sábado, 30 de dezembro de 2023

XLVI

 

28/10/23

É impressionante como daria para transformar a vida da maioria das pessoas para muito melhor se elas lessem um parágrafo por dia dA Arte da Prudência. Livro de 300 parágrafos, do século 17, em domínio público, com 100 páginas.


31/10/23

O capitalismo quer nos usar e nos jogar fora. Usar-nos intensamente como produtores e consumidores de mercadorias. Usar-nos com uma intensidade tal que consome a nossa saúde e a nossa vida. Mas tudo bem para ele, pois o mundo das mercadorias também lucra com o nosso adoecimento e com a nossa morte. Cabe a nós resistirmos, defendermos nossa saúde e a nossa vida. Porém, na condição de trabalhadores assalariados, sempre teremos que aceitar um certo nível de corrosão da nossa saúde em troca do privilégio de estarmos bem empregados. Cabe a nós nos disciplinarmos para que a erosão de nossa saúde seja minimizada. Eliminar a zero essa erosão, ou até torná-la negativa, só é possível para quem atingiu a independência financeira.


07/11/23

Alimentação saudável, higiene do sono, prática regular de exercícios físicos, higiene mental, vida organizada, inteligência financeira, desenvolvimento pessoal... Trabalhar para melhorar nessas áreas implica numa melhoria de qualidade de vida para qualquer pessoa, seja autista ou não. 

Talvez não adiante muito saber sobre o autismo e sobre o quanto a sociedade precisa mudar para podermos viver melhor nela e ao mesmo tempo ignorar esses aspectos importantes para a melhoria da qualidade de vida de qualquer pessoa.

E nesse mundo cheio de distrações, não há como conseguir focar em todas essas áreas sem muita disciplina e sem dizer não para os prazeres imediatos que nos são oferecidos o tempo todo pelos vendedores capitalistas. O sistema nos usa para realizar os lucros. A capitalismo não está aqui para atender as necessidades humanas (como está escrito em qualquer livro de introdução à Economia), são as pessoas que estão aqui para atender a necessidade do capitalismo. Somos usados e descartados e nesse processo somos fonte de lucro na produção e no consumo das mercadorias, mesmo ao custo da nossa saúde, pois o sistema também lucra com nossas doenças e com nossa morte, já que elas também são ocasiões para a venda de mercadorias. Se queremos defender a nossa saúde e a nossa vida, precisamos resistir à sedução do mundo das mercadorias, aos cantos das sereias mercantis.


15/11/23

Motivos para o fim do sexo (todos, exceto o último, ligados ao capitalismo tardio)


*Hegemonia do mundo das mercadorias: A libido das pessoas se canaliza para o trabalho (produção de mercadorias) e para o consumo de mercadorias (incluindo as de entretenimento, que existem num montante muito maior do que alguém consegue consumir). A insegurança laboral exige um esforço de permanente busca de qualificação e atualização, pois nunca se está qualificado o suficiente. Enquanto isso, o sexo real é reprimido por puritanismos (como sempre foi), tanto de esquerda e de direita. Ou seja, há muitos incentivos sociais para não se engajar no sexo e, ainda, incentivos para se afastar do sexo. Não há publicidade para o sexo real, pois ele não é uma mercadoria. A desaparição do sexo é apenas um epifenômeno de um mundo saturado de mercadorias e focado na valorização do capital por meio dos humanos, e não focado em trazer qualidade de vida e de relações para os humanos. Ou seja, um mundo capital-ista, e não social-ista ou human-ista.

*Por causa das redes sociais e dos conteúdos áudio-visuais, por causa do semiocapitalismo, há uma saturação de contatos com os humanos, mesmo que sejam contatos de péssima qualidade. Essa saturação gera uma aversão à intimidade, uma incapacidade de suportar a intimidade, um desinteresse em desejar a intimidade. A profusão de telas gera uma hiperestimulação do visual em detrimento dos outros sentidos. Audição e paladar também conseguem ser bem explorados pelo mundo das mercadorias. O sentido menos experimentado e menos desenvolvido é tátil, por ser o mais difícil de ser explorado mercantilmente. A falta de experiência com esse sentido leva, no indivíduo, a sua atrofia e ao medo de explorá-lo: melhor se acomodar no que já está conhecido e estimulado pelo capitalismo.

