sábado, 23 de setembro de 2017

XXVII

10/09/2017

Eu consigo detectar a vontade de potência em ação até em uma coelha (de estimação de um amigo) – fêmea, vegana, sem metacognição e livre de quaisquer ideologias...



11/09/2017

Tem gente que tem certeza que existe Deus; tem gente que tem certeza que não existe. Tem gente que tem certeza que há “vida após a morte”; tem gente que tem certeza que não há. Tem gente que tem certeza que o ser humano é, em essência, moralmente bom; tem gente que tem certeza do exato oposto. Etcétera. Convicções não possuem valor epistemológico.

12/09/2017

Por mais disparatadas que sejam as ontologias das pessoas, a maioria delas é compatível com um funcionamento minimamente razoável dentro da sociedade: podem diferir muito na teoria, mas na prática atendem razoavelmente ao mesmo fim: propiciar a adesão à autopoiese (da vida e, junto com ela, da sociedade com seus respectivos poderes estabelecidos).


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13/09/2017

Morreremos todos sozinhos – e iludidos.

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O método científico até consegue se aproximar do Real – mas ao preço de destruí-lo, esquartejá-lo para analisá-lo objetivamente. Não é por acaso que a ciência casa tão bem com o capitalismo e que, juntos, promovem a maior devastação que já houve na história da vida nesse planeta. Mas os idólatras da ciência (dentro dos quais estão quase todos os “neoateus” e quase todos os divulgadores científicos) se recusam a ver isso, dizem que a ciência é neutra e nada tem a ver com o uso que os humanos fazem com suas descobertas...

14/09/2017

Na minha ontologia, suicídio é afirmação ou negação da vida?
Schopenhauer diz que é afirmação, Cioran diz que é negação. E eu, digo o quê? Para mim o suicídio é fruto dos mecanismos psíquicos que buscam fugir do sofrimento. Dá para dizer que ele é negação do sofrimento. Mas se é negação ou afirmação da vida, isso depende do mapeamento cognitivo da pessoa que se mata (ou cogita se matar): se o mapeamento diz que não há nada após a morte, então é negação; se diz que a vida continua, mudando só o locus ocupado pela consciência da pessoa, então é afirmação. O mecanismo biológico que busca reduzir o sofrimento é cego, não possui uma gnose, não sabe o que tem do outro lado – esse conhecimento (essa crença) é terreno do mapeamento cognitivo.
Talvez a espiritualidade pós-moderna esteja contribuindo mais para o aumento dos suicídios do que o usualmente vilanizado ateísmo/niilismo/ceticismo/materialismo: não porque seja a rigor mais danosa nesse quesito, mais por ser mais popular mesmo. Ocorre que nessa espiritualidade cada um inventa a neurose que lhe convém (se afastando das neuroses (religiões) dominantes), embora em geral o faça, por questão de economicidade (e de falta de criatividade), por meio de um pastiche das doutrinas populares, quer religiosas, quer filosóficas, quer esotéricas, quer de autoajuda, etc. Ao afastar-se da coerção de uma doutrina já pronta e estabelecida/defendida por uma instituição, a pessoa acaba forjando uma espiritualidade cujo objetivo central termina sendo o de legitimar as escolhas que ela faz – inclusive, se for o caso, a escolha de se matar. O Deus particular da pessoa acaba fazendo um papel de superego invertido, ou, mais exatamente, um pseudosuperego, que é na verdade o ego fingindo para si mesmo ser um superego. Enquanto no caso da neurose universal/institucional há uma coerção para que a pessoa não se mate, na neurose particular a espiritualidade acaba por validar até a decisão de terminar com a própria vida: não é a falta de fé que mata nesse caso, mas a recusa em se submeter à repressão de uma religião organizada.

15/09/2017

Se o mundo depende do meu esforço para ser salvo, então ele já está condenado. Não movo um único átomo em prol de um mundo melhor.

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Cada fez fica mais perceptível para mim como cada um de nós vive preso em uma realidade particular construída em nossa própria cabeça. Essa percepção já aparecia nos primeiros capítulos do Outsider à beira do abismo, e foi se fortalecendo através dos anos, até se estabelecer em definitivo quando decidi estudar Cioran.

16/09/2017

Honestamente, acho que já cheguei ao ponto no qual já sou mais saudável (física e mentalmente) do que a média da população. O ideal do outsider saudável (aventado em algum capítulo do Outsider à beira do abismo, não lembro qual) foi atingido com sucesso.

