18/06/2017
Perdidos em
suas utopias, às vezes é preciso relembrar ao pessoal de humanas o óbvio: um
sistema sígnico não gera pulsões, o máximo que ele pode fazer é tentar
canalizá-las; elas têm sua origem não no domínio da cultura, mas no domínio dos
instintos corporais. Pretender reduzir as questões de gênero e de sexualidade à
cultura é tão reificante quanto pretender reduzi-las à biologia.
03/07/2017
Hoje de
manhã, fui num médico no qual eu nunca tinha ido. Como eu tinha acabado de
acordar e era segunda-feira, esqueci de colocar a minha “máscara social”.
Basicamente tratei ele sem aquela circunspeção/submissão que o bom-senso
recomenda ao se lidar com “autoridades” em geral, e ainda mais num primeiro
encontro com elas. Resultado: o sujeito achou que eu estava drogado e ainda
recomendou que eu fosse em um psicólogo (sendo que eu já recebi alta de duas
psicólogas diferentes, rsss), e ainda deu a entender que em consultas futuras
(terei que voltar lá para levar resultados de exames) vai insistir para que eu
vá em algum psiquiatra... A mentira é a base da sociabilidade e das “boas
maneiras”.
*
Não há como comprometer-se simultaneamente com a verdade e com a vida. Quem escolhe comprometer-se com a vida escolhe, também, iludir-se. Qualquer discurso
comprometido em defender a vida tal como é, ou que a critica para propor-lhe
melhorias, está inevitavelmente eivado de ilusões.
*
Quanto mais
se deseja, mas se sofre. E quanto mais se sofre, mais se busca inventar
sentidos morais para justificar o sofrimento – e é aí que entra o pensamento
religioso. Quanto menos desejamos, menos precisamos da religião (ou da utopia
política) como muleta existencial. Nada é mais depressor do que o otimismo,
pois ele alimenta a esperança, e essa alimenta o desejo e a sua consequente frustração, aumentando assim o
sofrimento.
*
Não é o fato
do mundo ser uma merda que nos faz sofrer, mas sim é a nossa permanente recusa
em nos resignarmos ao que o mundo é. Quanto mais temos esperança de que as
coisas vão mudar, mais quebramos a cara e sofremos.
*
Antes mesmo
de uma religião se tornar a principal religião de um povo, ela já destruiu todo
o espírito da doutrina original que a inspirou, já o aniquilou para tentar
agradar à massa ignara, já escolheu servir a Mamon, em detrimento da causa que
iniciou o movimento. Dalai Lama não tem mais ligação alguma com o que o budismo
foi em seu início.
*
Que
diferença há entre um monge de verdade (se que é ainda existe algum) e um atleta olímpico? O monge acha que está
transcendendo esse mundo e, em vez de ser sustentado por grandes corporações, é
sustentado por outras pessoas que também acreditam nessa possibilidade de
transcendência e que veem no monge uma prova da veracidade dessa possibilidade.
Fora isso, ambos são tarados, viciados até o masoquismo.
*
Cedo ou
tarde, todos precisam encarar as próprias limitações.
06/07/2017
Boa parte
das pessoas obcecadas em ganhar dinheiro e em ter sucesso profissional ignora
os custos de oportunidades dessas suas taras, embora costumem calcular os custos de oportunidade de quase tudo. Sem essa cegueira, sua eficácia iria ralo abaixo.
07/07/2017
Assim como
eu não sou mais a pessoa que tentou se matar em 2011, não sou também a pessoa
que se encheu de tatuagens em 2013 e 2014. A ideia da permanência de uma identidade que
progride no tempo é uma ilusão cultural e dependente de memórias viesadas. O
próprio “eu” no aqui e no agora não passa de uma reificação útil à autopoiese,
de uma máscara para uma miríade de redes neurais em interações cibernéticas,
não raro conflitantes (daí as contradições que todos apresentamos).
*
O processo de autoconversão e o sofrimento político.
Quando uma
pessoa descobre-se posicionada fora do senso comum – descobre-se, por exemplo,
incapaz de acreditar em Deus, ou com desejos homossexuais, ou com um desejo de
não ter filhos, ou com um desejo de não comer carne por amor aos animais, ou
com uma aversão à violência intrínseca à semiótica da masculinidade, etc. –,
ela precisa refazer seu mapeamento cognitivo, pois o mesmo, construído cumulativamente
em interação com o senso comum, está eivado de crenças que ferem esse
posicionamento recém-descoberto e com o qual a pessoa decidiu comprometer-se.