*Exposição precoce e em grandes quantidades à pornografia. Confundir pornografia com realidade, estabelecendo um padrão inatingível. A pornografia (conteúdo audiovisual para masturbação), na medida em que é facilmente mercantilizada, não poderia deixar de também ser abundante e contribuir para a saturação de contato virtual com o humano e para o estímulo ao isolamento narcísico do indivíduo num mundo de fantasias no qual ele não precisa se arriscar a se relacionar com o outro. É muito mais fácil viver num mundo fantasioso de masturbação no qual o outro é um mero simulacro do desejo do próprio multivíduo desejante. Não há resistência, atrito, contrariedade, intimidade, desconforto, dificuldades de comunicação, negação em atender a demanda, etc.

*Crise da masculinidade. Os homens são estimulados a serem menos masculinos, mas as mulheres continuam a desejar secretamente "homens de verdade". Isso gera um aprofundamento do desencontro entre homens e mulheres.

*Como essa morte do sexo se trata de um processo social e como o sexo depende da interação com o outro, fica muito difícil para alguém encontrar um outro alguém que queira se esforçar para resistir a essas pressões sociais e queira ter relações sexuais de qualidade. Quando estamos falando de essencialismo, de estoicismo, de eudemonismo, de higiene mental, de alta performance, etc., estamos falando de práticas nas quais a pessoa pode se engajar sozinha, independentemente dos outros ao seu redor. Mas, nesse caso do sexo, ela precisa necessariamente achar alguém (por quem ela seja atraída sexualmente, e vice-versa) que tenha esse mesmo interesse de resistir a essas pressões sociais e se engajar na construção da intimidade por meio de relações sexuais de qualidade. E isso gera uma dificuldade adicional.


28/11/23

Saúdismo.

"Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio?" (Bertolt Brecht)


Mens sana in corpore sano, um ideal que tragicamente se perdeu neste mundo no qual os humanos são meras ferramentas de um maquinismo pantagruélico.

Vida simples e de alta performance. Foco na saúde. "Saúdismo" 

1. Saúde física

1.1. Exercícios

1.2. Alimentação

1.3. Sono

- ritual do sono

1.4. Consultas médicas

1.5. Autocuidados (higiene pessoal, profilaxias, segurança, prevenção, etc.)

2. Saúde mental

2.1. Desenvolvimento pessoal

- Eudemonismo

- Estoicismo

- Epicurismo

- Cinismo

- Essencialismo 

- Pragmatismo

- Maquiavelismo

- Inteligência Emocional

- Inteligência Positiva

- Tomada de Decisão

- Organização Pessoal

- Produtividade 

- Clássicos da autoajuda

- Comunicação

- CNV

- Persuasão, influência, sedução, manipulação

- Liderança 

- Hábitos 

2.2. Psicologia

- Conhecer o básico de psicologia e de neurociências (Priorizar as Práticas Baseadas em Evidências)

- Fazer terapia

- Gestão do estresse e da ansiedade 

- Psicologia Positiva 

2.3. Praticar Mindfulness 

2.4. Cultivar bons relacionamentos

2.5. Ter uma boa vida sexual

2.6. Organização da vida 

2.7. Diversão 

3. Saúde Financeira 

3.1. Ganhar dinheiro

3.1.1 trabalho

-- entregas

-- jogo político

-- Networking 

-- currículo

-- melhoria contínua

-- aprendizagem contínua

-- conhecimento crítico sobre a exploração do trabalho no capitalismo 

-- etiqueta corporativa

-- cultura corporativa

3.1.2. investimentos

-- conhecimentos teóricos e práticos

3.2. Poupar dinheiro

- minimalismo

- inteligência financeira

- conhecimento crítico sobre o capitalismo, sobre o marketing e sobre a publicidade

- conhecimento sobre golpes, sobre segurança e sobre cibersegurança.


08/12/23

Sinto-me mais à vontade sob a subcultura coach do que sob a subcultura do mimimi.

....

Os desejos e as fantasias de uma pessoa podem se espalhar por um espectro dividido em basicamente 4 níveis:

1. Desejos que são factíveis. Podem ser desafiadores, mas são factíveis, como são os objetivos SMART.

2. Desejos que até são factíveis, mas que são altamente improváveis. Por exemplo, desejos que dependem da pessoa ganhar na loteria.

3. Desejos que são humanamente possíveis, mas são impossíveis para a pessoa em particular, mesmo com todo dinheiro do mundo.

4. Desejos que são humanamente impossíveis para qualquer ser humano.


Quem busca praticar o pragmatismo, o realismo e o essencialismo concentra seu foco em desejos e fantasias que estão no primeiro nível.

Focar nos outros níveis leva ao sofrimento da reiterada frustração, podendo, inclusive, levar à depressão, ou à manutenção de uma depressão já estabelecida.


09/12/23

Por que não sou comunista


1. Não acredito na ideia de progresso que anima o iluminismo e esta derivação específica do iluminismo que é o comunismo.

