10/07/2017
Se fôssemos
acreditar simultaneamente em todas as evidências anedóticas que as pessoas
relatam e que indicam a existência de “algo a mais” além do mundo reconhecido
pelo senso comum e pelas ciências, uma das conclusões que poderíamos tirar (e,
se não me engano, foi essa a tese do ótimo Charles Fort) é que vivemos numa
espécie de confluência/superposição de diferentes mundos, a qual erroneamente acreditamos ser um mundo só. Outra conclusão, nem não tão distante dessa primeira, é imaginar que estamos
num mundo virtual, simulado, no qual são rodadas simultaneamente diferentes simulações cosmológicas. Também gosto da metanarrativa do David
Icke, vejo-a como uma boa atualização pós-moderna da Gnose, uma que consegue
englobar essas múltiplas e superpostas simulações em que estamos enredados.
Outra
solução, bem mais plausível no meu ver, para esse impasse é não acreditar
nesses relatos extraordinários, é ver essas pessoas como charlatães e maquiavélicas,
ou como pessoas delirantes sem autocrítica, ou como uma mistura de ambas as
condições. Pelo menos da minha parte, eu imagino que, se eu vivenciasse as
experiências que essas pessoas alegam vivenciar, eu não acreditaria nas
conclusões que elas tiraram do que viveram. As pessoas em geral concluem, seja
lá o que for, rápido demais, e as que vivem (nem que só em suas cabeças) os
traumas dessa experiências extraordinárias tendem a querer uma conclusão
peremptória ainda mais rapidamente. Mas a verdade é tudo menos algo que se
alcança facilmente. Cada um de nós está preso na própria cabeça, e a realidade
que cada um inventa pode ter pouco ou mesmo nada a ver como o real que
estimulou a consciência a produzir essa sua representação em particular. Tudo
é possível, pelo menos dentro das cabeças delirantes humanas. É apenas com muito
esforço e método que conseguimos prescrutar o real por trás da polifonia das
realidades.
É em virtude
de vieses cognitivos que as pessoas decidem dar crédito (ou mesmo que seja só
atenção) a determinadas evidências anedóticas em detrimento de outras. O mais
razoável e menos viesado seria desprezar todas igualmente. E se isso vale para
as evidências anedóticas, vale mais ainda para as meras argumentações, para as
elucubrações da “razão pura” (pura de evidência empírica, mas não de desejo).
(continua em 23/07/2017)
14/07/2017
Não sei
exatamente quando, mas em algum momento entre seus 15 e 21 anos Lucas Caetano
da Rosa, o vulgo “Vagazoide”, já havia perdido a fé na humanidade. Quem me dera
eu não tivesse precisado de 13 anos de estudos de Schopenhauer e de Cioran para
conseguir eu também essa realização!
15/07/2017
Qualquer
narrativa que prometa uma solução para o impasse da existência humana é utópica,
fantasiosa, não importa qual seja seu conteúdo específico, qual seja o seu
nível de complexidade, ou qual seja seu púbico-alvo.
*
Os
charlatães de todas as estirpes fazem tanto sucesso simplesmente porque as
pessoas querem ser enganadas, precisam mesmo de ilusão para suportar viver e
realizar a autopoiese nesse deserto dor real. Olhe a sua volta.
*
Que sucesso
a pessimista Gnose teria tido se não prometesse a salvação ao menos para uma
meia dúzia de eleitos?
*
Embora se
chame “autoajuda”, depende do intermédio de gurus, de figuras de autoridade.
17/07/2017
“É preciso
imaginar Sísifo feliz.” (Camus)
Ou seja,
para não se matar é necessário ser masoquista. E eu já cogitei levar a sério
esse imbecil. Qual a diferença disso e de acreditarmos que não podemos nos
matar pois nossa vida pertence a Deus? Ou, ainda, acreditarmos que devemos nos
submeter a um imperativo categórico (racional (Kant) ou irracional (Nietzsche),
tanto faz)? A solução de Camus é até pior, pois propõe um masoquismo que se
esgota em si mesmo, que sequer se fundamenta
em um alhures. No mais, é tudo devaneio do instinto de conservação, com
diferentes graus de erudição e de ingenuidade. É tudo tão medíocre que custa-me
crer que se trata de alta literatura, e não de mais um livro qualquer de
autoajuda. Eu ganharia mais indo atrás de macho (o que não faço, pois considero
uma perda de tempo) do que lendo esses “grandes pensadores”.
O único
argumento que eu acho válido contra o suicídio é esperar que a vontade de se
matar pode passar. No meu caso, levou
13 anos e uma tentativa de suicídio quase bem sucedida para passar.
