa posição é uma mera redução de danos, dado o cenário ontológico desfavorável aos seres humanos em geral e a mim em particular. Nesse horizonte limitado, essa é a posição que, acredito eu até o presente momento, é menos deletéria para a minha própria autopoiese.


É muito difícil para os humanos em geral (presos numa luta diuturna pelo poder, pelo controle do excedente econômico) focarem no primeiro ponto e se esforçarem para reduzir ao mínimo a ideologia para tentarem chegar numa descrição a mais objetiva possível. Porém, as descrições, mesmo que maculadas pela ideologia e pela fantasia, podem ainda oferecer alguma descrição útil do ponto de vista da (tentativa de) objetividade.


Está sentindo, Sr. Anderson, o fim que se aproxima? Eu estou. Eu deveria agradecer.

Afinal, foi a sua vida que me ensinou a função de qualquer vida. A função da vida é terminar.”

(Agente Smith, em The Matrix Revolutions)


Voltando ao ponto de vista objetivo, uma interpretação mais literal da expressão “sentido da vida” nos permite responder que o sentido da vida é, tanto do ponto de vista de um indivíduo como do ponto de vista da coletividade, a morte. Se não me engano, isso é dito pelo Schopenhauer no capítulo XLI do Tomo II d'O mundo como vontade e como representação. A vida, ao menos até onde o conhecimento validado cientificamente nos permite conhecer, é um esforço neguentrópico – invariavelmente condenado ao fracasso. Assim sendo, no sentido mais objetivo, podemos dizer que a vida é simultaneamente um movimento de fuga da morte (por meio da autopoiese) quanto um movimento de encaminhar-se em direção à morte: é uma tentativa de vencer a morte, uma tentativa da neguentropia vencer a entropia. Movimento esse que aparece e permanece enquanto há as condições físicas para a sua manifestação. Lembremo-nos também da hipótese clássica de William R Clark para o envelhecimento (uma das causa da morte): é um efeito colateral justamente dos mecanismos que buscam refrear (diminuir o ímpeto) da autopoiese celular, para assim diminuir o aparecimento dos cânceres (uma outra causa da morte).


11/12/2021


Caminhos seculares para o fim do mundo:

(não estão em ordem de probabilidade de acontecer)


1. Primeira fronteira planetária: crise climática (fronteira já ultrapassada e em acelerada piora a cada dia; há dezenas de feedbacks positivos que já foram acionados e que estão sendo acionados, os quais são suficientes para levar a um aumento exponencial da temperatura em poucas décadas ou, sendo otimista, séculos; o que, por sua vez, é suficiente para levar a presente civilização global ao colapso e a espécie humana à extinção; ou mesmo, dizem uns, é suficiente para extinguir toda a vida na Terra).

2. Segunda fronteira planetária: perturbação no ciclo do nitrogênio (fronteira já ultrapassada).

3. Terceira fronteira planetária: perda da biodiversidade (fronteira já ultrapassada) (são mais de 200 espécies extintas por dia!, segundo estimativa da ONU em 2010; é óbvio que isso não tem como durar por muito tempo).

4. Quarta fronteira planetária: acidificação dos oceanos (fronteira próxima de ser ultrapassada).

5. Quinta fronteira planetária: perturbação no ciclo do fósforo (fronteira próxima de ser ultrapassada).

6. Sexta fronteira planetária: exaustão do uso de água limpa.

7. Sétima fronteira planetária: depleção do ozônio.

8. Oitava fronteira planetária: desflorestamento e outras mudanças no uso do solo.

9. Nona fronteira planetária: poluição química.

10. Décima fronteira planetária: poluição atmosférica.

11. 3ª Guerra Mundial.

12. Uma pandemia global de um vírus de alta letalidade (não precisa o vírus matar todos os humanos, precisa matar o suficiente para desagregar as cadeias produtivas ao ponto do humanos sobreviventes ao vírus morrerem em função da fome e do caos social).

13. Queda na taxa de fertilidade humana (uma das maiores especialistas mundiais em fertilidade masculina disse que em 2050 é possível que todos os homens sejam inférteis).

14. O acidente de Fukushima (há gente que acredita que esse acidente, sozinho, é suficiente para extinguir a humanidade em seis gerações; processo que, portanto, estaria em curso).

15. Outros acidentes envolvendo energia nuclear (inclusive acidentes que podem acontecer aos montes em caso de um caos social global causado, por exemplo, por uma pandemia, uma guerra mundial, uma forte tempestade solar atingindo a Terra, etc.).

16. Cenários apocalípticos envolvendo inteligência artificial.

17. Terrorismo/guerra cibernético/a num nível que desagregue severamente as cadeias produtivas globais. Incluindo aqui uma interrupção da internet mundial.

18. Tempestade solar que destrua boa parte da rede elétrica do mundo (já aconteceu no século XIX um evento desses, que se acontecesse hoje em dia seria catastrófico).

19. Meteoro/Asteroide grande o suficiente chocando-se com a Terra ou com a Lua.

20. Blue Ocean Event (deve acontecer antes de 2030; consequências não lineares imprevisíveis; possível extinção humana poucos anos depois do primeiro BOE).