2. Não compartilho da ontologia da natureza humana que o marxismo possui e que o próprio Dicionário do Pensamento Marxista confessa que é uma ontologia otimista. Novamente, um aspecto que o comunismo herdou do iluminismo e que eu renego.

3. Acredito que a humanidade estará extinta em menos de 100 anos, ao mesmo tempo em que não acredito que daria tempo para o processo civilizacional superar o capitalismo em menos de 100 anos. Em outras palavras, acredito naquilo que os comunistas tanto gostam de denunciar: o chamado "realismo capitalista". Realmente é muito mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. Eu mesmo já fiz uma lista aqui (no dia 11/12/21) com mais de 35 caminhos para o fim do mundo ("Caminhos seculares para o fim do mundo"). Da forma como eu vejo, é como se a civilização e a própria espécie humanas fossem semelhantes a uma pessoa que está amadurecendo, mas que acaba morrendo de velhice antes de chegar à plenitude da maturidade, antes de resolver seus problemas: as contradições que animam a dialética histórica humana não se resolverão a tempo da morte da história humana acontecer por falta de substrato material. A minha visão é mais materialista do que a dos marxistas. O materialismo dos marxistas está focado por demais na sociedade, eles não percebem o quanto as próprias existências da sociedade e mesmo da espécie humana dependem de uma materialidade finita que está sendo diuturnamente dilapidada. Estão presos a um materialismo do século XIX e presos na crítica cultural, esquecendo que essa cultura depende de corpos, e que esses corpos dependem de uma série de recursos naturais que são finitos e que estão em rápido (rápido em termos geológicos) processo de indisponibilização. Não entendem nem querem entender de ecologia, biologia conservativa e ciências da Terra, pois são pessoas "de humanas". Estão mais interessados em discutir qualquer questão cultural do que se envolver nos estudos desses assuntos fora das humanidades. O máximo que fazem é anexar o tópico da sustentabilidade sem se aprofundar nele, criando, por exemplo, o ecossocialismo, ou fazendo profecias do tipo "Socialismo ou Extinção". Não, é extinção mesmo, com ou sem socialismo.

4. Os exemplos de socialismo real. Embora eu acredite que eles foram melhores que os capitalismos em alguns aspectos (inclusive no aspecto da sustentabilidade ambiental), convenhamos que estiveram longe de ser uma maravilha, longe de ser algo que faça o sacrifício pessoal por eles parecer valer a pena. E perderam a guerra contra o capitalismo. Se eram superiores, porque não venceram? O comportamento dos comunistas em relação a esses exemplos de socialismo real também é difícil de lidar: uns renegam dizendo que se tratam de capitalismo de Estado, enquanto outros insistem em dizer que lá tudo era (ou é) muito melhor do que no capitalismo. Seja como for, parece-me que não vale a pena lutar para cair num regime como esses que existiram ou que ainda existem. Parece-me um esforço que não entrega o que promete. Talvez porque nem seja possível entregar a promessa, pois se trata de uma utopia, incompatível com a natureza humana? E se a tentativa de produzir o comunismo já gerou esses modelos de sociedade uma vez, porque não geraria de novo numa nova tentativa? 

5. Por falar em natureza humana, esses marxistas, como pessoas "de humanas", têm enorme dificuldade em aceitar os fatos científicos sobre a natureza humana. Talvez porque, se aceitarem, vai ficar difícil sustentar o otimismo ontológico do qual depende a utopia que eles acreditam? Eu entendo que um exagero do biologismo foi usado no passado para defender ideologias eugênicas, e que ainda hoje em dia seja usado em ideologias burguesas, mas isso não significa que podemos simplesmente jogar fora a ontologia biológica. A verdade, para mim, é que a sociobiologia está mais epistemologicamente e ontologicamente correta do que o próprio marxismo.

6. O wishful thinking dos comunistas, que é o mesmo dos prosélitos de qualquer ideologia-utopia: ficam torcendo os dados para que corroborem suas crenças, tanto sobre o que o mundo é, quanto sobre o que ele deveria ser, quanto, ainda, sobre o que ele será.

7. Meu pragmatismo e meu essencialismo: busco economizar meus recursos escassos e alocá-los em atividades ligadas à minha saúde (física, mental e financeira), e não em intermináveis discussões sobre o que o mundo é, o que ele deveria ser e o que ele será.

