sexta-feira, 12 de abril de 2024

XLVII

 

21/01/24

Sobre o filme Anatomia de uma Queda

Este filme é uma declaração de ódio às ciências forenses. No mundo real, o caso teria sido solucionado pela polícia mesmo se acontecesse no Brasil, e muito mais acontecendo na França.

Não é verossímil que uma morte tão simples como essa não possa ser solucionada.

 *Não é muito usual alguém - ainda mais um homem de 1 metro e 80 cm - cair desta altura e morrer. Estatisticamente, o mais provável é que tenha sido golpeado antes de cair.

*É procedimento padrão investigar todas as possibilidades. Neste caso, havia também as possibilidades de ser um acidente, de alguém ter invadido a casa e matado o homem, e até do filho ter matado o pai. O roteiro, para simplificar, decidiu descartar essas hipóteses.

*Luminol: nos dois principais cenários da casa (o sótão e a varanda) de uma possível agressão física que produziu a lesão na cabeça, gotas de sangue teriam sido deixadas. Mesmo se tivessem sido limpadas, o luminol e outras ferramentas forenses as teriam revelado. Então, daria para saber se ele foi golpeado dentro da casa ou não. Não faz sentido isso ficar em aberto, inconclusivo, no filme.

*Cenários para a formação da lesão na cabeça. Como ela teria sido produzida pela queda? Como ela teria sido produzida por agressão de uma outra pessoa? No caso de agressão, qual a provável ferramenta? As ciências forenses seriam capazes de responder a essas questões. Mas nada sobre isso é dito no filme.

*A questão do choque com o telhado: esse choque, se ocorreu, não deixaria marcas tanto no corpo quanto no telhado (de metal)? Um homem de 80 quilos não cai de 15 metros de altura em cima de uma chapa de metal sem deixar marcas tanto na chapa quando no próprio corpo dele.

Pelas informações que o filme dá, o correto seria realmente inocentar a Sandra, em função do princípio "in dubio pro reo". Mas não é verossímil que, em pleno 2023, a investigação policial não conseguiria produzir mais informações para a tomada de decisão qualificada pelos jurados.

Enfim, não é um filme realista. Seria mais realista se fosse um filme de época que se passasse no século XIX ou até antes, pois, aí, a investigação seria mais precária do que é hoje em dia.

O cinema é uma arte ilusionista, e a diretora desse filme conseguiu enganar o público, conseguiu fazer essa história sem pé nem cabeça soar verossímil. Mesmo se tratando de um filme para um público mais inteligente (não é um blockbuster para o grande público). Entendo o ponto filosófico, até foucaultiano ("A verdade e as formas jurídicas"), que ela quis trabalhar. Mas achei uma má execução, que exige demais da suspensão de descrença.

Ironicamente, não é realizada uma anatomia da queda. Nem do sentido literal - porque aí o filme seria um episódio de CSI -, nem no sentido metafórico, pois o foco do enredo não é a derrocada psicológica do homem morto (sua "queda"), mas a construção da verdade jurídica no tribunal. O personagem masculino é um coadjuvante, o filme não é sobre ele.

Comparem com o caso Isabela Nardoni, e notem, como já naquela época e ainda no Brasil, a investigação policial produziu muito mais informações qualificadas do que a investigação do mundo fictício mostrado no filme.


25/01/2024

Impotentes, bilionários aderem ao salve-se quem puder

Encastelados em seus palácios, os bilionários - os donos do mundo! - se confessam impotentes diante do colapso que está por vir, restando-lhes apenas tentar inventar uma forma de salvarem a si mesmos.

Como Marx já dizia no século XIX, todos são escravos do capital, inclusive os capitalistas, os burgueses. Na linguagem de hoje: inclusive os bilionários. O verdadeiro sujeito é o capital e a maquinaria que ele criou para se reproduzir cegamente enquanto tiver recursos para explorar - maquinaria essa da qual todas as pessoas (inclusive os bilionários) são meras engrenagens. Maquinaria essa que está consumindo os recursos e assim continuará até eles acabarem, assim como uma máquina qualquer movida a bateria continua a funcionar até a bateria acabar. É simples, irrespirávelmente e desesperadoramente simples...


Vídeo:


https://youtu.be/mWKRBF88V4c?si=Tuk1Jh5Fx9PX3JYY

Livro:

https://www.amazon.com.br/Survival-Richest-Escape-Fantasies-Billionaires/dp/0393881067


04/02/24

O Império das Doenças

No mundo atual, só consegue ser saudável (ou menos doente) quem prioriza a saúde e, em nome dessa prioridade, diz "não" ao desfile interminável de prazeres sob a forma de mercadorias que nos são empurrados diariamente. O valor da saúde se perdeu. "Mente sã em um corpo são" se perdeu. O que importa agora é uma sucessão sem fim de prazeres imediatos (todos lucrativos para as corporações que os oferecem). O normal se tornou o patológico. Ninguém é saudável por acaso.

