03/03/22
De longe, só pela aparência e pelo comportamento público, já acho a maioria dos humanos desprezíveis. E, quanto mais conheço os detalhes da vida de alguém, mais decepcionado eu tendo a ficar. Mas ainda assim, diferentemente de Cioran, eu não chego a ter uma aversão à ideia de ser humano: não sei o motivo, mas tenho apenas uma aversão aos humanos concretos, que conheço empiricamente, mas não à ideia de humano. Ainda assim, mesmo sem esse desprezo à ideia de humano, há uma parte minha que fica feliz com a ideia da extinção humana (não por causa do desprezo à ideia de humano, mas pelo desprezo aos humanos que de fato existem em suas múltiplas imperfeições).
05/03/22
Sobre a acupuntura e demais tratamentos alternativos
1. Não faz sentido biológico a existência dos pontos.
2. Não há exames (tipo uma ultrassonografia ou um raio-x) que detectam os pontos: porque eles simplesmente não existem, não correspondem a nenhuma estrutura física mensurável.
3. Mesmo que existissem, eles não estariam exatamente nos mesmos pontos em todas as pessoas (haveria diferenças milimétricas, o que é muita coisa quando se está falando de acertar um ponto com a ponta de uma agulha).
4. Mesmo que estivem no mesmo lugar em todas as pessoas, não há garantia de que os profissionais estão acertando esses pontos, porque, novamente, esses pontos não correspondem a nenhuma estrutura física, material, observável (como, por exemplo, um vaso sanguíneo ou um nervo).
5. Mesmo que estivessem acertando o ponto com a agulha, não faz sentido que colocar uma agulha no ponto superficial da pele teria qualquer efeito de homeostase/cura.
6. Mesmo que, com tudo isso, a acupuntura funcionasse, os estudos científicos mostrariam que funciona, pois as alegações da acupuntura são passíveis de testagem pelo método científico.
7. Mesmo que haja estudos que apontem algum efeito estatisticamente relevante da acupuntura, não é o que mostram as meta-análises.
8. Justamente por isso, já no primeiro parágrafo do artigo da Wikipédia sobre o tema, a acupuntura é classificada como pseudociência.
9. Quem acha que a acupuntura é científica simplesmente não entende o que é a ciência, ou entende e é mau-caráter, ou ambos (afinal, se envolver supostas técnicas curativas sem se dar ao trabalho de entender de ciência já é denota falta de caráter).
10. A minha experiência com charlatões e com seus seguidores demonstra que eles pura e simplesmente não entendem como funciona o método científico, e nem querem entender.
11. Essas pessoas fundamentam sua fé em evidências anedóticas, não entendem que esse tipo de evidência não tem valor científico e tem baixíssimo valor epistemológico. Não entendem de ciência e em geral nem sabem o que é epistemologia. Não entendem (nem querem entender), entre outros, os conceitos de placebo, de regressão à média, le lei dos grandes números ou de falácias lógicas - como argumento de autoridade ou post hoc ergo propter hoc ("depois disso, logo, causado por isso"). Depois de tantos anos acreditando em uma mentira (e depois de terem gastado tantos recursos com ela), não terão a dignidade, o caráter, de admitir o erro, porque não se importam com a verdade (se se importassem, entenderiam do método científico).
12. A acupuntura, assim como todas essas práticas alternativas não validadas cientificamente, não passa de pensamento mágico, de charlatanismo para tirar dinheiro de pessoas fragilizadas pelo sofrimento. Mesmo quando o charlatão não recebe qualquer pagamento econômico, ele recebe uma remuneração simbólica em termos de status, e isso já é muito gratificante para o ego dele (mesmo que ele alegue estar desprendido do próprio ego). Mas a maioria dos charlatões é muito bem remunerada economicamente pelo serviços que supostamente oferece.
13. Mesmo que me ofereçam de graça um serviço desses (no máximo, costumam oferecer a primeira sessão de graça), ainda assim eu estaria gastando meu tempo e minha atividade cerebral, o que são custos que não valem a pena para algo que a Wikipédia diz que é pseudociência.