21. Bomba de metano do Ártico (pode acontecer a qualquer momento, e cada vez é mais provável que aconteça), por derretimento do permafrost (pergelissolo). "Tudo o que é sólido desmancha no ar"...

22. Derretimento da geleira do fim do mundo (Thwaites Glacier).

23. Colapso da Amazônia.

24. Extinção das abelhas e/ou de alguma outra espécie essencial para a agricultura.

25. Rendimentos decrescentes na agricultura (mesmo com todo avanço tecnológico que se inventar), devido à exaustão dos recursos (solo, biodiversidade, falta de insumos à base de petróleo, etc.).

26. Fim do petróleo (projetado, atualmente para a década de 2060) ou de algum outro insumo-chave para a manutenção da atual civilização. (para além da energia, o petróleo é usado em tudo na vida contemporânea, em especial nos plásticos (que estão em toda parte) e na produção dos insumos da agricultura; não há agricultura para alimentar 8 bilhões de corpos humanos sem petróleo suficientemente barato disponível).

27. A Terra ser atingida por algum evento cósmico ainda não listado (por exemplo, receber uma dose maciça de radiação gama fruto de uma morte estelar (isso já aconteceu, com dose pouco letal, na Idade Média)).

28. Tentativas frustradas de geoengenharia (como o avanço da crise climática, várias propostas estão surgindo; obviamente, não há uma outra Terra para testá-las, então qualquer proposta que se tente implementar pode gerar consequências não previstas nos modelos e desagregar os processos planetários o suficiente para levar ao fim do mundo).

29. Colapso na vida dos oceanos (já há projeção de extinção dos recifes de corais para daqui uns 15 anos). O colapso dar-se-ia por uma mistura de fatores: pesca predatória + poluição + acidificação + aumento da temperatura + extinção de espécies centrais nas cadeias alimentares. Há a projeção de que em 2050 haverá mais plástico nos oceanos do que matéria orgânica. Não é possível bilhões de humanos vivendo num planeta com os oceanos mortos. Talvez nenhum humano sobreviva no "planeta água" com  os oceanos mortos.

30. Colapso (rápido demais) do atual arranjo capitalismo global (o que pode tanto desagregar as cadeias produtivas, quanto pode causar um pico da temperatura no planeta  inviabilizando a agricultura  via perda do efeito de escurecimento global, quanto pode levar à 3ª Guerra Mundial, quanto pode levar a acidentes nas quase 500 usinas nucleares espalhadas pelo mundo devido ao caos social, etc.)

31. Erupção do supervulcão de Yellowstone.

32. Infocalipse: desagregação cognitiva e estrutural da sociedade em função do caos semiótico e da entropia informacional, como especulado por Franco Bifo e Paul Virilio, entre outros.

33. Superbactérias resistentes a antibióticos.

34. Autocolapso da Internet (vide livro "Error 404:¿Preparados para un mundo sin internet?, de Esther Paniagua)

35. Invasão alienígena (essa já é bem menos provável do que todas as outras listadas aqui, boa parte das quais já está em curso). (Vou parar por aqui, para não misturar os cenários de alta plausibilidade com cenários fantasiosos, como o nascimento de um novo universo, ou a destruição da Terra fruto de algum experimento envolvendo acelerador de partículas ou algo assim, ou ainda o grey goo, etc.)


sexta-feira, 15 de outubro de 2021

XXXVI

 

12/10/2021

Estamos na Era dos Epílogos, a Era das consequências. Está tudo acabando:

  • O Brasil (destruição dos potenciais que o país teve para ser uma potência global; num prazo mais longo, possível desmembramento da nação em territórios menores);

  • O império estadunidense (do qual o Brasil é periferia);

  • O capitalismo;

  • A civilização;

  • A espécie humana;

  • A vida na Terra.


O papo de dizer que “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” é fruto do wishful thinking marxista, que quer acreditar (desde a metade do século XIX) num futuro pós-capitalista para a civilização. Não vai acontecer. Não porque o capitalismo seja indestrutível, mas sim porque ele é tão destrutivo que, antes de acabar, consome e esgota a possibilidade de qualquer futuro para a humanidade. Não que "a culpa" seja exclusiva do capitalismo (outro viés típico do wishful thinking marxista); ele é um poderosíssimo catalisador, mas não o criador da destruição criativa suicida humana.

Como o próprio conceito de "desenvolvimento sustentável" deixa implícito, a sociedade atual (a que tem um "desenvolvimento insustentável", como todas as anteriores que colapsaram antes do capitalismo, aliás) vive (e lucra) de dilapidar seu próprio futuro. A máquina capitalista está vampirizando o futuro da espécie humana há muito tempo e com uma eficiência assustadora. Quando o capitalismo cair, já terá esgotado o futuro também. Os marxistas são utopistas ingênuos.


13/10/2021

Por que o campo fringe ainda é tolerado na internet?


* Não há um controle total, mas também não há um descontrole completo. Tenta-se controlar as variáveis-chave e os eventos-chave.