8. Sou cético, sou um pessimista ontológico e um niilista passivo. Não tenho vocação nem para profeta nem para mártir. Mesmo que a humanidade durasse mais séculos ou milênios, acho que os cenários mais prováveis seriam os que ainda manteriam a dinâmica de explorados e exploradores, conforme descritos por muitas ficções científicas (por exemplo, Warhammer 40.000). O único otimismo que eu tenho é na gestão da minha própria vida, naquilo que está sob meu controle. Neste aspecto, sou um eudemonista, misturando aspectos do estoicismo, do cinismo, do epicurismo, do maquiavelismo, do desenvolvimento pessoal, do essencialismo, da psicologia positiva, etc. Para mim, o mundo seria um lugar melhor se todas essas pessoas (de todas as ideologias e religiões) que estão militando para mudar o mundo estivessem se esforçando para serem pessoas melhores, com mais saúde física e mental. Mas, em vez disso, elas preferem entrar em aventuras quixotescas para impor aos demais aquilo que elas acreditam que seria a salvação do mundo, o que, ironicamente, deixa o mundo ainda pior (e isto é um exemplo de iatrogenia).

9. Para mim, essas ideologias e utopias (não só o comunismo, mas as demais, tanto à direita quanto à esquerda, e inclusive as religiões) servem mais para cumprir um papel de muleta psicológica. Ajudam as pessoas a suportarem a vida, pois lhes permite sonhar que um dia as coisas serão melhores. Para mim serão piores e rumo à extinção. Eu busco focar não em sonhar com um mundo melhor, mas em mudar o que de fato está ao meu alcance de ser mudado na minha vida, dentro do sistema social como ele é e está. Não me atribuo um papel de trabalhar pela melhoria do mundo, pois viver a minha vida da melhor forma possível já é desafiador o suficiente. Diferentemente destas pessoas, eu não me atribuo um papel de transformador social, de propagador da minha boa nova. Sei que não adianta querer forçar. Posso até ajudar alguém que pedir, mas quase ninguém pede. Como o próprio Baltazar Gracián diz, "ainda que sejam raros os oráculos de sensatez, vivem ociosos, porque ninguém os consulta" (parágrafo 176 d'A Arte da Prudência). Para mim, o foco na saúde já basta como forma de resistência ao capitalismo tanto na esfera da produção quanto na esfera do consumo. Focar na própria saúde é algo muito mais concreto (e material) do que sonhar com um novo mundo. Cansei de ver gente de esquerda com a saúde em frangalhos e refém da indústria alimentar, da indústria farmacêutica e da indústria do entretenimento. Acredito que essas pessoas estariam melhor se focassem em cuidar mais das suas saúdes, em vez de militar por um mundo melhor. Mas não me atribuo um papel de instruí-las. As informações estão aí, disponíveis, mas essas pessoas não se interessam por elas; não sou eu que vou forçá-las a se interessarem.

11/12/23

Dória foi um visionário com aquele acinte da "farinata". Ele esteve décadas à frente do seu tempo. Um dia, essa comida liofilizada feita com alimentos próximos do vencimento será corriqueira no nosso dia-a-dia, junto com as farinhas de insetos. Os pobres e a classe média vão se empanturrar com essas rações humanas.


22/12/23

Comemos para subsidiar os processos alostáticos necessários para a autopoiese da sintropia dos sistemas complexos que são os nossos corpos. Incluindo-se nos corpos os cérebros e, por extensão, os epifenômenos dos cérebros conhecidos como mentes.

XLV

 20/05/23

Eu aceito tudo.

"Escolha suas batalhas". Eu escolho cuidar de mim, da minha saúde (física, mental e financeira). E só essa prioridade já consome mais recursos que eu tenho. Quanto ao futuro político do mundo e do Brasil, eu aceito tudo: do Ancapistão à ditadura do Partido Comunista Chinês, do Império Trans à Teocracia, do Evangelistão do Pó ao Socialismo Bolivariano, do Império Anglosionista à Quarta Teoria Política. Aceito tudo, adapto-me a tudo. Não tenho com o que me preocupar. Tudo é possível e todos têm razão.


01/06/23

A vida (tao): autopoiese (yang) da sintropia (yin) de sistemas proteicos complexos.


15/08/23

O custo da ignorância.

Quanto mais o mundo vai se fechando numa grande máquina burocrática cheia de regras e de golpistas em busca de trouxas para explorar, eu acredito que cada vez menos é verdade aquele chavão que diz que “a ignorância é uma benção”. De fato existe um tipo de conhecimento que atrapalha a vida, a respeito do qual é melhor ser ignorante, mas paga-se um alto preço pela ignorância a respeito de uma série cada vez maior de conhecimentos prático necessários para ter uma vida o menos ruim possível nesta distopia.


