A
única conclusão legítima é a de que é ilegítimo chegar a
qualquer conclusão sobre qualquer assunto.
08/11/2019
A
condição aporética e
insustentável da humanidade independe da existência ou não de um
além, de um “mundo espiritual”. Ou, como parece ser o caso, esse
mundo espiritual não existe, e todas as supostas provas da
existência dele são falsas, ou, se ele existir, ele está submetido
às mesmas aporias que aprisionam a condição humana, e portanto não
tem condições de salvá-la de si mesma (pois só uma força exógena e livre dessas aporias poderia evitar que a humanidade acabe por se autodestruir). Portanto,
tanto faz se existe um mundo espiritual ou não.
*
O
próprio conceito de “desenvolvimento sustentável”, quando
colocado, como o é, pelos políticos como uma meta a ser alcançada,
já é uma admissão de que vivemos um “desenvolvimento
insustentável”. Já é admissão, portanto, que a civilização
atual ruma para a sua autodestruição.
*
Ao
observar os conflitos de narrativas, notamos que o problema (o qual
impede um real entendimento entre as pessoas), está na pressa com
que as pessoas chegam a conclusões e na convicção com que se
agarram a elas. Leia aquele meu primeiro texto filosófico, lá no
Ensino Médio, e você verá que eu já falava isso lá, com outras
palavras. [NOTA: revirei a casa procurando o texto e não o achei; se
um dia ele aparecer, coloco-o aqui no Diário de um Outsider.] Para
que as pessoas conseguissem chegar a acordos ontológicos
(conseguissem construir narrativas comuns, que ultrapassassem as
comunidades interpretativas) para além da mediocridade do senso
comum, seria necessário que elas admitissem sua ignorância e que se
dispusessem a realizar longos e profundos estudos, para daí então
opinar e, depois, agir. Mas a pressão dos acontecimentos e a luta
pelo poder, além da preguiça e da vaidade, empurram as pessoas para
concluir rápido e para se agarrar a conclusões peremptórias. Num
mundo onde os acontecimentos são cada vez mais rápidos e onde o
volume de informações é cada vez maior, não há esperança, salvo
pelo uso em massa de tecnologias transhumanas (o que eu não acredito
que vá ocorrer, e se o fosse não seria para essa finalidade), de
que a qualidade dos conflitos de narrativas possa melhorar, ao
contrário, a tendência é piorar ainda mais.
18/12/2019
Mais
do mesmo
Quando
Cioran (em “O cenário do saber”, entre outros textos) e eu mesmo
falamos que existem as crenças mais diversas e esdrúxulas nas
mentes humanas, estamos meramente constatando um fato social. O fato
dessa diversidade existir não significa que, do ponto de vista
epistemológico, todas essas crenças são equivalentes, são
intercambiáveis, não significa que não há uma metodologia capaz
de hierarquizá-las em termos de qualidade epistemológica e maior
probabilidade de verdade. Reconhecer que o método científico é
epistemologicamente superior não é equivalente a acreditar na
Virgem Maria ou a acreditar que um sonho lúcido que se teve é uma
“memória de uma vida passada” só porque se “sente” que isso
é verdade (ou seja, simplesmente porque se quer acreditar nisso).
Tá
bom que Cioran diz que “quando se recusa a reconhecer o caráter
intercambiável das ideias, o sangue corre”. Mas isso é uma
questão ética, deontológica, não ontológica e epistemológica. E
meu foco é na epistemologia e da ontologia – sou um fanático pela
busca da verdade. (E, também, dane-se Cioran, ele não era coerente
nem com ele mesmo, não sou eu que vou querer ser coerente com ele.
Tenho meu próprio caminho, no qual Cioran é importante, mas não me
submeto cegamente a ele nem a ninguém.)
Nessa
minha busca, é totalmente vão querer instruir as pessoas, tentar
fazê-las entender que o método científico tem uma superioridade
epistemológica frente às demais formas de conhecimento. É inútil,
há mesmo gente com mestrado e doutorado que não reconhece isso –
e não porque de fato estudaram a questão e questionaram o método
científico, mas simplesmente porque não pensaram no assunto, porque
sequer se importam com isso, porque não compartilham comigo da
monomania epistemológica e ontológica. Quase ninguém se importa
com isso. Em geral, as pessoas simplesmente se agarram às suas
convicções, sejam elas simplórias ou enredadas em intrincados e
verborrágicos discursos intelectuais. Praticamente ninguém tenta
partir da dúvida e se esforça para buscar o método mais válido
epistemologicamente para daí, então, buscar usar ele o máximo
possível em suas invectivas. E não que não existam críticas ao
método científico – existir existe crítica a tudo dos mais
variados pontos de vista. Mas se alguém critica a ciência com base
numa convicção religiosa, não tenho dúvidas de quem é que está
sendo vítima do viés cognitivo mais egoico e mais vil, se a pessoa
por preferir a religião dela ou se eu por preferir o método
científico.