* Não dá para controlar tudo - não há condições técnicas para isso (ainda). E mesmo que houvesse, não é nem necessário nem econômico: gasta-se o que é necessário para se manter o sistema. O que ocorre no fim do livro "1984" é um exemplo de esforço de controle totalmente desnecessário e anti-econônico: um desperdício de recursos escassos.

* Tentar controlar tudo geraria uma ditadura explicita e isso seria contraproducente.

* Por questão de manter um nível mínimo e operacional de saúde, é preciso deixar espaços de respiro (como acontece numa panela de pressão) na sociedade e nas mentes das pessoas.

* O campo fringe é um campo de experimentos do qual podem sair conteúdos que serão depois repassados ao mainstream - é útil, dentro de certos limites, para o sistema.

* O campo fringe produz trabalho de inteligência gratuita para as agências de inteligência - é útil, dentro de certos limites, para o sistema.

* As narrativas fringe são toleradas e até estimuladas, desde que mantenham-se no campo fringe ou a transição para o mainstream seja devidamente controlada pelos administradores do sistema.


14/10/2021


Dúvidas epistemológicas:

* Como é o processo de construção da convicção?

* Como é o processo de construção da confiança epistemológica?

* Como é o processo de reprodução de uma convicção entre indivíduos, mediada pela confiança?

* Como são os processos, subjetivo e intersubjetivo, de criação de novas convicções a partir de convicções prévias e de novas convicções obtidas mediante as fontes nas quais os indivíduos confiam?

* Qual o método epistemológico para garantir o máximo de acurácia epistemológica a uma convicção?

* Quais os métodos para garantir o máximo de acurácia epistemológica a deduções e induções realizadas a partir de convicções de ótima acurácia epistemológica?

* Quais são e como funcionam os vieses que levam as pessoas a criarem e reproduzirem convicções de baixa acurácia epistemológica?

* Como fugir desses vieses?

* Como funciona o processo das pessoas acreditarem no que querem acreditar?

* Como escapar dessa armadilha ou ao menos monitorar quando se está caindo nela?



15/10/2021


Primeira regra geral: a qualidade epistemológica das convicções de uma pessoa tende a ser inversamente proporcional:


ao tempo que ela se dedicou a estudar o assunto;

à amplitude do assunto;

à profundidade do assunto;

à amplitude dos assuntos em relação aos quais a pessoa tem convicções;

à profundidade dos assuntos em relação aos quais a pessoa tem convicções.


Exemplo prático de aplicação:

Se uma pessoa de 25 anos que já escreveu 3 livros em língua não materna e que já fez mestrado e está fazendo doutorado (ambos fora do país onde ela nasceu) tem um modelo alternativo de universo (alternativo em relação ao que é ensinado pelo sistema educacional), e se os assuntos dos livros e das graduações acadêmicas da pessoa não estão ligados à fundamentação desse modelo alternativo de universo, a robustez epistemológica das convicções dessa pessoa a respeito desse modelo alternativo de universo é baixa. Para a pessoa, em tão pouco tempo, ter simplesmente descontraído tudo que ela aprendeu no ensino médio, ela só pode ter feito isso de maneira leviana, portanto com baixa robustez epistemológica.


Segundo exemplo prático de aplicação: Um produtor de conteúdo interpretativo, que trabalha diuturnamente produzindo conteúdo interpretativo para um público, uma bolha. Esse produtor terá muito pouco tempo, ou mesmo nenhum, para explorar conteúdos fora da bolha, o que gera vieses cognitivos nele mais fortes do que no próprio público, o qual, por só consumir o conteúdo, acaba tendo mais liberdade para transitar entre bolhas.


Segunda regra geral: Quanto mais especializada a pessoa em determinados assuntos, menos robustez epistemológica tendem a ter as conclusões dela sobre outros assuntos fora da especialidade.


Exemplo prático de aplicação:


No mesmo caso anterior, da pessoa de 25 anos, a graduação, o mestrado e o doutorado da pessoa não são nas áreas ligadas ao modelo de universo alternativo da pessoa, o que novamente aponta para a leviandade das convicções dela. Ela focou a sua inteligência metódica em outras áreas, e foi aprovada pelos pares da academia nessas outras áreas. Mas o modelo alternativo de universo dela não passou por um crivo rigoroso, nem dela (por falta de tempo), nem pela academia, nem pelos pares dela na subcultura desse modelo alternativo de universo.


O que vemos acontecer o tempo todo é, por efeito halo, a autoridade epistemológica que uma pessoa tem em sua área de especialização ser deslocada (por ela própria e pelo público dela) para áreas fora da especialidade dela. Em outras palavras: a pessoa é especialista em algo e por isso têm convicções com robustez epistemológica sobre esse algo; isso a torna uma autoridade para outras pessoas. Mas essa pessoa, embriagada pela vaidade da autoridade, passa a transferir esse poder de autoridade para áreas fora da especialidade dela, e o público dela tende a aceitar (ou mesmo a estimular) isso, sendo que nessas áreas fora da especialidade ela é tão leiga quanto o próprio público.


Terceira regra geral: A robustez epistemológica das convicções de uma pessoa sobre certo assunto tende a ser diretamente proporcional à robustez epistemológica das próprias fontes que a pessoa utilizou para formar essas convicções.