29/08/23

O problema não é a burrice e a ignorância, mas a arrogância. Se as pessoas tivessem a humildade de admitir sua não qualificação para decidir, e se deixassem a decisão para os especialistas de cada assunto, o mundo seria menos ruim do que é. Essa arrogância está dentro do que Greene chama de Lei da Grandiosidade (11a Lei da Natureza Humana), e está dentro da pressa de concluir que Cioran denuncia.


24/10/23

A vida é tão dura e limitada no espaço e no tempo. Precisamos despender um esforço enorme e contínuo para simplesmente termos bons resultados nas dimensões mais básicas das nossas vidas: termos saúde (mental, física e financeira), segurança, bons relacionamentos, conforto e dignidade. Se escolhemos ter filho(s), então, o esforço é ainda maior, pois temos que prover tudo isso para ele(s) e ainda temos a responsabilidade moral de educá-lo(s) para ter(em) condições de ser(em) a(s) melhor(es) versão/ões dele(s) mesmo(s).

Quanto mais escolhemos nos distrair com fantasias (entretenimentos, infotenimentos, turismo intelectual, dilentantismos, drogas químicas e semióticas, ideologias, utopias, doutrinas, esoterismos), mais dificultamos as nossas próprias vidas, pois estamos escolhendo desperdiçar os nossos recursos escassos (tempo, dinheiro, energia, foco, paciência, processamento cerebral, etc.) com atividades que não apenas não contribuem como até atrapalham essas dimensões mais básicas de nossas vidas.

E quanto pior estão essas dimensões mais básicas das nossas vidas, mais sedutoras nos soam essas fantasias, pois mais desagradável está a nossa vida de fato. Mas quanto mais fugimos da realidade pior ela fica, não apenas porque não estamos trabalhando o máximo possível para melhorá-la, mas também pelo puro e simples contraste dela com as fantasias: o mundo real e a nossa vida real ficam cada vez mais insuportáveis, e nos afundamos num processo suicídico, mesmo que se arraste por décadas.

São hábitos. Se focamos pragmaticamente na vida, adiando a gratificação, teremos melhores resultados nela, o que a tornará melhor. Se focamos irresponsavelmente nas fantasias, no prazer imediato oferecido pelos onipresentes vendedores capitalistas, estamos fortalecendo as fantasias em nossos cérebros e enfraquecendo a realidade, ficando, portanto, menos aptos a (sobre)vivermos nela.

Claro que a distração, a diversão e o ócio têm um papel na saúde mental, mas o semiocapitalismo os caricaturizou e os transformou em drogas ao ponto de que perdemos a noção do que seria moderação, assim como a indústria alimentar fez com o açúcar, com o sal e com a gordura. Como sempre no capitalismo, viramos mero instrumentos para a realização do lucro, consumidores para as mercadorias produzidas e que precisam ser vendidas e consumidas a todo custo, para fazer a máquina girar. A "era da informação" não poderia, sob o capitalismo, virar outra coisa que não a era das drogas informacionais: como os capitalistas, assim que tivessem as condições tecnológicas para fazê-lo, iriam se abster de explorar as fraquezas humanas em troca do lucro fácil? Não precisam de nenhuma conspiração diabólica e de longo prazo para os estimular, pois os lucros trimestrais são estímulos mais do que suficientes. Que culpa o capitalismo tem que os lucros são mais rápidos e fáceis explorando-se em massa os pontos fracos da natureza humana? Se os lucros fossem mais fáceis explorando-se em massa os pontos fortes, o capitalismo faria isso. Mas não são. Pensando em termos das neurociências, os pontos fracos estão associados ao sistema rápido (instintivo), enquanto os pontos fortes estão ligados ao sistema lento (racional). Explorar (instrumentalizar) o sistema rápido permite uma aceleração do ciclo de produção, venda e consumo das mercadorias, acelerando o ciclo de autovalorização do capital. Embora seja possível lucrar com o sistema lento  e o capitalismo lucra com ele , o volume e a velocidade são menores do que os que se consegue explorando o sistema rápido. Não é necessária nenhuma conspiração maligna para levar a isso, nenhum plano de extermínio em câmera lenta do gado humano ao longo de décadas ou séculos.

Decisões fáceis (dizer sim aos prazeres imediatos oferecidos pelos vendedores no capitalismo), vida difícil (corrosão suicida da saúde física, da saúde mental, da saúde financeira, da qualidade dos relacionamentos, da segurança, do conforto, da dignidade); decisões difíceis (dizer não às fantasias e focar pragmaticamente em aprimorar diuturnamente a própria vida), vida fácil, ou, ao menos, vida menos difícil (mais saúde física, mais saúde mental, mais saúde financeira, melhores relacionamentos, mais segurança, mais conforto, mais dignidade). 