18/07/2017
Em virtude
dos mecanismos de defesa do ego, as pessoas sempre inventam racionalizações
para justificar suas atitudes, de tal forma que, quando precisamos avaliar se
vale a pena lidar ou não com alguém (e, se valer, como lidar com a pessoa),
devemos avaliar as consequências de suas atitudes, e não as justificativas
apresentadas.
21/07/2017
Se eu
tivesse que me definir por algum “ismo”, diria que estou em algum lugar entre o
eudemonismo e o niilismo: um eudemonismo niilista, ou um niilismo eudemonista,
ou algo por aí.
22/07/2017
No começo de
suas ruminações sobre a morte, o convalescente Ivan Ilitch fica feliz ao pensar
que todos passarão pelo que ele está passando. Mas não é bem assim. Todos
morreremos, mas nem todos teremos a sorte de uma morte lenta (que dure meses,
como o caso dele) e dolorosa. A maioria das pessoas, covarde como sempre,
deseja inclusive uma morte rápida, inconsciente e indolor – seu sonho é morrer
dormindo, para que não tenham que enfrentar a morte nem mesmo no momento de sua
consumação.
*
Ciclo
vicioso: Assim como a/o esperança/otimismo alimenta o desejo, as ações práticas
realizadas com o fito de conseguir o objeto de desejo implicam, uma vez que
possuem custos (tempo, energia, esforço, concentração, custos de oportunidade,
etc.), num reforço positivo da/o esperança/otimismo – e assim aumenta o
sofrimento. Quanto mais perseguimos prazeres, mais infelizes ficamos.
23/07/2017
(continuação da nota de 10/07/2017)
Comparemos, por exemplo, as experiências de
quase morte (EQM) de Andressa Urach e de Eben Alexander III (essa última
inclusive foi inspiração para a elaboração do meu Post (mortem) scriptum).
Embora ambas
as experiências tenham uma narrativa semelhante e apontem para a existência de
um Deus bom e misericordioso (um anti-demiurgo), enquanto a de Urach ratifica a
narrativa padrão da IURD, a de Alexander III basicamente delineia um narrativa
tipicamente new age, espiritualista e
que pretende-se unificadora de todas as religiões. Enquanto Urach diz que
respeita as outras religiões e que está somente relatando a sua experiência, a
sua realidade, Alexander III, mais megalomaníaco, alega, e inclusive estrutura
a sua narrativa para oferecer evidências anedóticas disso, que a sua EQM foi
bem mais profunda do que todas as outras, e que ele teria alcançado o centro do
mundo espiritual (enquanto as outras penetraram menos nele).
Ora, se supormos (e não é essa para mim a
hipótese mais provável) que essas ambas experiências de fato são mais do que
alucinações e que ambas entraram em contanto com domínios do real que estão
corriqueiramente inacessíveis aos humanos mas que estão em constante
intercâmbio com o “aqui, desse lado”, então teremos que admitir a existência de
múltiplos domínios do real, que são ou paralelos e sem hierarquia (horizontais)
ou concêntricos e hierarquizados (verticais). Esses múltiplos reais são um
fenômeno natural/criação de um Deus bom ou são uma estrutura artificial/ criada
pelo demiurgo ou pelos administradores da Matrix (arcontes) na qual estamos
presos?
*
Joo-Ho Bong,
o diretor do filme Okja, diz que
virou vegano – por dois meses – por ocasião das visitas que fizera em
matadouros como parte do processo de pré-produção do filme. Alegou ainda, que
foi particularmente o cheiro que o
abalou (talvez porque as imagens já estão disponíveis há tempos para quem
quiser vê-las, né – a novidade é o cheiro). Dois meses depois do trauma, ele
voltou a comer carne, não sem algum sentimento de culpa.
Daí já se
nota o utopismo e o otimismo ontológico da militância vegana/vegetariana: mesmo
não raro desprezando o ser humano, ela geralmente acredita (ou ao menos
acreditava há alguns anos, talvez não acredite mais) que, se as pessoas
soubessem o que ocorre nos matadouros (se eles não fossem escondidos do
escrutínio público), elas deixariam de comer carne. Joo-Ho Bong, mesmo tendo
uma experiência completa de imersão e mesmo dirigindo um filme sobre o tema,
persistiu na necrofagia.
A impressão
que eu tenho é que o roteiro do filme foi escrito antes da palavra do ano de
2016 se tornar “pós-verdade”, pois nele os militantes defensores dos animais
acreditam que as pessoas vão parar de comer carne se souberem dos horrores
envolvidos em sua produção (crença desmentida posteriormente pela grande
empresária, que diz, com razão, que se for barato as pessoas comprarão), sendo
que isso sequer ocorreu com o diretor do filme...
Por falar no
assunto, achei boba essa escolha de “pós-verdade” como a palavra de 2016, só
por causa da traumática vitória de Trump. Mais uma vez, utopismo e otimismo
ingênuo: “pós-verdade” (ou “hipocrisia”, para quem dispensa o neologismo
redundante) não é a palavra de 2016, mas a da de toda história humana.
