segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

XL

 

13/01/22

Eles não se importam com a verdade



Agora que as teorias da conspiração se tonaram arma política da alt-right, os sociólogos (esquerdistas) passaram a estudar o “negacionismo”. Se se importassem com a verdade, já teriam estudado o assunto há muito tempo. Mas não se importam com ela: se importam com poder, com política, com divisão do excedente econômico.

Certa vez (em 2004), um estudante de filosofia petista (hoje já é “doutor em filosofia”, risos), achou graça e esnobou a minha preocupação com a compatibilidade entre o idealismo transcendental e a relatividade geral. Ano passado, conheci um doutorando em sociologia que está estudando a vida de um político comunista brasileiro da metade do século passado. Parece até piada, o mundo acabando e essa é a prioridade a ser estudada.

Desse jeito, não surpreende que a humanidade esteja condenada à extinção. Essa gente vai morrer esperançosa, abraçada aos seus diplomas e ruminando a ladainha do realismo capitalista (“é mais fácil pensar o fim do mundo do que o fim do capitalismo”).



15/01/22

A diferença entre religião e seita



O objetivo principal (e secreto) tanto da religião quanto da seita é criar um ambiente de exercício de poder dos líderes sobre os liderados. Esse poder se dá tanto na apropriação do excedente econômico como no controle psíquico sobre os liderados: os líderes ficam com vantagens econômicas e de status, gozam de prazeres ligados ao luxo e gozam por poderem brincar/controlar as mentes e as ações de outras pessoas: ao serem idolatrados, recebem privilégios de consumo de valores de uso, mas a idolatria vale por si mesma, mesmo que não houvesse reflexo no consumo de valores de uso. Vontade de potência. E o controle sobre as mentes abre espaço para algo muito importante para a maioria dos líderes: a oferta de corpos belos e submissos para o abuso sexual.

A diferença central entre a a religião e a seita é que a religião é um sistema de exploração extensiva, enquanto a seita é intensiva: a religião é para as massas e a seita é para pequenos grupos de pessoas com uma inteligência e um patrimônio acima da média. A religião é produção em massa, a seita é artesanato.

Toda religião começou como seita, e toda religião mantém seitas em seus círculos internos. Toda ideologia tem contornos de religião (1. uma doutrina da salvação (ou ao menos da melhoria da qualidade de vida), 2. dogmas e 3. hábitos de idolatria a ideias e a humanos ligados ao desenvolvimento e à reprodução dessas ideias), assim como todo grupo de estudos/trabalho de uma ideologia adquire contornos de seita (além dos contornos da religião já mencionados, há a submissão cega ao líder/aos líderes do grupo, além um relacionamento mais íntimo entre os membros do grupo (um grupo mais seleto) do que há entre os membros da religião): é como se a religião compreendesse o espaço que vai do país ao bairro, enquanto a seita começa na rua do bairro e entra no espaço da família.

Tanto na seita quanto na religião, os chamarizes são os mesmos: 1. uma doutrina da salvação (ou ao menos promessas quanto à melhoria da qualidade de vida); 2. o oferecimento da um grupo com o qual a pessoa possa se relacionar (o que remete ao comportamento atávico de mamíferos, hominídeos e humanos antigos de viverem em pequenas comunidades); 3. o oferecimento de um convicção quanto à verdade; 4. através dessa convicção de que se sabe a verdade, o oferecimento de uma base a partir da qual a pessoa possa odiar/desprezar os outros (se sentir superior a eles); 5. e, por fim mas não menos importante, um estilo de vida, o qual livra a pessoa de ter que tomar decisões sobre como viver a sua vida: basta seguir o roteiro definido pela doutrina e pelos líderes, ou mesmo consultar esses líderes para ser aconselhada por eles.

E, ao oferecer tudo isso, as seitas e religiões oferecem uma disciplina, um propósito, e uma comunidade, ofertas as quais realmente são capazes de melhorar a vida das pessoas, desde que haja uma homeostase, na cabeça de cada pessoa, entre a doutrina e o mundo fora da doutrina (desde que a pessoa consiga funcionar bem em sociedade apesar da doutrina da religião/seita: dentro de certos limites, a doutrina ajuda a promover a homeostase entre o indivíduo e o ser social; passando desses limites, ela começa a atrapalhar). Mas como o objetivo real é a remuneração que os líderes recebem por esses serviços prestados, mesmo com essas melhorias de vida a relação pode adquirir um aspecto sombrio de exploração, em especial nas seitas.

O papel dos líderes é administrar os serviços oferecidos pela religião/seita (descritos acima) e administrar a divisão social do trabalho e o patrimônio necessários para a autopoiese da religião/seita, bem como o papel de relações públicas, isto é, de ser a voz da religião/seita com o resto da sociedade.

As seitas que começam a fazer sucesso demais – no tempo (sobrevivem mesmo à morte do seu líder) e no espaço (têm uma doutrina vulgar o suficiente para se massificarem, ou têm uma doutrina que passa por um processo de vulgarização para que essa massificação ocorra) – viram religiões, as quais mantém as estruturas de seita em seus círculos internos. Idem para as ideologias políticas.