26/10/23

No mundo atual, para tentar reduzir os danos que o trabalho assalariado causa à saúde é preciso ter uma vida estoica e espartana. Mas para isso é preciso dizer não aos sonhos de consumo da insiderness de classe média: as viagens, os carros, os imóveis, os jantares, os pets, os filhos... Para eliminar esses danos, só atingindo a liberdade financeira.

Mas esses insiders iludidos, aceitam, sem perceber, acabar com suas saúdes em busca de dinheiro para comprar ou alugar insígnias de status.


27/10/23

Para se dar bem na vida, não adianta ser apenas inteligente. É preciso saber aplicar a inteligência nos assuntos certos, ou seja, de forma eficaz. E para isso é preciso aplicar a inteligência ao próprio processo decisório tomado sobre onde aplicar a inteligência.

Como há muito mais conhecimento no mundo do que alguém, por mais inteligente que seja, consiga absorver, invariavelmente qualquer pessoa, mesmo se muito inteligente, vai ser especialista em alguns assuntos e nos demais será medíocre ou até abaixo da mediocridade.

O problema é que muita gente inteligente não aplica a inteligência para escolher de forma otimizada os assuntos nos quais aplicará a própria inteligência. Os assuntos são escolhidos por moda, por vaidade, por status, por pressão do grupo, por afinidades eletivas, pela influência de pessoas próximas, pela sedução dos vendedores onipresentes no capitalismo, etc. Aí essas pessoas inteligentes  que demonstram sua inteligência dominando os conhecimentos nos quais focaram a inteligência  acabam vivendo vidas erráticas e desastradas, pois não decidiram buscar uma sabedoria de vida, ou ao menos um pensamento gerencial (estratégico, pragmático) a respeito da própria vida. São pessoas inteligentes tomando decisões não inteligentes a respeito de aspectos cruciais das suas próprias vidas.

Isso é muito comum em insiders (a maioria das pessoas), que não ousam questionar as convenções sociais e aí se sacrificam nas muitas armadilhas da vida mainstream, e também é muito comum em autistas (muitos dos quais são insiders), cujos hiperfocos (geralmente formados na infância ou na adolescência) quase sempre são fúteis, inúteis e desconectados da cotidianidade da qual, na verdade, eles (autistas) querem até mesmo fugir. E, ainda, é muito comum nas gerações a partir da Y, afogadas num oceano sem fim de entretenimento.


Note que tudo o que foi escrito acima está dentro do que os coaches esotéricos descrevem criticamente como "pensamento de escassez". Eles defendem o oposto, o "pensamento da abundância" (baseado na infante e infame Lei da Atração). Além desse pensamento da abundância cumprir a 32a Lei do Poder ("Desperte a Fantasia das Pessoas"), ele, uma vez transformado em verdade na cabeça dos clientes desses coaches, cria a base para justificar os preços exorbitantes do cursos e produtos que os próprios coaches vendem para os clientes. De forma semelhante, pastores da teologia da prosperidade convencem seus rebanhos a entregarem vultosas quantidades de dinheiro (incluindo carros e imóveis) para "Deus", em troca da promessa de que quanto maior o sacrifício maior será a recompensa. São diferentes segmentações do Mercado da Picaretagem, o qual trabalha com a exploração do pensamento mágico.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

XLIV

17/10/22

Fracasso voluntário

As pessoas escolhem o fracasso, e o fazem para não precisarem se esforçar e se arriscar tentando o sucesso. É mais fácil, mais cômodo, fracassar de uma vez do que se esforçar em busca de um sucesso que não é garantido.

Seria um exagero dizer que as pessoas se resignam ao fracasso que escolheram. Isso seria digno demais para o caráter doente da maioria. Ao invés da resignação, a maioria escolhe ruminar o ressentimento pelo resto da vida. O caráter doente da maioria leva a isso: essas pessoas não têm a grandeza nem do esforço e nem da resignação, preferem o comodismo imoral do ressentimento.

Eu gostaria aqui de ser generoso e colocar essas pessoas como meras vítimas do sistema social, mas isso seria injusto. O sistema social oferece inúmeros caminhos para o desenvolvimento pessoal, e todas as pessoas acabam conhecendo pelo menos alguns deles, e mesmo assim elas escolhem o comodismo de não seguir nenhum deles, de não se esforçar para melhorar. Como eu acho que já disse no capítulo 112 do Outsider à beira do abismo (acho que foi nesse capítulo, mas não tenho certeza), as pessoas são, simultaneamente, vítimas do sistema social (e do sistema natural, acrescento agora se não disse lá) e reprodutoras do sistema social (e do sistema natural).

