quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

XXX

15/07/2019

A única conclusão legítima é a de que é ilegítimo chegar a qualquer conclusão sobre qualquer assunto.


08/11/2019

A condição aporética e insustentável da humanidade independe da existência ou não de um além, de um “mundo espiritual”. Ou, como parece ser o caso, esse mundo espiritual não existe, e todas as supostas provas da existência dele são falsas, ou, se ele existir, ele está submetido às mesmas aporias que aprisionam a condição humana, e portanto não tem condições de salvá-la de si mesma (pois só uma força exógena e livre dessas aporias poderia evitar que a humanidade acabe por se autodestruir). Portanto, tanto faz se existe um mundo espiritual ou não.

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O próprio conceito de “desenvolvimento sustentável”, quando colocado, como o é, pelos políticos como uma meta a ser alcançada, já é uma admissão de que vivemos um “desenvolvimento insustentável”. Já é admissão, portanto, que a civilização atual ruma para a sua autodestruição.

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Ao observar os conflitos de narrativas, notamos que o problema (o qual impede um real entendimento entre as pessoas), está na pressa com que as pessoas chegam a conclusões e na convicção com que se agarram a elas. Leia aquele meu primeiro texto filosófico, lá no Ensino Médio, e você verá que eu já falava isso lá, com outras palavras. [NOTA: revirei a casa procurando o texto e não o achei; se um dia ele aparecer, coloco-o aqui no Diário de um Outsider.] Para que as pessoas conseguissem chegar a acordos ontológicos (conseguissem construir narrativas comuns, que ultrapassassem as comunidades interpretativas) para além da mediocridade do senso comum, seria necessário que elas admitissem sua ignorância e que se dispusessem a realizar longos e profundos estudos, para daí então opinar e, depois, agir. Mas a pressão dos acontecimentos e a luta pelo poder, além da preguiça e da vaidade, empurram as pessoas para concluir rápido e para se agarrar a conclusões peremptórias. Num mundo onde os acontecimentos são cada vez mais rápidos e onde o volume de informações é cada vez maior, não há esperança, salvo pelo uso em massa de tecnologias transhumanas (o que eu não acredito que vá ocorrer, e se o fosse não seria para essa finalidade), de que a qualidade dos conflitos de narrativas possa melhorar, ao contrário, a tendência é piorar ainda mais.