A única forma de ter uma saúde acima da média é cultivando, de forma acima da média, hábitos saudáveis. Hábitos de saúde mediocres levarão a uma saúde medíocre, ou seja, a uma coleção de doenças e de medicamentos que aumentam a cada ano.



17/02/24

O falso, e medíocre, equilíbrio

As pessoas costumam falar em "equilíbrio" e "moderação" em relação ao consumo de todos esses produtos alimentares. Pensam em reduzir o consumo de ultraprocessados, de açúcares, gorduras, sal, farinha de trigo, frituras, corantes, conservantes, etc, etc. E também pensam que só precisam aumentar mais um pouco os alimentos de qualidade que consomem. O problema é que elas usam como referência para o cálculo deste equilíbrio os padrões alimentares aberrantes atuais. São incapazes de imaginar toda a história da indústria alimentar, desde a criação daquele pó branco (açúcar refiando) no final do século XVIII. Daí acontece que, mesmo elas achando que estão sendo equilibradas, elas estão muito longe da alimentação ideal. O mesmo acontece com outros hábitos não saudáveis, como o consumo de entretenimento, por exemplo. A humanidade viveu milênios sem a indústria do entretenimento, mas hoje em dia as pessoas acham que já estão sendo moderadas se gastam “apenas” três horas por dia consumindo entretenimento. Quem pensa nesses termos históricos mais longos e quer retomar padrões de qualidade mais antigos em vez de se contentar com esses supostos equilíbrios acomodativos, é acusado de fanático, extremista, terrorista, de ortoréxico.


23/02/24

Por que não tenho filhos

Não sou um antinatalista, não parto de um julgamento ético sobre a responsabilidade de reproduzir ou não o sofrimento no mundo.

Por que não tenho filho(s) (resposta sintética): dados o mundo e o país atuais, dada a minha posição na divisão social do trabalho e dada a minha personalidade, avalio que para mim a relação custo-benefício é desfavorável.

Essa avaliação é uma estimativa, que só poderia ser confirmada ou refutada se eu tivesse filho(s). Mas também é verdade que se eu tivesse haveria um viés para eu me autoenganar acreditando que foi melhor ter tido (pois seria muito duro viver diariamente com a convicção de que se cometeu um terrível e irreversível erro).

Se a sociedade for colapsar porque muita gente está pensando como eu, lamento. O mundo que mude. Os bilionários e os políticos que façam alguma coisa (supondo que tenham poder para fazer...). Nós aqui embaixo só estamos respondendo aos incentivos que o sistema nos dá. E ele está dando incentivos para nós não termos filhos.

A queda na taxa de natalidade JÁ É FRUTO DO COLAPSO que está acontecendo. Os altos custos de vida já são fruto do colapso ambiental. 

Mas esse colapso está se desenrolando há décadas e ainda vai levar muitas mais décadas até que aconteça a situação que as pessoas usualmente entendem por colapso. O colapso já está acontecendo, mas em câmera lenta, ao longo de gerações



27/02/24

Sobre debates intermináveis acerca da existência de Deus

Estamos há milênios nesta cacofonia nababesca para tentar provar um suposto ser - o Ser por excelência, aliás - que, se quisesse, poderia se revelar de forma inquestionável para todos nós. Mas não quer. Ou não existe. É diferente, por exemplo, de físicos discutindo a mecânica quântica, ou quaisquer especialistas de uma área de estudo discutindo tecnicalidades. Pois eles estão tentando conhecer a natureza, que é inanimada, que não é um ser dotado de consciência e vontade (muito menos o Ser por excelência). Esse Ser ou não existe ou não se importa conosco, ou mesmo está contra nós (somos uma fazenda de formigas, ou uma plantação, alguma coisa que ele cultiva para alguma finalidade instrumental, ou mesmo somos organelas das bactérias do intestino dele). O mais provável (respeitando a Navalha de Ockhan) é que não exista, e que alguns de nós insistam em negar as evidências pois estão emocionalmente ligados a essa crença desde a primeira infância (quando receberam forte educação religiosa da família e/ou dos profissionais da religião - trabalhadores cujo objetivo é reproduzir a fé na cabeça dos outros)... Se ele existisse, ele seria um fato evidente, e discussões não seriam necessárias, muito menos discussões intermináveis.

Evidência EXISTENCIAL seria ele existir assim como uma pessoa famosa existe, assim como a cidade de New York existe. Nós não precisamos ficar discutindo se New York existe ou se Trump existe. Há evidência de que existem. É como acontece nas histórias de fantasia que inventamos (por exemplo, Harry Potter ou Senhor dos Anéis): há seres com poderes sobrenaturais, geralmente há vida após a morte. E há de uma forma inequívoca, como um fato social. Não há necessidade de ficar discutindo algo cuja existência se impõe, está evidenciada por si mesma.

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