No exemplo da pessoa de 25 anos, enquanto os trabalhos acadêmicos dela têm uma robustez epistemológica validada pela academia, as convicções ligadas ao modelo alternativo de universo têm como fonte subculturas de internet e livros de “conhecimentos alternativos” (nas palavras da própria pessoa).


***


Os cientificistas/racionalistas/razoabilistas focam sua atenção em assuntos mais facilmente exploráveis por uma maior robustez epistemológica e descartam como objetos do foco da sua atenção tudo que não se encaixa facilmente na condição de objeto de estudo dos métodos de maior robustez epistemológica. Enquanto os espiritualistas/irracionalistas/irrazoabilistas/paranoicos se aprofundam no estudo desses objetos de estudo, mas o fazem sem robustez epistemológica, e aí é fácil se perderem em fantasias. O que seria necessário é tentar estudar esses assuntos com a máxima robustez epistemológica, o que não é feito por nenhum dos lados.


16/10/2021

Existe um caminho com relativa robustez epistemológica para transitar do ceticismo clássico para o cientificismo, passando pelo empirismo. Mas esse caminho parece ignorar o quanto a ciência real, enquanto prática social concreta, está instrumentalizada pelo capital e pelo poder político e institucional. Parece que o típico cientificista deixa-se confundir muito facilmente por isso. Por exemplo, a NASA não é uma mera produtora de ciência e de tecnologia, é um órgão do complexo industrial militar do império transnacional estadunidense. Claro que ela produz conteúdo científico de qualidade, mas não se pode “engolir” toda produção de informação dela como sendo sinônimo de ciência, o que seria cair numa falácia de falsa equivalência.


sexta-feira, 8 de outubro de 2021

XXXV

 

27/09/2021

A vida é, simultaneamente, simples, complicada, complexa, caótica e absurda.


28/09/2021

Estudar as relações entre: dissonância cognitiva, espanto filosófico, fascínio e sublime.


Principais funções da ideologia:

1. Racionalizar a existência do Mal e assim legitimar a vida. A ideologia oferece uma solução (falsa) para o Mal, e, para isso, parte de uma falsa ontologia. Ela dá ao adepto o conforto de ter a convicção de saber a causa e a solução para os males da vida. E, assim, ele pode aceitar reproduzir a vida (tanto por meio da autopoiese do seu próprio corpo no cotidiano, quanto pela autopoiese da sociedade, e, portanto, dos corpos alheios, quanto, por fim, pela procriação, pela criação de novos corpos; apenas a parte do ser social entendida como a fonte do Mal é que deve ser exterminada, que não tem direito à autopoiese). A solução nunca será colocada em prática, pois há centenas de outras ideologias concorrendo e nenhuma delas chegará a ser consensual o suficiente para conseguir impor seus projetos sem objeções significativas. Mesmo quando hegemônica, a ideologia não chega a ser poderosa o suficiente, e mesmo que o fosse, não conseguiria entregar o que promete (acabar com o Mal), pois a promessa está baseada em uma falsa ontologia e, por isso, não pode ser realizada.

2. Canalizar o ódio. Ao estabelecer os vilões, a ideologia dá carta branca para que seu adepto possa odiar à vontade as pessoas (ou seres, ou instituições, ou práticas humanas, ou o que for, quer sejam reais ou imaginários) que são lidas como vilões, como a fonte do Mal. Assim o adepto pode exercer livremente seus instintos agressivos, racionalizados/justificados como justiça e como luta por um mundo melhor. O adepto da ideologia pode se sentir superior às demais pessoas, pois ele sabe a verdade sobe o Mal e já o venceu em sua vida, ou ao menos iniciou o processo de transformação (reprodução do meme em sua mente e em seu seu cotidiano). Os outros são-lhe inferiores, ou porque são ignorantes da ideologia, ou porque são opositores a essa ideologia. Há o Bem - as pessoas ligadas à ideologia - e há o Mal - os inimigos conscientes da ideologia e os ignorantes acerca da ideologia, entendidos em geral como estando sendo manipulados pelos inimigos conscientes da ideologia. E o Bem, obviamente, é superior ao Mal, e vai vencê-lo um dia (utopia).

3. Canalizar o excedente econômico para certos grupos. No caso, os grupos tidos como vítimas dos vilões, ou tidos como heróis que lutam contra os vilões. As regras que uma sociedade tem para operacionalizar a divisão do excedente econômico são regras fictícias, e o papel da ideologia é moldar essas ficções em prol de certos grupos em detrimento de outros.