18/12/2019

Mais do mesmo
Quando Cioran (em “O cenário do saber”, entre outros textos) e eu mesmo falamos que existem as crenças mais diversas e esdrúxulas nas mentes humanas, estamos meramente constatando um fato social. O fato dessa diversidade existir não significa que, do ponto de vista epistemológico, todas essas crenças são equivalentes, são intercambiáveis, não significa que não há uma metodologia capaz de hierarquizá-las em termos de qualidade epistemológica e maior probabilidade de verdade. Reconhecer que o método científico é epistemologicamente superior não é equivalente a acreditar na Virgem Maria ou a acreditar que um sonho lúcido que se teve é uma “memória de uma vida passada” só porque se “sente” que isso é verdade (ou seja, simplesmente porque se quer acreditar nisso).
Tá bom que Cioran diz que “quando se recusa a reconhecer o caráter intercambiável das ideias, o sangue corre”. Mas isso é uma questão ética, deontológica, não ontológica e epistemológica. E meu foco é na epistemologia e da ontologia – sou um fanático pela busca da verdade. (E, também, dane-se Cioran, ele não era coerente nem com ele mesmo, não sou eu que vou querer ser coerente com ele. Tenho meu próprio caminho, no qual Cioran é importante, mas não me submeto cegamente a ele nem a ninguém.)
Nessa minha busca, é totalmente vão querer instruir as pessoas, tentar fazê-las entender que o método científico tem uma superioridade epistemológica frente às demais formas de conhecimento. É inútil, há mesmo gente com mestrado e doutorado que não reconhece isso – e não porque de fato estudaram a questão e questionaram o método científico, mas simplesmente porque não pensaram no assunto, porque sequer se importam com isso, porque não compartilham comigo da monomania epistemológica e ontológica. Quase ninguém se importa com isso. Em geral, as pessoas simplesmente se agarram às suas convicções, sejam elas simplórias ou enredadas em intrincados e verborrágicos discursos intelectuais. Praticamente ninguém tenta partir da dúvida e se esforça para buscar o método mais válido epistemologicamente para daí, então, buscar usar ele o máximo possível em suas invectivas. E não que não existam críticas ao método científico – existir existe crítica a tudo dos mais variados pontos de vista. Mas se alguém critica a ciência com base numa convicção religiosa, não tenho dúvidas de quem é que está sendo vítima do viés cognitivo mais egoico e mais vil, se a pessoa por preferir a religião dela ou se eu por preferir o método científico.
Não adianta achar que a “verdade objetiva” é a verdade na qual a maioria das pessoas acredita, é a verdade reconhecida pela maioria das pessoas, é o senso comum. Não é, porque a imensa maioria das pessoas está simplesmente presa em suas (inter)subjetividades (e cada vez mais nesta hipermodernidade na qual estamos afundando). A verdade objetiva é a verdade revelada por um método específico, e não por uma assembleia onde ganha a maioria ou os que fazem mais barulho. Mesmo os que reconhecem a superioridade epistemológica do método científico são quase todos também idólatras e fanáticos (neoateus, por exemplo), e não pessoas que conseguem reconhecer as limitações do método científico e mesmo o papel destrutivo da ciência (a humanidade não estaria à beira da extinção se não fosse pela ciência – o que não significa que a ciência não seja o melhor caminho para tocarmos o Real, para nos aproximarmos da Verdade; praticamente NINGUÉM é capaz de entender e aceitar essa aporia).
Não cabe a mim tentar convencer ninguém da razoabilidade e da superioridade epistemológica da ciência (em simultaneidade com suas limitações e com seu poder destrutivo que está nos matando – e é ele que está nos matando, não adianta vir com o papo de que a ciência é neutra, ela não é, ela constrói sua verdade (a melhor verdade possível, epistemologicamente falando) por meio da destruição do seu objeto, do esquartejamento; a ciência não casou tão bem com o capitalismo por acaso, mas sim porque ambos compartilham o mesmo pecado original Moderno de instrumentalizar tudo, de reificar tudo como mero recurso a ser explorado). Quando mesmo mestres e doutores não são capazes de entender isso, já está mais do que claro que esse seria um trabalho de tentativa de instrução totalmente contraproducente. Não que não deve haver autores acadêmicos que entendam e que falem isso (com termos mais rebuscados e um texto melhor referenciado), mas suas vozes se perdem na cacofonia da academia. Se eu me especializasse no estudo acadêmico da epistemologia, provavelmente chegaria aos rincões onde eles estão escondidos. Mas nesse mundo cão, priorizar isso seria pedir para virar mendigo.
Estamos todos sós, cada um a sua maneira. Essa minha posição (que reconhece simultaneamente o que há de pior e de melhor no método científico) é raríssima, ainda mais para pessoas fora da comunidade interpretativa dos epistemólogos. Não conheço ninguém que pense assim, que balize seus juízos ontológicos e epistemológicos por isso. Talvez o Guy McPherson e alguns lá na subcultura da NTHE (Near Term Human Extinction), embora não tenha visto ninguém falar isso especifica e explicitamente. Deve existir uma meia dúzia de pessoas que concordem comigo. Mas é inútil procurá-las, e mais inútil ainda tentar criá-las. O que me resta é seguir meu caminho sozinho e submetido às amplas restrições que oprimem minhas ambições (ser um mero trabalhador do terceiro mundo, etc.), para ver no que ele vai dar, e, então, guardar o resultado para a única pessoa que vai se interessar – eu mesmo.


19/12/2019

Há instantes nos quais queremos depor as armas e escavar nossa tumba ao lado da de Deus. Ou senão, reviver petrificados a desesperança do asceta que descobre ao final de sua vida a inutilidade da renúncia. (Cioran, Lágrimas e Santos)

Desde o dealbar da exaptação negativa da lucidez os humanos buscam a salvação. Dezenas (talvez centenas) de milhares de seitas, religiões, doutrinas, escolas, ideologias, movimentos, empreendimentos, etc. Tudo em vão. Milhões de santos, profetas, líderes prescrutando o Oculto, o Além e o Futuro em busca da redenção. Todos fracassaram. Não há saída para lugar algum. Mas vão desistir os humanos de procurá-la? É claro que não vão. Enquanto houver as condições físicas no planeta para o fenômeno humano existir (e talvez já não haja em poucas décadas...), a tragicomédia vai continuar. Isso é bom ou ruim? Tanto faz os julgamentos morais que cada pessoa pode elaborar e propagar, pois esse desdobramento autopoiético, essa reação em cadeia, esse mero automatismo da matéria, vai continuar tautologicamente até o esgotamento tautológico das condições físicas que o fundamentam.



XXIX

(19/12/2019
O próximo capítulo tem anotações que começam em 15/07/2019. Quase um ano sem anotar nada, é isso mesmo? Aparentemente, sim. Procurei anotações e não achei. Aparentemente, eu estava ocupado com outros projetos internéticos, que não convém mencionar aqui... E espero não voltar a ficar fazendo anotações constantemente, mesmo porque eu praticamente só fico me repetindo, falando as mesmas coisas com outras palavras...)