Não
adianta achar que a “verdade objetiva” é a verdade na qual a
maioria das pessoas acredita, é a verdade reconhecida pela maioria
das pessoas, é o senso comum. Não é, porque a imensa maioria das
pessoas está simplesmente presa em suas (inter)subjetividades (e
cada vez mais nesta hipermodernidade na qual estamos afundando). A
verdade objetiva é a verdade revelada por um método específico, e
não por uma assembleia onde ganha a maioria ou os que fazem mais
barulho. Mesmo os que reconhecem a superioridade epistemológica do
método científico são quase todos também idólatras e fanáticos
(neoateus, por exemplo), e não pessoas que conseguem reconhecer as
limitações do método científico e mesmo o papel destrutivo da
ciência (a humanidade não estaria à beira da extinção se não
fosse pela ciência – o que não significa que a ciência não seja
o melhor caminho para tocarmos o Real, para nos aproximarmos da
Verdade; praticamente NINGUÉM é capaz de entender e aceitar essa
aporia).
Não
cabe a mim tentar convencer ninguém da razoabilidade e da
superioridade epistemológica da ciência (em simultaneidade com suas
limitações e com seu poder destrutivo que está nos matando – e é
ele que está nos matando, não adianta vir com o papo de que a
ciência é neutra, ela não é, ela constrói sua
verdade (a melhor verdade possível, epistemologicamente falando) por
meio da destruição do seu objeto, do esquartejamento; a ciência
não casou tão bem com o capitalismo por acaso, mas sim porque ambos
compartilham o mesmo pecado original Moderno de instrumentalizar
tudo, de reificar tudo como mero recurso a ser explorado). Quando
mesmo mestres e doutores não são capazes de entender isso, já está
mais do que claro que esse seria um trabalho de tentativa de
instrução totalmente contraproducente. Não que não deve haver
autores acadêmicos que entendam e que falem isso (com termos mais
rebuscados e um texto melhor referenciado), mas suas vozes se perdem
na cacofonia da academia. Se eu me especializasse no estudo acadêmico
da epistemologia, provavelmente chegaria aos rincões onde eles estão
escondidos. Mas nesse mundo cão, priorizar isso seria pedir para
virar mendigo.
Estamos
todos sós, cada um a sua maneira. Essa minha posição (que
reconhece simultaneamente o que há de pior e de melhor no método
científico) é raríssima, ainda mais para pessoas fora da
comunidade interpretativa dos
epistemólogos. Não conheço ninguém que pense assim, que balize
seus juízos ontológicos
e epistemológicos por isso. Talvez o Guy McPherson e alguns lá na
subcultura da NTHE (Near Term Human Extinction), embora não tenha
visto ninguém falar isso especifica e explicitamente. Deve existir
uma meia dúzia de pessoas que concordem comigo. Mas é inútil
procurá-las, e mais inútil ainda tentar criá-las. O que me resta é
seguir meu caminho sozinho e submetido às amplas restrições que
oprimem minhas ambições (ser um mero trabalhador do terceiro mundo,
etc.), para ver no que ele vai dar, e, então, guardar o resultado
para a única pessoa que vai se interessar – eu mesmo.
19/12/2019
Há
instantes nos quais queremos depor as armas e escavar nossa tumba ao
lado da de Deus. Ou senão, reviver petrificados a desesperança do
asceta que descobre ao final de sua vida a inutilidade da
renúncia. (Cioran, Lágrimas e Santos)
Desde
o dealbar da exaptação negativa da lucidez os humanos buscam a
salvação. Dezenas (talvez centenas) de milhares de seitas,
religiões, doutrinas, escolas, ideologias,
movimentos, empreendimentos, etc. Tudo em vão. Milhões de santos,
profetas, líderes prescrutando o Oculto, o Além e o Futuro em busca
da redenção. Todos fracassaram. Não há saída para lugar algum.
Mas vão desistir os humanos de procurá-la? É claro que não vão.
Enquanto houver as condições físicas no planeta para o fenômeno
humano existir (e talvez já não haja em poucas décadas...), a
tragicomédia vai continuar. Isso é bom ou ruim? Tanto faz os
julgamentos morais que cada pessoa pode elaborar e propagar, pois
esse desdobramento autopoiético,
essa reação em cadeia, esse mero automatismo da matéria, vai
continuar tautologicamente até o esgotamento tautológico das
condições físicas que o fundamentam.
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