4. Viabilizar a formação de grupos para a socialização atávica. Somos animais sociais, cujos instintos gregários foram formados ao longo de milhões de anos de evolução enquanto mamíferos que viviam em pequenos grupos (com algumas dezenas de indivíduos, no máximo algumas centenas). A causa/utopia da ideologia permite ao adepto conviver com outras pessoas que pensam parecido e, assim, recriar esses pequenos e confortáveis grupos nos quais nossos antepassados viviam. Claro que, hoje em dia, não é necessária a ideologia para criar esse grupo. Ele pode ser criado em torno de um hobby qualquer, como um jogo de videogame ou o consumo de um anime. Pode, também, ser criado em torno do trabalho ou da família. Mas a ideologia também tem esse papel gregário, com a vantagem de alimentar os vieses cognitivos de todos no grupo, que reforçam suas convicções mutuamente, conferindo aos insiders ao grupo aquele conforto de acreditar que se sabe qual é a fonte e qual é a solução para os males da vida. Nesses grupos, temos as figuras dos líderes. Há toda uma dinâmica psicológica que anima certas pessoas a ocuparem os lugares de líderes (machos e fêmeas alfa, que ganham poder (excedente econômico e status) ao assumirem a posição de tomarem decisões sobre as vidas dos outros) e de liderados (os quais estão comodamente terceirizando a tomada de decisões sobre questões relativas as suas próprias vidas, estão assim fugindo do esforço cognitivo e de ter que assumir a responsabilidade pelas decisões, pois apenas estão seguindo os líderes).

5 Passatempo. O adepto da ideologia consegue gastar bastante tempo, energia e demais recursos trabalhando pela autopoiese do meme (a ideologia). Assim consegue preencher o vazio da existência, fugindo do tédio. O próprio espírito belicoso é um tonificante, é animador, é revigorante.


09/10/2021

Síntese dos meus argumentos antinatalistas privados/pessoais (por que eu não quero ter filhos):


1 Do ponto de vista individual, egoísta e racional, os custos são mais altos que os benefícios. Eu entendo os prazeres de procriar. Mas os custos, para mim, são muuuuuuuuuuuuuuuuuuuuiittttooooo maiores. Custos de todos recursos que um indivíduo possui: dinheiro, tempo, saúde, paciência, disposição, atenção, etc. A imensa maioria das pessoas que têm filhos simplesmente não faz um cálculo racional e egoísta de custo e benefícios, e decide por mero instinto procriativo lapidado pela cultura. Há, também, os que, ainda enganados pelos instintos, conseguem acreditar que fizeram esse cálculo e que decidiram racionalmente procriar. Mas isso só é possível porque atribuem um valor não razoável aos prazeres da procriação, ou porque são simplesmente ricos em termos econômicos (o que é raro, dado o tamanho dos custos envolvidos, não apenas econômicos). Se essas pessoas que acreditam tanto nos prazeres de colocar alguém no mundo parassem para analisar esse desejo, e parassem para comparar os custos (incluindo riscos e incertezas) e benefícios (incluindo as oportunidades) desses prazeres em comparação com tantos outros que o dinheiro pode comprar e as escolhas podem oportunizar, a maioria desistira de procriar, ou ao menos teria sérias dúvidas. Mas essas pessoas não realizam esse exercício cognitivo, simplesmente agem por inércia instintual e cultural.

2 As dores do mundo e o desejo de não querer contribuir para perpetuá-la mais do que eu já preciso se quero viver com conforto. Lutar pelo meu lugar ao sol é me vender para reproduzir o mundo humano e, em troca, ganhar uma parte da produção. Mas procriar é um passo além no comprometimento/cumplicidade com esse processo autopoiético. E, ironicamente, em vez desse passo adicional ser remunerado, ele cobra altos custos do indivíduo, ao menos desde que, com o capitalismo, a família deixou de ser uma unidade de produção de valores de uso. De um ponto de vista de tomada de decisão racional (em termos de maximização dos benefícios e redução dos custos individuais), não faz sentido para o indivíduo. Faz para o coletivo, que deveria remunerar o indivíduo por esse trabalho em prol da continuidade da sociedade e da espécie. Há também a questão de não querer colocar outro sofredor, outro coitado (coito-ado), outra máquina desejante, no mundo, seja por compaixão com o outro, seja por ojeriza ao mundo. Esse argumento aí de querer “evitar o sofrimento” é o que os antinatalistas mais usam. Para mim, eles usam para racionalizarem a decisão e dar a ela um verniz de alta moralidade e de abnegação. Não acredito que a maioria dos antinatalistas realmente prioriza essa questão do sofrimento dos outros. Acredito que priorizam o sofrimento deles próprios. Se eles acreditassem que ter filhos dá muito mais prazer para eles do que não ter, a maioria teria. Mas acreditam, corretamente, no oposto. Porém, para legitimarem para si próprios sua escolha egoísta, se agarram a esse ponto que é o principal ponto generoso da decisão de não procriar.

3 Os colapsos da civilização e da espécie. Estamos no fim dos tempos. Colocar alguém no mundo agora seria tanto um catalizador para o processo (no que eu não teria problema em ajudar se não implicasse em altos custos para mim), quanto traz a questão moral de saber que a vida dessa pessoa será pobre e curta. E parece que isso até está afetando a decisão procriativa de certas pessoas.