Para não precisarem se engajar no esforço de um processo interminável de automelhoramento, as pessoas escolhem simplesmente jogar suas vidas fora. Para não pagar o ônus, desistem do bônus, restando-lhes ruminar o ressentimento.

Hipótese de trabalho: o mundo pode ser dividido em dois grupos: de um lado uma minoria que tem um compromisso diuturno com o automelhoramento como ser humano, e, do outro, a maioria que não têm esse compromisso (seja por covardia, por preguiça, por fraqueza, por estafa, por falta de recursos, seja em função da sístase). Essa maioria pode até ter uma melhoria como pessoa com a idade, fruto de uma espécie de aprendizagem por osmose, por repetição, não fruto de um esforço contínuo pelo automelhoramento.

Essas pessoas — que são a maioria dos humanos — têm um ódio à aprendizagem. Associam aprender com a educação formal, e essa com algo chato e descolado do resto da vida. Com essa mentalidade, criam a base para desperdiçar a busca pelo conhecimento já sistematizado pela sociedade, e muitas vezes disponível de graça na internet ou nas bibliotecas, ou quase de graça nos sebos. São pessoas perdidas na vida, turistas sem lugar no mundo, sempre correndo atrás de algum prazer imediato ou de tentar sair das enrascadas nas quais acabaram de enfiando em função da sua imprudência e da sua estupidez.

Quem quer ser fracassado, que siga o caminho sem mim. Eu não vou me prestar a isso. Se a pessoa quer ir para cima, conte comigo; se quer ir para baixo, arranje outra companhia. 

24/10/22

"Liberdade, Igualdade, Fraternidade", "Sejamos realistas: exijamos o impossível". Epítomes da aventura humana: tentar desesperadamente tornar o impossível realidade (em outras palavras: não aceitar o real). A natureza humana, assim como a própria natureza, gira em torno de aporias, de contradições insolúveis. Essa contradições são o motor do próprio movimento, como ensinou a dialética. O que Hegel e Marx não viram — ou melhor, se recusaram a ver — é o caráter de "soma zero" deste movimento, em outras palavras: a ausência de progresso. O progresso em certos pontos só se dá ao custo do regresso em outros, de tal forma que o somatório é nulo. Nada se cria, tudo as transforma...

15/02/23

Receita para relacionamentos disfuncionais:

Inautenticidade (não se responsabilizar por suas escolhas) + brigas por recursos + brigas de egos + comunicação violenta + barreiras à comunicação + ruídos de comunicação + punitivismo + culpabilizações + uso abusivo do princípio do terceiro excluído (pensamento dicotômico) + reducionismo ontológico + pouca capacidade de planejamento + aversão à aprendizagem + descompromisso com a automelhoria + infoxicacão + hedonismo + imediatismo + consumismo + desperdício conspícuo (distinção pelo desperdício de recursos) + descompromisso com a sabedoria + militâncias ideológicas (inclusive religiosas) + cansaço por excesso de trabalho + querer resolver todo tipo de incompatibilidade, em vez de aceitar conviver com algumas delas

29/04/23

Minha posição atual sobre a extinção humana. [de novo isso, zzzzz...]

Há uma probabilidade de 99% do último indivíduo da espécie Homo sapiens morrer entre 2070 e 2110, sem que haja a transição para o transhumanismo ou pós-humanismo. Ou seja, sem que surjam outras espécies a partir do Homo sapiens.

Diferentemente de figuras como Guy McPherson — que acreditam em um processo extremamente rápido da morte dos bilhões de humanos atualmente vivos (McPherson acredita que antes de 2030 já estaremos todos mortos) —, eu acredito que o definhar da espécie não será uma "morte súbita", mas sim se arrastará por décadas. De certa forma, o prognóstico do McPherson é até mais otimista do que o meu, pois uma morte rápida pode ser vista como preferível a uma morte lenta e dolorosa.

Acredito que entre 2040 e 2060 a população humana começará a cair em números absolutos, e que a cada ano haverá um aumento no número absoluto da queda. Acredito que veremos primeiro as populações atualmente pobres e miseráveis — bilhões de pessoas — morrerem, ao passo que veremos as classes médias caírem da pobreza, depois na miséria e depois na morte. Tudo isso acompanhado de um caos social infernal. Depois de mais de década desse processo, aí sim haveria o rompimento total das cadeias produtivas globais, ficando cada região entregue a si mesma. E aí mais umas décadas seriam necessárias para se chegar numa situação em que simplesmente a agricultura não funciona mais, tamanha a degradação das fronteiras planetárias. A partir daí, ainda haveria humanos em bunkers, os quais, acredito, poderão viver até algumas décadas nessa condição (o McPherson acha que em alguns meses já terão se matado uns aos outros ou morrido em função de radiações mortais vindas do caos da superfície), para daí, enfim, o último indivíduo da espécie morrer. 

