sábado, 12 de agosto de 2017

XXV

27/07/2017

– Você é relativista?
– Depende do ponto de vista...

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Os verdadeiros pessimistas não falam sobre seu pessimismo. Porque sabem que não adianta...

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É impressionante o contraste entre as buscas megalomaníacas da minha adolescência e a da minha juventude – em que eu me enredava em buscas insanas para ampliar o ter e o ser – com a minha situação atual (estou perto dos 31 anos), na qual boa parte do meu esforço se concentra em simplesmente adiar o inevitável colapso fisiológico do meu organismo, acompanhado de suas respectivas dores físicas (ou seja, meu esforço foca-se em manter o que já tenho e em tentar adiar sua perda).
A simples passagem do tempo nos impõem um processo contínuo de morte. Parece que passou um tempo infinito desde que eu postei o primeiro capítulo do Outsider àbeira do abismo, no entanto não faz nem dez anos ainda. 
O que eu fui já está morto. A morte, decorrente do mero automatismo da matéria no tempo, não nos acomete apenas no fim da vida: ela é onipresente e nos acompanha em cada golfada de ar. Essas conclusões eu já conhecia de ler Schopenhauer, mas agora começo a entendê-las intuitivamente.

28/07/2017

Será que, segundo as doutrinas cristãs, Jesus cagava? E cagava fedido de vez em quando? Se é para Deus vir à Terra viver como humano, isso esteve incluído no pacote, não é?

04/07/2017

O pessoal que fala em “especismo” é tão otimista que eles parecem não notar que é muito mais provável que esse conceito seja usado para legitimar o canibalismo do que para convencer as pessoas a abdicarem do consumo de produtos frutos do sofrimento animal.

05/07/2017

O bom-mocismo do senso comum repete das mais diversas formas a mesma “lição de moral” esquizofrênica que basicamente diz “faça o bem sem querer recompensa e... você receberá uma recompensa!”



06/07/2017

O esforço com que os evangelistas do otimismo buscam espargir positividade ao seu redor é diretamente proporcional ao desespero que sentem e que tentam esconder de si mesmos. Puro mecanismo de defesa do ego.



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Tipo limite.
Já faz um bom tempo que eu consigo colocar habitualmente em prática o que digo em 01/12/2016 (“Quando abandonamos as ideias de teleologia e de progresso histórico, abandonamos também as de ‘certo’ e ‘errado’, ‘pessoas melhores’ e ‘pessoas piores’, ‘pessoas boas’ e ‘pessoas más’, etc. Abandonar essas ideias é como sair da reta dos números reais e ir para o plano dos números complexos, no qual não existe mais uma hierarquia de grandeza – existem apenas diferentes e caóticas formas de se distrair enquanto a morte não chega.”): os meus julgamentos sobre os outros são atualmente horizontais e não verticais: eles indicam o quanto eu estou longe idiossincrasicamente dos outros, mas não implicam em uma hierarquização que me coloca acima ou abaixo deles (como, aliás, faz repetidamente Schopenhauer em seu livro secreto (escrito para si mesmo), publicado no Brasil com o título de A arte de conhecer a si mesmo (eu chamaria de inventar a si mesmo...)).
Imaginando as idiossincrasias dispostas em um plano complexo e as pessoas com idiossincrasias semelhantes agrupadas ao longo do plano, a minha idiossincrasia é uma dos tipos limites, que fica próxima a alguma das bordas do plano e, por isso mesmo, encontra cumplicidades em poucas pessoas, é solitária, estrangeira. Os meus julgamentos apenas apontam essa falta de cumplicidade e de identificação com os outros, mas dispensam uma hierarquia que sirva de defesa diante do desconforto da solidão.  
Essa desnecessidade de ficar atacando mentalmente os outros contribui bastante para a promoção da paz de espírito :D

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Cioran, construtivismo social, sociobilogia, eudemonismo niilista, antropologia filosófica, sexta extinção em massa, transhumanismo, Discordianismo, Gurdjieff, Greene, Icke, CNV, Thelema, antinatalismo, extincionismo, indifferens fati: ideologicamente, a minha mente é uma salada de fringes. Essa foi a consequência de “buscar complexificar minha alteridade”.
Por mais que eu me sinta só com minha alteridade complexifica, quando eu ouço os outros falando baboseiras esotéricas e otimistas eu sinto que meu sacrifício pela verdade valeu a pena.

07/07/2017

O maravilhamento com a natureza e com a ciência que desvenda seus segredos (e o culto aos cientistas disso decorrente) é o sucedâneo na ideologia cientificista (onipresente na divulgação científica) daquilo que o Deus bom é para os monoteísmos: um avatar do instinto de autopreservação, a rasgar-se em elogios à vida.

10/07/2017

A quádrupla raiz do mal:
1. autopoiese (comum a todas as formas de vida) (versão materialista da “vontade” schopenhauriana);
2. heterotrofismo (comuns a todos os animais e hipertrofiado no carnivorismo);
3. exaptação negativa da lucidez (a gênese da condição humana);
4. reificação (derivada também da lucidez, e sem ela não se tem civilizações).

