sábado, 11 de dezembro de 2021

XXXVII

 

04/11/2021

Em essência, a minha diferença para os razoabilistas e cientificistas é que eu não tenho compromisso (convicção) acerca de certos dogmas do iluminismo: racionalismo, progressismo, humanismo e otimismo. Sou um irracionalista, não acredito no progresso, não tenho compromisso com os humanos e sou pessimista. Isso me abre a interpretações trágicas e paranoicas, as quais são negadas, por viés cognitivo, a priori pelos razoabilistas e cientificistas. Não tenho compromisso com a autopoiese (seja da vida em geral, seja dos humanos, seja da cultura ocidental, seja de certas ideologias, seja de certas instituições), o que me confere uma liberdade de pensamento maior do que a da maioria das pessoas, por não estar preso ao bom-mocismo ingênuo que esse compromisso costuma implicar em. A verdade é a verdade; ela não necessariamente converge com interesses autopoiéticos, seja lá quais forem. Comprometer-se a priori com a vida em geral e/ou com vidas em particular (por exemplo, comprometer-se com o progresso da ciência, com o sucesso das instituições e das pessoas ligadas à ciência) é escolher outras prioridades antes da questão da verdade, é escolher vieses cognitivos que vão conspirar contra a busca pela verdade.

Não que eu concorde prontamente com os paranoicos, eu apenas não descarto as suas hipóteses a priori (com base em dogmas e em vieses cognitivos), como fazem os razoabilistas, racionalistas, cientificistas, iluministas.

Ambos os lados são liderados por fanáticos, que estão numa guerra pela hegemonia ideológica, a qual, por sua vez, afeta a distribuição do excedente econômico. A nossa visão de mundo afeta as nossas escolhas, e as nossas escolhas afetam a distribuição do excedente econômico. E a nossa visão de mundo é socialmente construída, por relações intersubjetivas. É uma batalha por nossas mentes, e nela todos têm interesses em jogo. Acusar esse ou aquele lado de difundir essa ou aquela afirmação, negação ou dúvida por motivo de interesse próprio não invalida, epistemologicamente, a afirmação ou negação ou dúvida. A verdade independe de interesses, e os interesses podem, dependendo do contexto, serem atendidos pela verdade, ou pela mentira ou (como em geral acontece) por uma mistura de ambas. Mesmo porque todas as posições atendem certos interesses e atrapalham outros. E os fanáticos, seja de que causa forem, têm mais pontos cegos do que os não fanáticos. Por outro lado, são especialistas no assunto pelo qual são fanáticos. É útil levar em conta o conhecimento especializado deles, mas sempre tendo em mente os pontos cegos ensejados pelo fanatismo e pela especialização.

As ferramentas de propaganda necessárias para difundir uma mentira também são necessárias para difundir uma verdade. A verdade (em especial se contraintuitiva, se anódina e/ou se contrária ao senso comum e ao otimismo) não se impõe por si só, muito pelo contrário. Detectar que tal assertiva está sendo difundida por técnicas de propaganda não é suficiente para concluir que ela é uma assertiva mentirosa.


10/12/2021

Qual é o sentido da vida?

(Já tratei disso no dia 11/07/2017)


Basicamente, há duas abordagens para essa questão, sendo que normalmente as pessoas já partem para a segunda:


1. A primeira é a abordagem fática, ontológica, empirista, objetiva, física, científica, positiva, avalorativa: ela busca meramente tentar descrever, da forma mais a objetiva possível, o fenômeno da “vida”, bem como o epifenômeno da “vida humana” e ainda os epifenômenos das “sociedades humanas” e das “culturas humanas”. Sob esse aspecto, o “sentido” da vida é meramente uma descrição dos processos das atividades biológicas e sociais, e, em uma palavra, se reduz à ideia de autopoiese. Nesse campo, temos as ciências da natureza e parte das ciências sociais, e até parte da filosofia da natureza e parte da antropologia filosófica. A autopoiese se divide em três grandes campos: a do corpo do indivíduo/organismo (que está num permanente processo de autoconstrução até exaurir-se na morte), a da espécie (coletivo de organismos no espaço no tempo) através da reprodução (a criação de novos corpos) e, no caso dos seres gregários (como os humanos), a do arranjo social dos organismo (que, no caso dos humanos, incluí a esfera da cultura e, como subesfera da cultura, a esfera das instituições).

De um ponto de vista marxista e de outras abordagens (transhumanismo, iluminismo das trevas e outras), é possível especular que a autopoiese dos corpos humanos e da sociedade humana foi capturada e instrumentalizada (reificada) como parte do processo de autopoiese de algo que inicialmente foi criação dos próprios humanos: o capital, no caso do marxismo, e a inteligência artificial, no caso do transhumanismo e no caso do iluminismo das trevas. Essas ontologias já estão invariavelmente contaminadas pela segunda abordagem, embora isso não necessariamente descarte a priori tudo o que elas dizem.