14. Só me prestaria a gastar meus recursos com algo assim (qualquer medicina alternativa), se eu estivesse numa situação desesperadora e já tivesse tentado exaustivamente os tratamentos baseados em evidências.
"Os melhores estudos controlados mostram um padrão claro, com acupuntura o resultado não depende da localização da agulha ou mesmo da inserção da agulha. Como essas variáveis são as que definem a acupuntura, a única conclusão sensata é que a acupuntura não funciona. Todo o resto é o ruído esperado dos ensaios clínicos, e esse ruído parece particularmente elevado na pesquisa em acupuntura. A conclusão mais parcimoniosa é que com a acupuntura não há sinal, apenas ruído."
https://universoracionalista.org/acupuntura-nao-funciona/
09/03/22
Todo mundo é confiável, até um dia em que deixa de sê-lo.
16/03/22
Esse papo de “inteligência leva à solidão e à infelicidade” (no sentido de pessoas que têm uma inteligência acima da média serem mais infelizes) é somente verdade em parte, e em uma parte bem pequena.
Vale lembrar que existem muitas inteligências, ou, caso se queira pensar em uma inteligência apenas, existem muitas diferentes áreas as quais a inteligência pode se focar em detrimento das demais (e ninguém consegue nem chegar perto de ser inteligente na maioria delas, muito menos em todas). É um tipo específico de inteligência, ou uma área específica de foco da inteligência, que pode levar à infelicidade e à solidão, e não a inteligência em geral. Bem utilizada, focada na promoção da saúde e da melhoria da qualidade de vida, a inteligência tende a melhorar a vida das pessoas. O desconhecimento e a ignorância cobram preços muito mais elevados para a felicidade, e mesmo para a qualidade das relações interpessoais, do que o conhecimento e a sabedoria.
Esse papo de “os inteligentes são infelizes e solitários” é muito mais uma desculpa, uma racionalização, de gente pouco inteligente para afagar o próprio ego diante do fracasso na vida em termos de felicidade e de sucesso nas relações interpessoais (“sou infeliz e sozinho, mas é porque sou inteligente e os outros a minha volta são burros). Se a pessoa de fato aplicasse a sua inteligência a essa área (da busca da felicidade e do sucesso nas relações interpessoais), provavelmente ela teria bons resultados, mas ela escolheu se envolver em assuntos fringe alheios a isso, e, porque os domina minimamente enquanto a maioria das pessoas nada sabe sobre eles, ela se acha mais inteligente do que os outros, quando, na verdade, é apenas alguém (que pode ter uma inteligência mediana ou até abaixo da média) que decidiu focar em um assunto pouco usual.
Mesmo quando a pessoa foca a sua inteligência em entender a verdade sobre esse mundo, despida de otimismo e justificações laudatórias – e é esse o foco da inteligência que pode levar à infelicidade – , a infelicidade não decorre do conhecimento em si, mas do choque (da frustração da expectativa) desse conhecimento do que o mundo é com o desejo do que ele deveria ser: ou seja, não é causado pela inteligência, mas por um desejo que não se compatibiliza com a realidade.
Nós vivemos numa sociedade na qual cada vez mais tudo empurra as pessoas ao solipsismo. A solidão é um fenômeno social, da nossa época. Essa “tese” de “culpar” a inteligência é uma forma não inteligente de ignorar tanto a responsabilidade de cada pessoa sobre sua própria vida (inautenticidade), quanto a responsabilidade coletiva sobre o funcionamento social (reificação), quanto a responsabilidade política dos gestores/arquitetos do modelo de sociedade que criamos (pensamento apolítico).
19/03/22
Eudemonismo duanconradiano
É formado pela zona de interseção entre o niilismo passivo (mão esquerda), o maquiavelismo (mão esquerda), o cinismo (mão esquerda) e o estoicismo (mão direita).