É esse
processo de reforma do mapeamento cognitivo que eu estou chamando aqui de
“autoconversão”, e ele pode levar meses, ou mesmo anos, para estar concluído (a
se depender a sagacidade de pessoa, do tempo e da energia que ela dedica à
reforma, etc.). Enquanto esse processo não estiver concluído, repetidamente a
pessoa se vê na obrigação de ficar reafirmando para si própria a sua posição
toda vez que ela se depara com alguém que não a adota – e como a posição em
questão fere o senso comum, isso ocorre o tempo todo. A pessoa, então, fica em
um estado quase permanente de tensão, pronta o tempo todo para se defender dos
ataques vindos do mundo exterior – não raro, os ataques sequer são, stricto sensu, dirigidos à pessoa: ela
se defende da simples existência, no senso comum, de uma ideologia de
legitimação do posicionamento que ela não adota, ao qual ela recentemente
descobriu-se opositora.
É nesse
processo defensivo – parte integrante do processo de autoconversão – que a
pessoa frequentemente cai na armadilha de transformar sua posição em uma ideologia política: quer converter o
mundo ao ateísmo (“à razão”), quer acabar com qualquer sinal de aversão a
homossexuais (ou mesmo com "todas as formas de preconceito”, rs), quer que
todos deixem de procriar, não descansará enquanto um único animal ainda estiver
sofrendo para o prazer humano ou enquanto uma única mulher ainda estiver
sofrendo para o prazer masculino, etc. Embora essa politização possa ser útil
como parte do processo de autoconversão, não raro ela se transforma, do ponto
de vista da economia do sofrimento, em uma armadilha: a pessoa pode acabar se
habituando ao proselitismo e, mesmo quando já concluiu a autoconversão,
continuar por isso a se torturar pelo fato de o mundo não se curvar ao seu novo
deus, ao seu projeto de salvação. Por exemplo, conheço gente que está há quase
50 anos sofrendo porque o mundo permanece a comer carne.
Para aqueles
que, como eu, priorizam a diminuição do sofrimento pessoal, é preciso muita
cautela com essa politização – embora ela possa ser útil como parte do processo
de autoconversão, ela pode facilmente tornar-se uma armadilha, ser reprodutora
de sofrimento pessoal. Ora, não se decidiu comprometer-se com esse
posicionamento outsider justamente
para diminuir o sofrimento, já que é sofrido violentar a si mesmo ao ir contra
sua própria natureza para agradar aos outros? É comum que essa politização seja abandonada quando a pessoa
atinge a autoconversão: cansada de “dar murro em ponta de faca” e já estando o
mapeamento cognitivo devidamente reformado, a pessoa resigna-se ao fato de o
mundo não pensar como ela pensa. Não sofre mais por ver-se repetidamente em
oposição ao mundo. Tal como um cu já acomodado ao caralho que o fode, torna-se
insensível ao não lhe oferecer mais resistência. Mas em outros casos, a pessoa,
masoquista, decide-se por passar o resto da vida a sofrer por uma causa
perdida.
Não é só o
masoquismo que mantém esse proselitismo vão, é, também, o prazer decorrente de
imaginar-se melhor que os outros – prazer que, ao reconfortar o ego, serve-lhe
de mecanismo de proteção. Crendo-se “parte da solução e não do problema” (o que
já pressupõe a crença utópica de que existe uma solução para o impasse humano), a pessoa não precisa
mais de autocrítica, não precisa mais aprimorar-se (exceto quando o
aprimoramento é entendido como um afundar-se ainda mais na dita ideologia
política): é um mocinho rodeado de vilões, é um agente do bem rodeado pelo mal.
Em uma palavra, é superior. Embora
sofra por estar em guerra permanente com o mundo, goza por acreditar ser-lhe
superior, e recorre inclusive a essa ilusão de superioridade como estratégia para
esconder de si mesma o reconhecimento de outros problemas que possui (até porque, se os reconhecesse, teria que vilanizar a si própria, e acreditar-se
digna de castigo, dado que é isso que pensa dos outros). Nesse ponto, a posição
de diferente torna-se fonte de desperdício conspícuo, e a pessoa torna-se
sadomasoquista.
Quanto mais
traumático o processo de conversão (trauma inclusive diretamente proporcional à
resistência apresentada pelo círculo de relações da pessoa ao posicionamento
por ela adotado), maior a probabilidade da pessoa transformar-se em
proselitista de uma ideologia-utopia política.
Já
eudemonistas, como eu, simplesmente não sofrem por ideais políticos.
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