4 Meu padrão de ser humano é muito alto. Eu até poderia ter filhos (por causa dos prazeres que eu reconheço existirem associados ao processo) se eu fosse multimilionário, se meu patrimônio estivesse nas centenas de milhões de dólares. E, mesmo com esse patrimônio, provavelmente eu preferiria gastar meus recursos privilegiando outros prazeres e outras questões. E mesmo todo dinheiro do mundo não seria garantia do atendimento do meu alto padrão de humano, dado que o transhumanismo ainda não está disponível (então há muitos padrões indesejado que estão nos genes e que nem todo dinheiro do mundo poderia resolver), e dado que sempre haverá riscos e incertezas. Melhor focar em outros projetos, risos.

Claro que a maioria das pessoas não tem um padrão tão alto, e, também por isso, para ela os custos da procriação são menores. Mas, mesmo assim, acredito eu, são altos o bastante para torná-la proibitiva caso fosse submetida a um processo de decisão racional baseado em custos, riscos, benefícios e oportunidades. Mas o “animal racional” é ainda um animal, e, como tal, uma máquina autopoiética. A pessoa pode ser o humano mais inteligente do mundo, a ainda assim pode se omitir de avaliar essa questão em particular, pois pode se perder em tantas outras questões que a  vida oferece. Não adianta apenas a inteligência para se chegar em certas verdades, é preciso também focar na busca por essas verdades, o que não necessariamente ocorre no curso de uma vida inteligente (que pode estar distraída por muitos projetos e questões). 


Eu sou um antinatalista privado/pessoal/egoísta. Não milito para convencer os outros a não procriarem. Cada um que desperdice sua vida como preferir. Sequer tenho compromisso com a ideia de “diminuir o sofrimento”. Acho que esse ideal é utópico e mesmo que ele exagera a questão do sofrimento. O sofrimento faz parte da vida e a vida se reproduz apesar dele. E vai continuar se reproduzindo até que se esgotem as condições físicas para essa reprodução – esgotamento que, por acaso, está para acontecer em algumas décadas no que diz respeito ao dito Homo sapiens. E, talvez, no que diz respeito a todas as espécies que habitam a Terra. A humanidade já está condenada à extinção, faça o que cada um fizer em sua vida privada. Aqueles que querem acabar com a humanidade via não procriação – uma óbvia fantasia utópica – terão o que querem (o fim da humanidade) por outra via. Uma via mais sofrida e irracional. Nem sempre as coisas acontecem como gostaríamos... Mas mesmo isso não garante a utopia do fim do sofrimento, pois não há a garantia do fim da vida neste planeta num curto prazo geológico; e mesmo que houvesse, o resto do universo, talvez até do multiverso e do omniverso, continuaria a existir e, nele, a possibilidade atordoante de uma quantidade indescritível de sofrimento. 

sábado, 14 de agosto de 2021

XXXIV

11/02/2021

Para bem viver nesse mundo, é preciso ter um conhecimento geral que abarque uma série de profissões. Isso porque não adianta simplesmente ter dinheiro e pagar pelo trabalho alheio, pois nesta guerra que chamamos de "sociedade" não dá para confiar a priori em ninguém. É preciso um conhecimento mínimo da profissão do profissional que estamos contratando, para termos condições de avaliar a competência e a confiabilidade desse profissional. Se simplesmente confiamos nos profissionais que nos assessoram, ficamos exposto a, no mínimo, sermos mal atendidos sem o sabermos e, no máximo, perdermos todo o nosso patrimônio em golpes.

Eis algumas das áreas que precisamos ter, no mínimo, um conhecimento geral e crítico (não adianta só saber o senso comum da área, é preciso ter um sendo crítico desse senso comum): comunicação (na sua língua natal e em outras, e CNV também), direito (civil, penal, imobiliário, trabalhista, administrativo), medicina (clínica geral, psiquiatria, neurologia, nutrologia, coloproctologia, gastroenterologia), administração, neurociências, psicologia, sociologia, filosofia, fisioterapia, educação física, nutrição, economia, assessoria de investimentos e de finanças, mentalismo, yoga, meditação, faxina, serviços elétricos e de encanamento, preparo de alimentos (saudáveis), informática, etc. É preciso, ainda, ser um exímio conhecedor da natureza humana, ser capaz de avaliar o caráter das pessoas e farejar golpes. Só isso, rs. Não surpreende que a vida da maioria das pessoas – e, por extensão, a vida das sociedades e da humanidade como um todo – seja composta uma sucessão de decisões desastradas. 


23/02/2021

O que parece ser um consenso dos humanos de todos os locais e épocas é que a vida aqui neste planeta não é fácil para ninguém. Quanto ao motivo para essa dificuldade, há milhares de explicações, e provavelmente algumas centenas delas estão parcialmente certas, ao abordar com mínima acurácia alguma das facetas da questão. Tantas outras se perdem em mitologias animistas ou em negacionismos das evidências empíricas. Abundam conclusões apressadas e propostas de soluções inviáveis, às quais as pessoas se agarram por fé, desespero e por instinto de sobrevivência no curto prazo.


06/04/2021

Se a razão, a lógica, o espírito, o conhecimento, o intelecto, a informação, a mente, etc. – se qualquer categoria racional, informacional, “limpa”, ligada às cosmovisões racioanalistas e teístas – fossem a essência do Real, então seria fácil para a mente humana chegar à Verdade. Como não são, então vemos essa multiplicidade sem fim de explicações, as quais nunca chegam à essência do Real justamente porque essa essência não é racional, não é intelectual, não é informacional, não é mental, etc.