XXVIII

28/09/2017

Existem sistemas de organização social menos ruins do que outros – no sentido de que esses menos ruins conseguem realizar uma gestão mais efetiva, salutar, do material humano e de sua interação com a natureza. Mas todas as formas de organização social são essencialmente ruins e fracassadas, pelo simples motivo de que estão lidando com algo essencialmente ruim e fracassado: o ser humano em particular e a vida em geral. Alguns utopistas, portanto, estão parcialmente certos: seus esforços de melhoria da condição humana até geram algum resultado apreciável – mas efêmero e muito aquém do que é o prometido (a saber, uma cura para a condição humana). Será que os utopistas se dariam aos esforços que se dão se acreditassem que os frutos de suas atividades são meros paliativos diante de uma condição humana constitutivamente incurável? Da minha parte, decido solenemente ignorar essas discussões políticas, ideológicas, ontológicas, deontológicas, e decido focar no meu bem-estar – niilismo eudemonista.


30/04/2018

2008: as coisas começaram a mais piorar do que melhorar no mundo. 
2013: as coisas começaram a mais piorar do que melhorar no Brasil.
2015: começou a ficar inviável para mim imaginar a minha vida melhorando (como cenário de futuro, a sexta extinção substituiu a singularidade tecnológica).
2018: pós reforma trabalhista, a minha vida começou a piorar de fato com o fim (em setembro) do Acordo Coletivo de Trabalho assinado em 2016.
[Escrito em 19/12/19: no segundo semestre de 2020 vai vencer o atual ACT, e agora a perspectiva é a cada ACT as coisas ficarem piores.]


22/05/2018

As pessoas que alegam estar buscando o “sentido da vida” (ou mesmo o “autoconhecimento”) em geral são pessoas que subjetivamente já se comprometeram com o “Sim” (com a afirmação do querer-viver, com a agência da autopoiese), mas que ainda não arranjaram uma metanarrativa que seja-lhes suficiente – ou seja, que consiga de forma satisfatória abafar-lhes o mal estar fruto da exaptação negativa da lucidez. Enquanto ardil dos instintos de autopreservação para burlar a exaptação negativa da lucidez, o mais importante nessas buscas não é o resultado final, mas a trajetória – a busca, a espera(nça) que mantém a pessoa agarrada à vida enquanto acredita que superará a exaptação negativa de lucidez: é o velho esquema da “cenoura do cavalo”, do objeto a que mantém o movimento de adesão por meio da promessa da satisfação. Mesmo que essa busca se apresente travestida de “expansão da consciência” ela é na verdade um esforço em fugir da exaptação negativa da lucidez (a qual existe justamente devido a um excesso de consciência em relação à animalidade desprovida de metacognição).
Para mim, que desde antes de conhecer Schopenhauer já estava seduzido pelo “Não” (e que na melhor nas hipóteses consigo chegar a uma indiferença entre o "Sim" e o "Não"), essa busca de “sentido para a vida” nunca fez... sentido.

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Se o mundo não está nem aí para mim, porque eu tenho que me importar com ele? De onde sai o imperativo, Nietzsche? Se eu sou uma mera engrenagem em uma máquina omnicida, por que ainda por cima tenho que me sentir grato? Não que eu seja contra quem se sente grato – cada um que faça com sua vida o que quiser... Mas eu não quero agradecer, pouco importa qual seja a chantagem emocional que inventem os que não toleram a existência de gente como eu.


13/06/2018

O pensamento desejante não necessariamente atrapalha o conhecimento. Aliás, em algumas situações pode ajudá-lo: nessas situações, é graças a ele que a pessoa nota detalhes e foca a atenção em pontos que as outras pessoas não notam ou não dão a devida atenção. Às vezes é uma forçada “razoabilidade” ou “imparcialidade” que acaba gerando um viés cognitivo, e não o pensamento desejante (essa forçação não deixa também ela de ter uma origem volitiva, num bom-mocismo ingênuo). Epistemologicamente, isso apenas complica ainda mais as coisas...


24/06/2018

Vendo "Voyage of time".

Quando a mente foca em grandes escalas no tempo e no espaço, há a sensação de sublime, cujo prazer é fruto do esquecimento de si e de seus sofrimentos. Esse prazer, associado ao pensamento mágico/animista, gera uma ilusão cognitiva de "intuição" da "alma" do mundo e/ou do suposto Ser que o criou. Mas não há Ser ou "alma" alguma, apenas o desdobramento incessante da atividade das forças físicas e um sistema nervoso limitado que os observa (e que não evoluiu para essa observação, portanto não está apto a isso).


07/07/2018

Não acredito que a humanidade dure mais cem anos. E mesmo que acreditasse que ela pode durar mais alguns milênios, não acredito que irá progredir (no sentido de solucionar os paradoxos que a animam pelo menos desde o início da civilização). E mesmo que, como os tranhumanistas e outros utopistas, acreditasse que ela está predestinada à grandeza (e mesmo à divindade), por que deveria sacrificar meu bem estar imediato em nome de um futuro do qual não usufruirei?


05/09/2018

A essa altura da História (a altura da sua agonia derradeira) todas as causas são causas perdidas – exceto a causa da aceleração da vindoura catástrofe final.