23/01/22

A falta de uma solução apriorística



O teórico da conspiração tende a achar que tudo é controlado por indivíduos planejadores e que nada é por acaso, já o razoabilista tende a achar que nada é controlado por indivíduos fora da possibilidade do escrutínio público (e que o que não é controlado pelos indivíduos, à mercê do escrutínio público, é controlado por forças naturais que regulam a homeostase dos sistemas complexos) e que muitas coincidências acontecem (melhor dizendo, que tudo o que não pode ser explicado pelo controle sob o escrutínio público ou pelas forças anônimas de homeostase dos sistemas complexos é explicado pelas coincidências).

Os dois lados estão parcialmente certos e parcialmente errados: de fato existem coincidências, de fato existem as forças anônimas que regulam os sistemas, de fato existem os controles sob o escrutínio público, mas também de fato há controles fora do escrutínio público. Não há como, a priori, aplicar uma regra geral (seja paranoica, seja razoabilista) para “resolver” (chegar à verdade) todo caso. Cada caso precisaria ser analisado meticulosamente para um veredito mais qualificado. Mas isso é, na prática, impossível. Impossibilidade essa que, inclusive, favorece aos possíveis conspiradores realmente conspirarem, pois sabem como é fácil suas pegadas e digitais serem apagadas, e ficar somente a aparência da coincidência.


21/02/22

A triquetra




A Exaptação Negativa da Lucidez interagindo com o Desejo alimentam nossa Fantasia e nos permitem imaginar mundos melhores do que o Mundo verdadeiro e versões de nós melhores do que os nós mesmos verdadeiros; passamos, então, a desejar essas versões alternativas, irreais, em detrimento do Real: projetamos nossos desejos para um campo de possibilidades que está fora do Real, para um campo Imaginário (o campo do Irreal). A partir do momento que não aceitamos a (nossa) Vida como ela é e o mundo como ele é (a partir do momento em que escolhemos dar prioridade ética a essas fantasias em detrimento do Mundo real e da (nossa) Vida real), a Verdade (que nos lembra de que não somos/seremos o que queremos ser, nem te(re)mos o que queremos ter, nem o Mundo é/será o que gostaríamos que ele fosse) passa a nos fazer mal, a nos deprimir: para nos animarmos, nos motivarmos e nos reconectarmos com a Vida, precisamos da Mentira ou do Esquecimento (ambas formas de tentar atacar a Exaptação Negativa da Lucidez), precisamos ou acreditar que de alguma forma (fantasiosa) seremos/teremos algum dia (nem que através de reencarnações ou transhumanismo ou seja o que for) o que queremos ser/ter; ou precisamos esquecer o que somos/temos e do que não somos/não temos: esquecer por meio das drogas químicas e semióticas (incluindo aqui os entretenimentos, as religiões e as utopias), do sono e da forma mais eficaz de esquecimento: a Morte.

O "realismo depressivo" é a preferência pela Verdade em detrimento da Vida. Mas essa contradição entre Verdade e Vida apenas existe como consequência da Escolha de não aceitação do Mundo e da Vida tal qual elas são (de, via Exaptação Negativa da Lucidez, conhecer o Real e rechaçá-lo), Escolha essa que é MORAL. A Verdade, no campo ontológico, faz mal à Vida porque já se escolheu, no campo ético, priorizar o Irreal em detrimento do Real. Se escolhemos aceitar o Mundo e a (nossa) Vida tal qual eles são, apesar de sermos capazes de imaginar mundos melhores – se escolhemos o amor fati – reconectamos a Vida à Verdade, e realizamos essa reconexão por meio de uma Escolha Moral, recuperando, assim, a tripla identidade entre o Bom, o Verdadeiro e a Vida. 

A separação entre Vida e Verdade, portanto, decorre da Escolha Moral Má, da escolha por priorizar eticamente o Irreal em detrimento do Real, da escolha de alocarmos o nosso Foco e, portanto, o nosso Desejo, no campo do Irreal (a vida acontece onde focamos a nossa atenção). A escolha Boa – que leva à reconexão entre a Vida e a Verdade – é a escolha de priorizar, no campo da Imaginação e do Desejo, o Real em detrimento do Irreal: é, apesar de conseguirmos imaginar mundos melhores e versões de nós mesmos melhores, escolher priorizar a (e, portanto, focar na) versão que de fato existe, reconciliando o princípio de Prazer com o princípio da Realidade e com a Vida: é cumprir a oração que pede para sermos capazes de mudar o que pode ser mudado (focarmos a imaginação e o desejo em melhorar o Real) e de aceitarmos o que não pode ser mudado (escolhermos eticamente retirar a Imaginação e o Desejo do campo do Irreal, aceitando o Real com suas limitações intrínsecas), tendo o discernimento (a Lucidez, não exaptada negativamente) de diferenciarmos um do outro.

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