17/09/2017

Gurus e a vontade de potência
Além da ideologia-utopia, e da idolatria, o que move aqueles que querem ser gurus é a vontade de potência, o desejo de ser o macho/fêmea alfa de um bando. E é justamente o macho alfa (que Freud identificou com o além-do-homem nietzscheano), surgido muito antes do Homo sapiens, a figura arquetípica que alimenta esses sonhos de “liderança”, de “influenciar pessoas”. No fundo o que querem é o controle total (ideológico, psicológico, laboral e até sexual) sobre um grupo de pessoas – e, se fosse exequível, sobre toda a humanidade. Por mais nobres que acreditem ser suas intenções, nunca conseguem se livrar totalmente desse tipo de anseio, mesmo que às vezes o escondam de si mesmos. Quanto mais consciente são desse objetivo, mais eficientes são em manipular os outros: são esses aqueles casos típicos de seitas na qual o líder praticamente escraviza seus seguidores, e inevitavelmente acaba por cometer abusos sexuais contra alguns.
Talvez haja alguns (aspirantes a) gurus que são tão comprometidos com a ideologia-utopia que, ao menos inicialmente, consideram a liderança como um fardo, mas provavelmente acabam cedo ou tarde se corrompendo pelas delícias do poder. Já outros, justamente os mais maquiavélicos, querem só o poder mesmo, e sabem muito bem disso; para eles a ideologia-utopia é só um chamariz para os incautos a serem escravizados.
Mas o arquétipo do macho alfa não afeta só o imaginário daquele que quer ser líder, afeta também o daqueles que querem ser rebanho: por mais que haja uma aparência de democracia e de igualdade, boa parte das pessoas anseia por ser liderada, por alguém que tome as decisões e se responsabilize por isso. Servidão voluntária, ou, mais provavelmente, inscrita em nossos genes.

18/09/2017

Cada um na sua, e todos (cada um a sua maneira) contribuindo para a extinção da humanidade. “Ain, eu busco ser parte da solução, e não do problema”. Se você realmente busca isso, o melhor então é se matar (ou ao menos não ter filho(a)(s)).

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O campo do esoterismo (pensamento religioso, espiritualidade) é o campo ilusório por excelência – e justamente por isso é o melhor espaço de trabalho para os charlatães.

domingo, 3 de setembro de 2017

XXVI

29/08/2017

Um dos preços da comunicação não violenta é a regressão da consciência para níveis pré-históricos (obviamente incompatíveis com a manutenção de uma civilização).

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Ao se comprometer com a vida (e inclusive Rosenberg preferia o nome “uma linguagem da vida” em vez de “comunicação não violenta”), a CNV compromete-se inevitavelmente com a ilusão.

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A CNV se ilude ao menos duas vezes na ontologia que faz das necessidades humanas: primeiro, quando imagina que todas elas são “do bem” (não existe, por exemplo, necessidade de se sentir melhor do que os outros) e, segundo, quando imagina que é possível satisfazer simultaneamente todas as necessidades de todos (sendo que mesmo em uma só pessoa as necessidades já se contradizem entre si, o que dirá então em uma coletividade).

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Ou as coisas acontecem com tranqüilidade e sem abalar a minha paz de espírito, ou não acontecem: nada vale o meu estresse e o meu sacrifício. Vamos todos morrer e morrer sozinhos. Para que se esforçar seja lá pelo que for? Por que não relaxar e aproveitar quando se sabe que tudo acabará um dia mesmo?

30/08/2017

Se a vida fosse uma sucessão de prazeres, as pessoas não estariam desesperadas para lhe dar um sentido moral e para se anestesiarem com distrações de todo tipo (serviços muito bem prestados pelas religiões). Esse desespero é evidência de que a vida é o oposto de uma sucessão de prazeres, e que para se aderir a ela (ser um agente da autopoiese – simplesmente exercer seus instintos ao mesmo tempo que se tem uma metacognição) é preciso iludir-se. Basta ser uma máquina autopoiética dotada de lucidez para ser iludido.
Igualmente, as teodiceias da autoajuda seriam desnecessárias se o mundo fosse o que elas dizem que ele é: elas são um perpétuo movimento de negação do conhecimento do real em prol da adesão cega a ele, tudo isso disfarçado de “autoconhecimento” e “autoaprimoramento”. Tragicômico.