2. A segunda é a abordagem desejante, deontológica, idealista, (inter)subjetiva, moral, ideológica e utópica, normativa, valorativa: ela busca não descrever o que a vida é, mas sim dizer o que a vida deveria ser, e esse desejo acaba contaminando a própria descrição daquilo que a vida é. Nesse campo, temos a infindáveis ideologias, doutrinas, filosofias, religiões, etc. Não há uma resposta para essa pergunta no campo da objetividade, portanto, nesse campo da objetividade está correto afirmar que a vida não possui um sentido moral (o que tanto indignou Schopenhauer e o que foi objeto do meu texto de 11/07/2017).

E essa abordagem valorativa se divide, ela também, em ao menos duas partes: a que trata da autopoiese o coletivo (a humanidade, a civilização, a nação da qual a pessoa faz parte, a comunidade da qual ela faz parte, os indivíduos em geral) e a que trata da autopoiese da própria pessoa que está pensando, em sua cotidianidade concreta e na interação com as pessoas mais próximas (incluindo aqui a família).

Quanto à primeira parte dessa segunda abordagem, eu não tenho uma posição forte, pois não tenho a convicção suficiente para me agarrar a alguma receita disponível ou inventada por mim. O mais perto que chego de uma convicção é algo na linha do transhumanismo, mas não acredito que seja algo concretizável, por causa do processo de extinção humana já em curso.

Já quanto à segunda parte, a minha posição é professar uma espécie de eudemonismo maquiavélico apolítico niilista. E eu reconheço que essa posição é uma mera redução de danos, dado o cenário ontológico desfavorável aos seres humanos em geral e a mim em particular. Nesse horizonte limitado, essa é a posição que, acredito eu até o presente momento, é menos deletéria para a minha própria autopoiese.


É muito difícil para os humanos em geral (presos numa luta diuturna pelo poder, pelo controle do excedente econômico) focarem no primeiro ponto e se esforçarem para reduzir ao mínimo a ideologia para tentarem chegar numa descrição a mais objetiva possível. Porém, as descrições, mesmo que maculadas pela ideologia e pela fantasia, podem ainda oferecer alguma descrição útil do ponto de vista da (tentativa de) objetividade.


Está sentindo, Sr. Anderson, o fim que se aproxima? Eu estou. Eu deveria agradecer.

Afinal, foi a sua vida que me ensinou a função de qualquer vida. A função da vida é terminar.”

(Agente Smith, em The Matrix Revolutions)


Voltando ao ponto de vista objetivo, uma interpretação mais literal da expressão “sentido da vida” nos permite responder que o sentido da vida é, tanto do ponto de vista de um indivíduo como do ponto de vista da coletividade, a morte. Se não me engano, isso é dito pelo Schopenhauer no capítulo XLI do Tomo II d'O mundo como vontade e como representação. A vida, ao menos até onde o conhecimento validado cientificamente nos permite conhecer, é um esforço neguentrópico – invariavelmente condenado ao fracasso. Assim sendo, no sentido mais objetivo, podemos dizer que a vida é simultaneamente um movimento de fuga da morte (por meio da autopoiese) quanto um movimento de encaminhar-se em direção à morte: é uma tentativa de vencer a morte, uma tentativa da neguentropia vencer a entropia. Movimento esse que aparece e permanece enquanto há as condições físicas para a sua manifestação. Lembremo-nos também da hipótese clássica de William R Clark para o envelhecimento (uma das causa da morte): é um efeito colateral justamente dos mecanismos que buscam refrear (diminuir o ímpeto) da autopoiese celular, para assim diminuir o aparecimento dos cânceres (uma outra causa da morte).


11/12/2021


Caminhos seculares para o fim do mundo:

(não estão em ordem de probabilidade de acontecer)


1. Primeira fronteira planetária: crise climática (fronteira já ultrapassada e em acelerada piora a cada dia; há dezenas de feedbacks positivos que já foram acionados e que estão sendo acionados, os quais são suficientes para levar a um aumento exponencial da temperatura em poucas décadas ou, sendo otimista, séculos; o que, por sua vez, é suficiente para levar a presente civilização global ao colapso e a espécie humana à extinção; ou mesmo, dizem uns, é suficiente para extinguir toda a vida na Terra).

2. Segunda fronteira planetária: perturbação no ciclo do nitrogênio (fronteira já ultrapassada).

3. Terceira fronteira planetária: perda da biodiversidade (fronteira já ultrapassada) (são mais de 200 espécies extintas por dia!, segundo estimativa da ONU em 2010; é óbvio que isso não tem como durar por muito tempo).

4. Quarta fronteira planetária: acidificação dos oceanos (fronteira próxima de ser ultrapassada).

5. Quinta fronteira planetária: perturbação no ciclo do fósforo (fronteira próxima de ser ultrapassada).

6. Sexta fronteira planetária: exaustão do uso de água limpa.

7. Sétima fronteira planetária: depleção do ozônio.

8. Oitava fronteira planetária: desflorestamento e outras mudanças no uso do solo.

9. Nona fronteira planetária: poluição química.

10. Décima fronteira planetária: poluição atmosférica.

11. 3ª Guerra Mundial.