23/04/2021

Se cada humano é levado a destruir a própria saúde (e a dos seus filhos) com uma coleção de hábitos ruins para a saúde mas bons para o lucro das corporações/dos poderosos, se cada um de nós é pouco consciente a respeito do que ocorre em nosso próprio corpo, ou mesmo se insistimos em hábitos prazerosos que sabemos danosos à nossa saúde, muito mais inconsciente e negligente é o coletivo dos humanos, em especial os urbanoides, a respeito da destruição do Outro, do planeta em geral e de cada forma de vida não humana em particular. A publicidade ambiental não consegue comover o público para além da morte de animais fofos.


02/07/2021

Guerra híbrida: ou você fica louco por acompanhar as notícias ou você se aliena delas. Nos dois casos, ganham os engenheiros do caos.


09/07/2021

Existe uma ligação entre a cosmovisão schopenhauriana e o colapso tautológico da espécie humana: a húbris.

Como a coisa em si desde mundo é um desejo inconsciente e, por isso mesmo, jamais satisfeito, todas as formas de vida (e mesmo o mundo inorgânico) são levadas ao limite e, quando passam desse limite, se autodestroem.

Essa húbris também se aplica às sociedades humanas, bem como à atual civilização tecnológica turbocapitalista globalizada (uma tentativa de projeto de civilização Kardashv tipo I). Também ela, movida por uma vontade inconsciente e jamais satisfeita, está empreendendo um movimento autopoiético suicida, pois corrói as bases da própria manutenção a longo prazo dessa autopoise. Em outras palavras, uma insustentabilidade. Em outras palavras, uma húbris.

Nossa sociedade atingiu um nível de consciência suficiente para que alguns indivíduos consigam ter consciência desse processo. Mas não atingiu o nível de consciência coletiva suficiente para conseguir pará-lo, para desarmar a reação em cadeia suicida.

O próprio Schopenhauer, de forma embrionária, se refere a essa situação quando fala, lá no tomo II d'O mundo..., capítulo XLVI, que já estamos no pior dos mundos possíveis, pois se ele piorasse um pouco ele deixaria de existir. Ou seja, há um equilíbrio dinâmico que sempre vai até o limite, até à beira do colapso. Quando esse equilíbrio dinâmico se rompe, o colapso chega.

Todas as formas de vida vivem numa "guerra eterna" que gera um equilíbrio dinâmico entre todas elas. Quando uma delas (por exemplo, o Homo sappiens) consegue quebrar esse equilíbrio, ela começa a destruir as outras espécies, e continua a fazê-lo (por causa da húbris) até um nível tal que destrói as bases de sua própria sobrevivência, suicidando-se. Isso não aconteceria se o em si da vida e do mundo fosse algo racional; mas acontece, porque o em si é um impulso irracional jamais satisfeito. 


14/08/2021

É da natureza cognitiva dos razoabilistas olharem apenas para o que está iluminado, enquanto é da natureza cognitiva dos paranoicos olharem para as sombras e especularem sobre o que lá acontece. Ambos os lados são passíveis de conclusões precipitadas (em direções opostas). Se queremos chegar à Verdade, estamos sendo ingênuos em simplesmente acreditarmos num dos lados por viés cognitivo (por simplesmente termos uma simpatia por um dos lados em função de afinidades eletivas). Razoabilistas não são sinônimos de “verdade”, embora o nosso bom-senso gostaria de acreditar nisso e delegar a eles a tarefa de definir o que é e o que não é verdade. Bom se fosse fácil assim. Mas não, muitas vezes a verdade sobre certo assunto – ou pelo menos a disposição de tentar chegar a uma verdade – só é encontrada nos paranoicos.


quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

XXXIII

 

17/10/2020

Assim como as teorias da conspiração trazem um conforto ao passar a ideia de que tudo está sobre controle (afastando o desconforto da aleatoriedade e mesmo do caos), as teorias da razoabilidade trazem o conforto de que não há psicopatas maquinando com sucesso planos de manipulação e de extorsão do público, pois, se esses planos existissem, eles viriam cedo ou tarde a público (afastando assim o desconforto de imaginar que somos todos otários manipulados por poderosos que ficam mais poderosos às nossas custas). Assim como as teorias da conspiração apelam para uma racionalidade da planificação, dos arquitetos (e nesse sentido podem lembrar o pensamento religioso), as teorias da razoabilidade também lembram os pensamentos religioso, otimista e racional ao apontar para um mundo essencialmente bom, no qual o acaso e a trairagem humana impedem, por um mecanismo homeostático de bem-aventurança semelhante à Mão Invisível que regula o mercado, a consecução de atentados ao bem comum. O mundo do teórico da conspiração pode ser um mundo onde tudo é controlado, mas é um mundo governado pelo Mal, por um demiurgo e seus arcontes; já o mundo do teórico da razoabilidade trás o desconforto da aleatoriedade e mesmo do caos, porém trás o conforto das forças anônimas que produzem uma confortável homeostase em um mundo essencialmente Bom e no qual a humanidade progride para uma sociedade cada vez melhor (basta ver as pautas padrão da divulgação científica). Ou seja, tanto teóricos da conspiração quanto teóricos da razoabilidade podem ser acusados de elaborar suas teorizações em função de vieses cognitivos, de afinidades eletivas e em função da busca por sensações de conforto e segurança. O que faz uns penderem para uma forma de pensamento e outros para outra são as diferenças de personalidade e de temperamento.