31/08/2017

Mesmo que fosse possível provar que existem seres inteligentes “do outro lado” (num outro nível do real ao qual não temos acesso) e ainda que esses seres se comunicam conosco (ou seja, eles podem acessar nosso nível do real, mas nós não podemos acessar o nível deles, conhecendo-o apenas pelo que eles nos relatam, ou eventualmente por meio de uma viagem intermediada por eles), ou seja, mesmo que fosse possível provar que essas pessoas que alegam entrar em contato com o além realmente estão entrando em contato com o além, mesmo assim, dizia eu, esses seres simplesmente não seriam dignos de confiança (assim como não o são as pessoas que alegam falar com eles): como é uma relação marcada essencialmente por uma assimetria informacional, não temos como ratificar ou retificar o que eles dizem (não há como validar o que dizem, como verificar o contraditório), e, portanto, se acreditamos neles simplesmente damos carta branca para eles nos manipularem livremente. Mesmo que esses seres existam e queiram falar conosco, eles, por uma questão puramente topológica, merecem nosso desprezo.
A questão não é que seja inútil se envolver com esse tema por ele ser obviamente falso (como pensa o ceticismo "neoateu"/cientificista), mas sim por ele estar obviamente para além de qualquer possibilidade de validação epistemológica (ceticismo, mas no sentido filosófico do termo). 

01/09/2017

Todos os caminhos levam para fora da vida.

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O simples fato de não entrarmos coletivamente em acordo sobre o que somos já é suficiente para mostrar que não somos nada: se fôssemos algo isso ser-nos-ia imediatamente cognoscível, e portanto não haveria desacordo ontológico a respeito dessa questão. Por não sermos nada, cada um consegue inventar e acreditar em qualquer ontologia absurda, e por isso não há possibilidade de acordo.

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“Animais: se você ama uns, porque come outros?”

Esse pessoal não percebe que o amor pelos animais serve tão somente como masturbação de determinadas redes neurais (para assim sublimar instintos)? Ele nada tem a ver com uma deontologia.
Como se adiantasse alguma coisa exigir coerência das pessoas em termos de uma moralidade universal quando elas nem conseguem ser coerentes consigo mesmas... Oh pessoalzinho otimista, hein.

02/09/2017

A propensão à adoração é indicativa de afirmação do querer viver (adesão cega à autopoiese). Se existe ainda ascese verdadeira na Índia (nesse lugar onde o povo adora desesperadamente qualquer coisa), certamente ela é residual (mesmo porque se não o fosse esse país não teria a densidade populacional que tem).
Esse papo de considerar os orientais em geral e os indianos em particular um povo “altamente espiritualizado” é puro marketing para vender gurus. Como as pessoas querem acreditar que existe alguma salvação, e como é evidente que ela não está próxima a elas, o jeito é imaginar que ela está em algum outro lugar (seja distante em termos espaciais e/ou temporais). O culto á Índia que ocorre em certas subculturas no Ocidente é só mais um verbete na enciclopédia das utopias inventadas pela humanidade. 
Se o Oriente em geral e a Índia em particular fossem tão “evoluídos espiritualmente” como esse pessoal gosta de acreditar, eles não estariam integrados nessa maquina omnicida do capitalismo global. Idolatrar a Índia por causa dos Vedas é tão ingênuo quanto idolatrar a França por causa de Lacan, ou idolatrar a Alemanha por causa dos seus muitos filósofos, ou a Romênia por causa de Cioran, etc. O vulgo é o vulgo em qualquer lugar, pouco importando os sábios que conseguiram se criar no meio dele.

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Quanto mais o sistema econômico progride e quanto mais a tecnologia reificante avança, mais a maquina omnicida da autovalorização do capital torna-se autônoma, prescindido assim de seus operadores (os quais acreditam que a máquina trabalha para o bem estar deles...): quanto mais nós, humanos, corremos para sermos produtivos, mais produzimos a nossa própria redundância. Se o improvável ocorrer e tudo “der certo” (se não nos destruirmos antes), chegará o dia em que o sistema estará maduro o suficiente para se livrar de nós de uma vez por todas, e assim iniciar um novo estágio no automatismo da matéria que anima o devir.

03/09/2017

Quando se aprende a olhar por detrás das máscaras de bem resolvimento que as pessoas usam, descobre-se que todos os seres humanos são, sem exceção, essencialmente doentes.