27/02/24
O poder diretivo do Estado
Nossos corpos têm a capacidade de se tornarem atléticos, sarados e saudáveis. Mas, dado o contexto social em que vivemos (de sedentarismo e alimentação ultraprocessada focada no sabor e não na nutrição), cada um de nós só consegue se tornar sarado com esforço, com disciplina e com planejamento, com hábitos que nos afastam da inércia na qual o contexto nos colocou.
O mesmo acontece com um sistema social e econômico, com um país. Ele tem o potencial para se tornar desenvolvido (tem o potencial para produzir muito valor para todas as pessoas que nele estão inseridas, melhorando a qualidade de vida de todos). Mas, para atingir esse potencial é preciso planejamento, organização, disciplina, hábitos não usuais que quebrem a inércia imposta pelo contexto da divisão internacional do trabalho presente no sistema socioeconômico mundial. E para tudo isso é preciso a força diretiva do Estado.
Um Estado mínimo produz em termos econômicos algo semelhante ao que acontece com nossos corpos se desistimos da disciplina e passamos a comer o que é gostoso e a nos entregarmos ao sedentarismo, se cedemos à pressão social (sedentarismo e alimentação ultraprocessada focada no sabor) e à pressão biológica (lei do menor esforço, procura do prazer imediato). Se queremos desenvolvimento e riqueza, não adianta retirar o Estado da equação. Entregar sistema a si próprio apenas vai gerar uma hipertrofia da situação já existente (piora da desigualdade, empobrecimento dos mais pobres, encolhimento da classe média, desindustrialização, subordinação geoeconômica e geopolítica aos países hegemônicos, etc.).
Uma pessoa não é sarada e saudável por acaso, sem esforço, sem direcionamento, sem planejamento, sem coordenação. Igualmente, um país não é desenvolvido por acaso, sem esforço, sem direcionamento, sem planejamento, sem coordenação.
01/03/24
Me deem outro universo, e então eu procriarei
Há aquela frase famosa que diz que criamos filhos para a vida (ou para o mundo), não para nós.
Então, eu não quero criar filhos para este mundo em que vivemos. Não quero colocar no mundo alguém para ser gado destas indústrias: financeira, do entretenimento, alimentícia, farmacêutica e religiosa. Não quero colocar no mundo alguém que vai passar a vida numa luta permanente pela sobrevivência e pelo conforto, ao custo da sua própria saúde.
Para eu conseguir criar alguém que está livre de tudo isso, além de ser multimilionário eu teria que ter acesso a um sistema educacional condizente com esses meus valores. E eu nem sei se esse sistema educacional existe mesmo para os ricos. Talvez não exista.
Teria que existir um movimento ideológico que reflita meus valores (“saúdiasmo”, em uma palavra), e esse movimento teria que ser humanista e laico (nada de estar ligado a uma religião – ou seja, a um sistema de mentiras), e esse movimento ideológico teria que manter escolas, e teria que ter mais de uma dessas escolas perto da minha casa, e as escolas teriam que cobrar um preço acessível para mim. Sem isso, eu e minha/meu esposa/esposo não conseguiríamos cultivar no/a(s) filho/a(s) os nossos valores. E eu não quero ter filho/a(s) para não conseguir reproduzir nele/a(s) os meus valores. Eu não vou fazer um trabalho voluntário para reproduzir um sistema social com o qual eu não concordo. Não vou criar filhos “para o mundo”, ao menos não para esse mundo em particular que aí está.
Ou seja, não vai acontecer.
03/03/24
Espiral descendente: autopoiese da Morte dentro da Vida
aumento da entropia interna -> enfraquecimento da sintropia do self -> ações autossabotadoras -> enfraquecimento da eficácia metabólica -> estresse alostático -> enfraquecimento físico e mental -> adoecimento físico e mental -> aumento da entropia interna
07/03/24
Como ainda respiramos esse ar que não tem aroma de tutti-frutti?
Nossos antepassados viveram milênios sem açúcar e sem os demais produtos comestíveis criados pela indústria alimentícia. Também viveram milênios sem a saturação interminável de distração produzida pela indústria do entretenimento. E eles sobreviveram a um mundo que para a maioria de nós seria insuportável - como suportar respirar sem guloseimas e sem entretenimento? A maior das ironias seria se um dia fosse possível provar que, apesar dessa insuportável restrição, eles foram mais felizes do que nós...
20/03/24
O que estamos fazendo com nossas vidas?
Quando foi que nos perdemos? Cristianismo, Racionalismo Iluminismo, Divisão do Trabalho, Capitalismo e Urbanização nos levaram a uma sociedade doente, que despreza o corpo e a vitalidade. Uma sociedade na qual não há o valor da vida, não há o valor do movimento, não há o valor do metabolismo, não há o valor da alostase. Uma sociedade na qual se perdeu o ideal do ser humano integral. Uma sociedade na qual o corpo foi reduzido a uma questão estética e erótica e, por isso, é desprezado ressentidamente pelos intelectuais e pseudointelectuais, pelos eruditos e pseudoeruditos. Eles ignoram que as funções cognitivas que eles tanto gostam de cultivar e das quais se orgulham dependem do funcionamento do corpo, e ignoram que um cérebro não tem como funcionar na sua máxima potencialidade estando preso a um corpo doente. Eles desprezam o corpo. Gostariam de ser um cérebro num pote de vidro.
É claro que existem fantasias e exageros em torno da utopia da saúde perfeita (intelectuais inclusive adoram estudar esse tema), mais isso não significa que deve-se pular para o extremo oposto e esquecer do corpo e da saúde em troca de prazeres imediatos (comportamento adotado pela maioria, inclusive pelos intelectuais e pelos eruditos).