18/10/2020

Os indivíduos que trabalham com divulgação científica são, em geral, cientificistas, e, como tais, são iludidos pelo prometeísmo tecnológico que é um dos mitos fundamentais da modernidade. Essa ideologia lhes impinge um viés cognitivo que torna-lhes difícil imaginar o suicídio da espécie humana (mais especificamente, o suicídio de um modelo de civilização e o assassinato dos outros modelos de sociedade humana), o qual, por sua vez, seria impossível sem justamente os instrumentos que “a neutra ciência” lhe deu.

E, ainda por cima, há outro viés cognitivo, esse de origem profissional: a divulgação científica, para ter audiência (e assim dar lucro ou ao menos cobrir seus custos), precisa ser curta, superficial e – principalmente – otimista. As pessoas não vão dar audiência para um produto de comunicação que fica lhes dizendo que a vida delas será pior (ou mesmo muito pior, ou mesmo impossível) em um futuro próximo, e que para evitar esse futuro elas precisam diminuir a sua pegada ambiental (sendo que 99,9% das pessoas gostaria de ter acesso a mais recursos, a mais mercadorias, a mais serviços, porém a ciência fica lhes dizendo para querer menos ou todo mundo pode morrer depois de 2.100 – ano convenientemente longe para não parecer ameaçador a quem está consumindo o produto de divulgação científica). A divulgação científica só consegue se pagar trazendo boas notícias e fazendo repetidas referências (e deferências) à cultura pop e à ficção científica: somente assim o público se digna a dar-lhe alguma atenção.

O divulgador científico possui, portanto, e isso além dos vieses cognitivos que as pessoas comuns já possuem, vieses cognitivos ideológico e profissional para ignorar, ou para subestimar, o colapso ambiental em curso. Mesmo quando fala no assunto, pois afinal ao menos a defesa da existência do aquecimento global antropogênico é uma das pautas recorrentes do típico profeta da ciência, ele é apenas mais um assunto, jogado no meio de dezenas e dezenas de outros, esses sim atraentes, divertidos, excitantes para o público. O resultado é que a maioria dos divulgadores científicos sequer se aprofunda na questão do colapso, fugindo instintivamente do assunto, pois afinal já sabe que não poderá falar dele em seu trabalho se quiser continuar a ter esse trabalho (e a receber a fama e o dinheiro vindos dele). Talvez alguns, apesar de todos esses vieses, até se aprofundem, mas, bons atores, não falam sobre, fingem que não sabem ou que sabem pouco.


11/01/2021

Ou somos escravos explícitos de um despotismo, ou somos escravos implícitos de uma suposta democracia falsa totalmente corrompida por detrás dos panos. Ou somos escravos de um tipo de horda de psicopatas e maquiavélicos, ou de outro tipo de horda de psicopatas e maquiavélicos, mas sempre estamos submetidos a esses indivíduos em qualquer civilização. Assim que começou a surgir o excedente econômico e assim que se complexificou a divisão social do trabalho, os psicopatas e maquiavélicos (que são os protagonistas da História enquanto nós somos os figurantes) tomaram o poder para nunca mais largá-lo. Mesmo os movimentos que lutam genuinamente pela emancipação humana frente a esses senhores do mundo acabam invariavelmente sendo corrompidos e virando eles próprios instrumentos de reprodução de nossa escravatura. E assim prosseguirá a tragicomédia da História, até a extinção da espécie humana.


14/01/2021

As utopias-ideologias transformam — no discurso apenas, não na prática concreta — contradições insolúveis (aporias, dilemas, trade-offs, impasses, etc.) em problemas, isto é, em situações supostamente passíveis de solução. Mas para fazerem essa transformação, e assim criarem uma solução fictícia,  elas precisam falsificar a descrição do Real, precisam descrevê-lo de maneira falsificada, reducionista, simplificada, amputada, caricaturizada, maniqueísta, otimista ingênua, não raro apelando para generalizações apressadas e incorretas mas que apresentam-se como "lógicas" e "racionais" por utilizarem-se, inclusive de forma forçada e mesmo equivocada, dos chavões da lógica clássica (como se essa desse conta do Real). E, por basearem suas supostas soluções em um falso diagnóstico (em uma descrição de um "problema" e não de uma contradição insolúvel), não conseguem de fato resolver nada a que se propõem, mesmo quando seus representantes conseguem forte hegemonia na sociedade. Ou seja, como humanos ou nós admitimos que não há solução para nossa condição ou nos enganamos com falsas soluções que nunca chegam de fato a serem implantadas, pois são ficções impossíveis de se colocar em prática. Já a solução mesmo, nunca a teremos.