Só a quarta raiz é uma construção social humana (e, portanto, poderia ser desfeita, como sonham os utopistas), as outras três pertencem ao domínio da biologia/corporeidade (a terceira até é em parte cultural, mas sem ela somos animais como quaisquer outros, logo se abdicarmos dela estamos abdicando da condição humana). A vida primitiva não era agradável, e provavelmente por isso as pessoas foram voluntariamente construindo a civilização. Talvez as coisas agora estejam piores (difícil avaliar, eu teria que ler muita antropologia para dar um palpite), mas não teríamos como voltar atrás sem abdicar dos confortos materiais que a civilização propicia (isso ignorando o fato de que a atual civilização já está em uma mórbida relação de simbiose parasítica com a natureza: se a civilização fosse parada de um dia para o outro, teríamos chacoalhões nos sistemas naturais que iriam destruir boa parte da vida humana, talvez toda ela; tem ainda todo lixo radioativo que produzimos e que precisa ser administrado por alguma civilização... ou seja, estamos num trem desgovernado em alta velocidade rumo à catástrofe, e não há como pará-lo antes dele atingir o desastre final).
Utopistas sempre colocam a origem do mal no domínio da história cultural humana, para assim poderem sonhar com a reversão do processo (por exemplo, culpam a invenção dos gêneros, da propriedade privada, da religião, do Estado, etc.). Parecem não notar que o processo não teria sido realizado diuturnamente pelos seres humanos se eles não tivessem um ganho com isso: as pessoas não iriam produzir ao longo de séculos, ou mesmo milênios, condições de vida piores se não ganhassem algo com isso. Chuto que o que ganhavam, e que ainda ganhamos, com isso é o conforto material, o qual não tem como ser produzido sem divisão social do trabalho, e, portanto, sem reificação. Ou seja, se chegamos até aqui, foi perseguindo a satisfação de determinadas necessidades que as condições primitivas de vida eram e são incapazes de satisfazer: a vida anterior à Queda também era ruim, do contrário não teríamos nos aventurado para longe dela.

Eu gostaria de escrever um ensaio desenvolvendo essa ideia da quádrupla raiz do mal, mas nunca terei tempo para priorizar isso (há muito material para ler e para pensar a respeito), dado que escolhi outras prioridades na minha vida em vez das elucubrações intelectuais.

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A CNV (Comunicação não violenta), portanto (continuando aqui o raciocínio do fragmento anterior), ao querer, no limite, restabelecer a mentalidade humana primitiva (anterior à reificação) (como diz Rosenberg, “conectar-nos com a forma natural de pensar”), é incompatível com a qualquer civilização. Alguém que tenta usá-la diuturnamente está produzindo a sua própria desconexão com a civilização em que vive, o que trará a si consequências matérias (a menos que a pessoa seja herdeira, ou vire mendiga, ou eremita, ou resida em uma comunidade alternativa, etc.).
Eudemonisticamente, e é esse meu interesse, a CNV pode ser útil se utilizada instrumentalmente para lidar consigo mesmo, com pessoas com as quais temos relações íntimas e, eventualmente, com pessoas com as quais convivemos (colegas de trabalho, vizinhos, trabalhadores que prestam serviços a nós, etc.). As pessoas que se aproximam da CNV por causa da utopia que ela alimenta (e a maioria o faz), ou as pessoas que se aproximam pensando em melhorar suas vidas mas que se deixam seduzir por essa utopia, estão condenadas a pegar uma ferramenta que poderia melhorar a vida delas e transformá-la numa fonte de sofrimento para si mesmas.

11/07/2017

Sentido físico do universo: aumento da entropia;
Sentido moral do universo: nenhum;
Sentido físico da vida: autopoiese;
Sentido moral da vida: nenhum.

Schopenhauer diz, capítulo VIII, §109, de Parerga e Paralipomena, o seguinte:

"Que o mundo possui apenas uma significação física, e nenhuma moral, constitui o maior, o mais condenável, e o mais fundamental erro, a própria perversidade da mentalidade, e provavelmente forma no fundo aquilo que a fé personificou como o anticristo. Contudo, e a despeito de todas as religiões, que em sua totalidade afirmam o contrário, o que procuram fundamentar à sua maneira mítica, este erro fundamental nunca desaparece inteiramente do mundo, mas, de tempos em tempos, sempre ergue novamente sua cabeça, até que esta é novamente forçada a se encobrir pela indignação geral."

Erro fundamental? Indignação geral? Não percebe Schopenhauer o perigo de recorrer ao arbítrio do vulgo como fiel da balança? Essa verdade fundamental desagrada ao vulgo porque é incompatível com a realização da autopoiese (nas palavras de Schopenhauer, com a afirmação do querer-viver), e, por isso, deve ser negada. Não percebeu Schopenhauer a contradição entre o conhecimento e a vida? Percebeu, mas por que aqui parece não notar isso? Isso que dá levar Platão a sério, com seu blá-blá-blá de identidade entre verdade, bem, virtude, beleza... O fato da massa, formada por meras máquinas autopoiéticas (para usar a linguagem schopenhauriana: pessoas cujo intelecto não está em nada emancipado da vontade), não aguentar essa falta de sentido moral para a vida deveria ser uma evidência de que essa falta é justamente a verdade.
Sem perceber, aqui Schopenhauer se comprometeu com a afirmação da vontade que ele tanto demonizou. Isso que dá ser um idealista.

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