Acredito que figuras como McPherson estão contaminadas por um wishful thinking que exagera na intensidade e na velocidade do processo de extinção humana, enquanto quase todo o resto da humanidade tem um wishful thinking no sentido oposto. Acredito que a minha posição corrige as distorções desses dois vieses (um no sentido de exagerar a situação, outro no sentido de subestimá-la).

Em resumo, os apocalípticos ambientais estão certos, mas exageram na velocidade e na intensidade da destruição que imaginam.

Já os transhumanistas e demais prometeicos tecnológicos erram ao superestimar a tecnologia e ao subestimar a gravidade da situação ambiental. Na cabeça deles, é como se magica e rapidamente tudo fosse ser resolvido pela tecnologia. Eu até acho que a tecnologia poderia resolver a situação, mas para isso precisaríamos de séculos, os quais não teremos. Acho que se a história humana nesse planeta fosse outra, e/ou se a geografia do planeta fosse outra (por exemplo, se houvesse um continente embaixo do gelo do Ártico), até poderíamos superar o Grande Filtro. Mas, nessa realidade concreta tal qual existe, não superaremos. Somos apenas um (mais um?) exemplo de fracasso, de civilização que não conseguiu ultrapassar o Grande Filtro.

02/05/23

[Autismo] Como tentar reduzir a incidência dos hiperfocos indesejados?

1. Considerar os hiperfocos indesejados como hábitos.

2. Identificar os estímulos desses hábitos.

3. Reduzir ou eliminar a exposição a esses estímulos.

4. Fortalecer a capacidade de adiar a gratificação (dizer não para o prazer imediato).

5. Aumentar a organização mental e o foco no essencial: simplificar a vida.

6. Diminuir a exposição às informações (ignorância seletiva, desinfoxicação) e disciplinar a relação com o entretenimento.

11/05/23

Em defesa da pornografia

Criticar a pornografia por não ser realista é equivalente a ver um filme da Marvel e reclamar da falta de realismo, ou equivalente a assistir às Olimpíadas e reclamar que as pessoas comuns não fazem o que aqueles atletas fazem, ou, ainda, equivalente a reclamar da falta de realismo diante de uma apresentação do Cirque du Soleil. Os atores pornográficos são atletas do sexo, além de serem... atores.

A fome pelo irreal e por ultrapassar os limites do possível contamina todas as áreas da cultura desde sempre. Somos fascinados por fenômenos de cauda (acontecimentos improváveis, cujas incidências estão nas caudas da curva de distribuição normal de probabilidades) também desde sempre. Mas a pornografia tem que ser realista!, bradam alguns mentecaptos. Ou talvez, pior, eles bradem que a pornografia não deveria existir!

Esse tipo de argumentação não difere muito dos argumentos usados pelos filósofos da Antiguidade e da Idade Média, que condenavam tudo o que, segundo o entendimento deles próprios, ia "contra a natureza".

No fim das contas, esse clamor específico por uma pornografia realista (ou mesmo pela extinção da pornografia, ou ao menos pela sua irrelevância) é um disfarce para o moralismo e expressão de um erro de avaliação. Quem sabe até expressão de um ressentimento. Se essas pessoas não sofrem com a irrealidade nas outras áreas da cultura mas sofrem com a irrealidade na pornografia, é porque não entenderam que a pornografia, assim como tantas obras culturais, não busca o realismo, mas sim busca, igualmente como tantas obras culturais, justamente o exagero, o limítrofe, o caudal, o espetacular, o extraordinário. E também não entendem que é justamente essa irrealidade que torna todas essas obras culturais atraentes. Se fosse para vermos representadas as nossas mediocridades (no sentido de normalidade estatística) e banalidades, não consumiríamos todo esses conteúdos culturais. Essas pessoas sofrem porque ao verem a pornografia elas querem viver as experiências ali retratadas. Se elas não quisessem, se elas entenderem e aceitarem que aquilo ali é tão irreal quanto um filme da Marvel, não iriam sofrer, e iriam, sem ressentimentos, se deleitar com o melhor do que a pornografia tem a fornecer. 

Perdidos neste universo desamparado, que bom que ao menos tivemos e ainda temos a pornografia!