*
Sobre a irrealidade.
"Sofremos:
o mundo exterior começa a existir...; sofremos demasiado: ele desaparece. A dor
só o suscita para desmascarar sua irrealidade." (Cioran, em Silogismos da amargura)
Há um tempo
que eu venho notando que a sensação de irrealidade – abordada várias vezes no Outsider à beira do abismo – é algo bem
mais corriqueira do que eu pensava. Antes, eu achava que era algo que só poucos
malucos sentiam (incluso eu, é claro), mas com o tempo fui notando-a
repetidamente em toda parte. Muitos filmes abordam o tema sutilmente (por
exemplo, no final de “Sobre meninos e lobos”, um filme protagonizados por notórios
homens insiders), cheguei a descrever
a sensação para uma insider e ela
disse que já aconteceu com ela. Acontece com todo mundo, ainda mais em uma época
histórica em que estamos afogados em simulacros – e estaremos cada vez mais. Ela
está mesmo na origem do pensamento religioso (e portanto do utopismo também).
Será a
sensação de irrealidade mero mecanismo de defesa do ego – diante da dor, uma
forma de lidar com ela é negando-a, achando-a irreal? Ou serão esses momentos
de estupor os nossos momentos mais lúcidos?
*
Zilhões de googolplex.
“Às vezes
conseguimos nos esquecer em alguma coisa; mas como nos esquecermos no próprio
mundo? Esta impossibilidade é a definição da dor. Aquele que é atingido por ela
não se curará nunca, mesmo que o universo mudasse completamente. Só seu coração
deveria mudar, mas é imutável; também para ele, existir só tem um sentido:
mergulhar no sofrimento – até que o exercício de uma cotidiana nirvanização
eleve-o à percepção da irrealidade...” (Cioran, em Breviário de composição)
Nessa
terça-feira (18/07) lá fui eu fazer os exames solicitados pelo médico em 03/07
(conforme mencionado aqui antes). Tinha que ficar em jejum, acordar cedo (sendo
que eu demorei para pegar no sono), e também me enfiaram um “acesso” para
injetar contrastes em mim (para ressonância magnética e para tomografia
computadorizada). Ainda por cima, eu estava com laringite (tive inclusive que
ir no hospital da quinta-feira para me receitarem antibióticos). Inverno... Tudo
uma merda.
Enfim, todo
esse contexto de sofrimento e de privação me permitiu ter uma experiência quase
mística.
Um dos
contrastes injetados foi iodo, e ele deu uma espécie de “barato” (deu para
senti-lo chegar à aorta e se espalhar pelo corpo). Se iodo dá isso, imagine-se
heroína. É compreensível que esses rockstars
se matem – provavelmente nada nesse mundo pode ser o bastante para quem
conheceu as delícias da heroína (mal o é para mim, que nem a usei).
Enquanto eu
esperava numa maca para o segundo exame (no qual injetaram outro contraste, mas
que não deu barato), fiquei deitado por um tempo que pareceu interminável. Todo
aquele artificialismo – máquinas caras, telas de LCD, técnicos uniformizados,
pinturas abstratas na parede – fez-me teletransportar para as savanas. Senti-se
na pele dos primeiros hominídeos. Como chegamos a esse ponto de traição de
nossa própria natureza animal? A Queda... O ápice da humanidade foi na pré-história...
No segundo exame, enquanto a máquina ficou por 20 minutos apitando diferentes barulhos na minha cabeça (tudo isso para fazer uma mera ressonância magnética do ombro), eu viajei pelo omniverso (não é a primeira vez que isso aconteceu, a primeira rendeu certos manuscritos que eu nunca tive tempo de transcrever, quem sabe um dia eu os transcreva aqui), vi zilhões de googolplex de universos coexistindo simultaneamente. Havia um universo diferente para cada estado quântico de cada partícula desse nosso universo. Todas as possibilidades aconteciam ao mesmo tempo. Bilhões de Duans Conrados Castros, um infinitesinalmente diferente dos outros – mas, como são tantos, havia uns totalmente diferentes do que eu sou, uns correspondiam aos meus ideais, outros eram ainda piores do que eu sou (segundo os mesmos critérios).
No segundo exame, enquanto a máquina ficou por 20 minutos apitando diferentes barulhos na minha cabeça (tudo isso para fazer uma mera ressonância magnética do ombro), eu viajei pelo omniverso (não é a primeira vez que isso aconteceu, a primeira rendeu certos manuscritos que eu nunca tive tempo de transcrever, quem sabe um dia eu os transcreva aqui), vi zilhões de googolplex de universos coexistindo simultaneamente. Havia um universo diferente para cada estado quântico de cada partícula desse nosso universo. Todas as possibilidades aconteciam ao mesmo tempo. Bilhões de Duans Conrados Castros, um infinitesinalmente diferente dos outros – mas, como são tantos, havia uns totalmente diferentes do que eu sou, uns correspondiam aos meus ideais, outros eram ainda piores do que eu sou (segundo os mesmos critérios).