12. Uma pandemia global de um vírus de alta letalidade (não precisa o vírus matar todos os humanos, precisa matar o suficiente para desagregar as cadeias produtivas ao ponto do humanos sobreviventes ao vírus morrerem em função da fome e do caos social).

13. Queda na taxa de fertilidade humana (uma das maiores especialistas mundiais em fertilidade masculina disse que em 2050 é possível que todos os homens sejam inférteis).

14. O acidente de Fukushima (há gente que acredita que esse acidente, sozinho, é suficiente para extinguir a humanidade em seis gerações; processo que, portanto, estaria em curso).

15. Outros acidentes envolvendo energia nuclear (inclusive acidentes que podem acontecer aos montes em caso de um caos social global causado, por exemplo, por uma pandemia, uma guerra mundial, uma forte tempestade solar atingindo a Terra, etc.).

16. Cenários apocalípticos envolvendo inteligência artificial.

17. Terrorismo/guerra cibernético/a num nível que desagregue severamente as cadeias produtivas globais. Incluindo aqui uma interrupção da internet mundial.

18. Tempestade solar que destrua boa parte da rede elétrica do mundo (já aconteceu no século XIX um evento desses, que se acontecesse hoje em dia seria catastrófico).

19. Meteoro/Asteroide grande o suficiente chocando-se com a Terra ou com a Lua.

20. Blue Ocean Event (deve acontecer antes de 2030; consequências não lineares imprevisíveis; possível extinção humana poucos anos depois do primeiro BOE).

21. Bomba de metano do Ártico (pode acontecer a qualquer momento, e cada vez é mais provável que aconteça), por derretimento do permafrost (pergelissolo). "Tudo o que é sólido desmancha no ar"...

22. Derretimento da geleira do fim do mundo (Thwaites Glacier).

23. Colapso da Amazônia.

24. Extinção das abelhas e/ou de alguma outra espécie essencial para a agricultura.

25. Rendimentos decrescentes na agricultura (mesmo com todo avanço tecnológico que se inventar), devido à exaustão dos recursos (solo, biodiversidade, falta de insumos à base de petróleo, etc.).

26. Fim do petróleo (projetado, atualmente para a década de 2060) ou de algum outro insumo-chave para a manutenção da atual civilização. (para além da energia, o petróleo é usado em tudo na vida contemporânea, em especial nos plásticos (que estão em toda parte) e na produção dos insumos da agricultura; não há agricultura para alimentar 8 bilhões de corpos humanos sem petróleo suficientemente barato disponível).

27. A Terra ser atingida por algum evento cósmico ainda não listado (por exemplo, receber uma dose maciça de radiação gama fruto de uma morte estelar (isso já aconteceu, com dose pouco letal, na Idade Média)).

28. Tentativas frustradas de geoengenharia (como o avanço da crise climática, várias propostas estão surgindo; obviamente, não há uma outra Terra para testá-las, então qualquer proposta que se tente implementar pode gerar consequências não previstas nos modelos e desagregar os processos planetários o suficiente para levar ao fim do mundo).

29. Colapso na vida dos oceanos (já há projeção de extinção dos recifes de corais para daqui uns 15 anos). O colapso dar-se-ia por uma mistura de fatores: pesca predatória + poluição + acidificação + aumento da temperatura + extinção de espécies centrais nas cadeias alimentares. Há a projeção de que em 2050 haverá mais plástico nos oceanos do que matéria orgânica. Não é possível bilhões de humanos vivendo num planeta com os oceanos mortos. Talvez nenhum humano sobreviva no "planeta água" com  os oceanos mortos.

30. Colapso (rápido demais) do atual arranjo capitalismo global (o que pode tanto desagregar as cadeias produtivas, quanto pode causar um pico da temperatura no planeta  inviabilizando a agricultura  via perda do efeito de escurecimento global, quanto pode levar à 3ª Guerra Mundial, quanto pode levar a acidentes nas quase 500 usinas nucleares espalhadas pelo mundo devido ao caos social, etc.)

31. Erupção do supervulcão de Yellowstone.

32. Infocalipse: desagregação cognitiva e estrutural da sociedade em função do caos semiótico e da entropia informacional, como especulado por Franco Bifo e Paul Virilio, entre outros.

33. Superbactérias resistentes a antibióticos.

34. Autocolapso da Internet (vide livro "Error 404:¿Preparados para un mundo sin internet?, de Esther Paniagua)

35. Invasão alienígena (essa já é bem menos provável do que todas as outras listadas aqui, boa parte das quais já está em curso). (Vou parar por aqui, para não misturar os cenários de alta plausibilidade com cenários fantasiosos, como o nascimento de um novo universo, ou a destruição da Terra fruto de algum experimento envolvendo acelerador de partículas ou algo assim, ou ainda o grey goo, etc.)