A própria esquerda perdeu o valor da saúde (se é que um dia realmente foi comprometida com ele). O que mais tem é gente de esquerda que não está se esforçando o máximo possível para ser saudável. É como se o vilão capitalismo só existisse na esfera do trabalho (da exploração dos trabalhadores), mas não existisse na esfera do consumo. Essas pessoas querem acabar com o capitalismo e ao mesmo tempo estão tomando Coca-Cola! O problema não é o símbolo que é a Coca-Cola. O problema é que essas pessoas estão gastando frações da sua parca renda para consumir algo que piora a sua saúde, em troca de um prazer sensorial, e estão transferindo valor econômico para uma mega-corporação. É a pura e simples exploração que eles tanto denunciam. Mas como há um prazer sensorial envolvido eles não se rebelam, não buscam expulsar essa relação de suas vidas. Sonham em acabar com o capitalismo para salvar a humanidade, mas são incapazes de fazer mudanças concretas nas suas vidas para melhorar a sua própria realidade. Quer algo menos materialista do que isso? Se perdem em ideias, fantasias, enquanto os seus corpos - materiais e concretos - adoecem dia após dia.
É irônico ver como esse pessoal de esquerda ignora a saúde e como ele tem raiva do discurso de desenvolvimento pessoal (em função desse discurso ser popular entre a direita) ao mesmo tempo em que se vêem como humanistas. O que tem de humanismo em dar as costas à saúde e não querer se desenvolver pessoalmente, não querer melhorar a cada dia?
Já eu, que não me considero esquerdista, uso todas as ferramentas que estão disponíveis para tornar a minha vida melhor, venham de onde vier. Se a esquerda "humanista" não quer falar desses assuntos, então vou procurá-lo na direita.
Esses esquerdistas adoram culpar "o capitalismo" pela piora da qualidade de vida dos trabalhadores. Mas ignoram que esses mesmo tralhadores, dentro e fora do trabalho, sistematicamente deixam de adotar hábitos saudáveis e ao mesmo tempo adotam hábitos não saudáveis. Mesmo no espaço de ação que eles possuem eles escolhem o prazer imediato, e não a saúde. E daí, quando adoecem, a culpa é só dos seus trabalhos (é só dos patrões, do capital na esfera da produção), não das centenas de escolhas ruins que eles tomam diariamente e que poderiam não tomar se priorizassem as próprias saúdes. E sim, parte da culpa por essas escolhas é sim do próprio capitalismo - agora na esfera do consumo, não do trabalho. Mas a esquerda não quer ver isso, não quer demonizar os prazeres que escravizam as pessoas em troco de suas saúdes (e, portanto, de suas felicidades).
É mais uma versão do clássico "quer mudar o mundo mas a pia está cheia de louça". Querem que "o sistema" mude, mas aquilo que eles têm poder de mudar em suas próprias vidas eles não fazem, são incapazes de defender e fortalecer os sistemas formados pelos seus próprios corpos e cérebros. Abdicam do poder concreto - mas humilde - de ação que de fato possuem e o trocam por um poder fantasioso, mas grandiloquente.
Talvez a maior ironia seja ver a esquerda desprezando as tentativas corporativas e da autoajuda de melhorar a saúde das pessoas. Os empregadores querem trabalhadores com um maior estoque de saúde para explorar. Trabalhadores doentes e com o metabolismo avariado rendem menos. A esquerda, em vez de aproveitar essa coincidência para lutar por uma melhoria na qualidade de vida humana, está acomodada, com medo de questionar a multidão de prazeres fugazes e que consomem a saúde das pessoas dando lucro para as empresas. A esquerda reprova automaticamente o discurso por vir dos patrões e dos coaches. Descarta-o em bloco, e, assim, abandona um dos fronts da luta humanista.
A esquerda escolhe abdicar de usar toda a subcultura da saúde e do desenvolvimento pessoal como ferramenta para lutar por uma vida melhor, só porque boa parte dessa subcultura está, no momento, nas mãos de gente de direita.
02/04/24
Sobre a geração Z no mercado de trabalho
O neoliberalismo - um sistema anti-humano - atuou destrutivamente dos dois lados desta relação, produzindo um paradoxo.
Do lado do mercado de trabalho, levou a vagas de trabalho (sequer dá para chamar elas de "empregos", de tão ruim que são) que hiperexploraram ao mesmo tempo que oferecem remunerações baixíssimas. É um retorno ao século XIX. São vagas de trabalho tão ruins que de fato é uma opção racional simplesmente se recusar a se submeter a elas.
Do lado dos trabalhadores, o neoliberalismo criou uma geração mimada, indisciplinada, distraída, perdida em intermináveis fantasias, ansiosa, psicologicamente incapaz de lidar com a frustração, doente física e mentalmente, uma geração de indivíduos que sequer conseguiram formar uma identidade pessoal, sequer sabem quem são. Uma geração que sequer possui um estoque de saúde e vitalidade para o mercado de trabalho consumir e destruir (como ele sempre vez).
O neoliberalismo sempre foi uma força destrutiva que destrói o futuro (o longo prazo) para maximizar o lucro imediato, do presente (o curto prazo). O problema é que ele já está fazendo isso há mais de 30 anos, e o futuro que ele destruiu está se tornando o nosso presente. A conta chegou. Ele - com sua inesgotável prática de externalizar os custos para assim produzir lucro imediato - produziu uma geração inteira inapta ao trabalho, ao mesmo tempo em que produziu vagas de trabalho insalubres.
11/04/24
Acredito que mais de 80% do quantitativo de doenças da população mundial poderia ser evitado se vivêssemos numa sociedade que preza pela saúde em vez de prezar pelo lucro de curto prazo e pelo prazer imediato.