Enquanto
voltava para casa eu pensava: adiantaria alguma coisa, em termos de aplacar o
meu sofrimento, saber que existem milhares de versões mais bem-sucedidas de
mim, mas que também existem milhares de versões menos bem-sucedidas, fora as trilhões de Terras onde eu nunca cheguei a existir? Concluí que é uma pergunta utópica,
mera tentativa dos meus instintos de autopreservação de tornar o meu sofrimento relativo: se eu estou preso nesse
corpo e nesse universo, pouco importa se existem outros ou não. Toda minha
existência se esgota aqui. É contraproducente tentar fugir do sofrimento com
esses delírios utópicos.
*
A via da perdição.
"O
problema do mal só perturba realmente alguns delicados, alguns céticos,
revoltados pela própria maneira como o crente se conforma com ele ou como o
escamoteia. É para esses então que, em primeiro lugar, se dirigem as
teodiceias, tentativas de humanizar Deus, acrobacias desesperadas que fracassam
e se comprometem no seu próprio terreno, desmentidas a cada instante pela
experiência. Embora procurem convencê-los de que a Providência é justa, não o
conseguem." (Cioran, em Ensaio sobre o pensamento reacionário)
Ainda em 18/07,
enquanto eu estava na maca no ínterim entre os dois exames, uma enfermeira veio
falar comigo. Perguntou sobre a lesão muscular fruto de uma tentativa de suicídio
há quase 6 anos atrás. Aí ela me tratou como me trataram as pessoas na época em
que tentei me matar: de forma maternal.
Perguntou
por que eu tentara me matar, se fora por amor. Eu disse que nunca me senti partícipe
desse mundo... Ela disse que ela também não se sente (olha aí a sensação de
irrealidade onipresente), fez breves considerações sobre a burocracia e a
reificação (sem usar essas palavras, claro).
Aí então
perguntou se eu costumava ler, já imaginei onde ela queria chegar. Eu disse que
já li mais no passado, mas que não me interessava muito no momento por leituras.
Perguntou se eu já tinha lido a Bíblia (sim, foi aí que eu imaginei que ela
iria chegar), eu disse que já, ela ficou surpresa (oh pessoalzinho previsível,
hein) e disse que a Bíblia é um livro "profundo" (rs). Nem lembro como a conversa acabou, mas não cortei o assunto, nem fui
grosseiro, nem fiz promessa nenhuma – dessa vez, diferentemente do que ocorrera
em 03/07, eu me lembrei de vestir a máscara social. Simplesmente ficou por isso
mesmo. E então ela voltou ao trabalho dela – afinal, estava ali para trabalhar
né, não para se compadecer dos outros e evangelizá-los. Todos querem distribuir
receitas de felicidade... Senti-me em The Sims
– dentro do jogo, falando com um Sims, rodeado de simulações de seres humanos. Novamente,
irrealidade.
No primeiro
filme da trilogia Matrix, certa hora,
isso no começo (antes de Neo tomar a pílula vermelha), Morpheus fala para ele
algo assim (estou citando de cabeça, não vou me dar ao trabalho de achar a
citação exata): “eu sei por que você está aqui, Neo, você está aqui porque sabe
que existe algo de errado com esse mundo, e quer saber o que é.” No caso, o “saber
o que é” passava por tomar a pílula vermelha. Ora, todas as pessoas sabem que algo vai muito mal nesse mundo
(tanto que se identificam com o filme), e uma das funções da ideologia é dar
uma explicação/justificação para a presença do mal no mundo. Mas quantas pessoas
se afundam na busca desse porquê ao ponto de destruírem a si próprias? Quantas
vão tão longe nessa busca ao ponto de não chegarem a lugar algum, exceto os próprios
paradoxos? Quantas estão dispostas a pagar o preço de se tomar a pílula
vermelha? O preço de ir tão longe que todo o senso comum (incluído aí a “profundidade
da Bíblia”), e com ele a própria vida, se esfumaça diante de seus olhos? Esses,
que apenas chegam a essas revelações consentindo com a própria destruição, são
os verdadeiros outsiders, e, como tal,
não servem mais à autopoiese da espécie.
Todo insider
é um potencial outsider – o que lhe
falta para sê-lo é deixar-se levar por essa via de perdição. Mas não se deixa,
pois seus instintos de autopreservação são fortes demais em comparação com o
desejo de entender: instintivamente notam o perigo da busca pela verdade, e se
afastam rumo ao conforto e a segurança da ignorância.