17/10/22
Fracasso voluntário
As pessoas escolhem o fracasso, e o fazem para não precisarem se esforçar e se arriscar tentando o sucesso. É mais fácil, mais cômodo, fracassar de uma vez do que se esforçar em busca de um sucesso que não é garantido.
Seria um exagero dizer que as pessoas se resignam ao fracasso que escolheram. Isso seria digno demais para o caráter doente da maioria. Ao invés da resignação, a maioria escolhe ruminar o ressentimento pelo resto da vida. O caráter doente da maioria leva a isso: essas pessoas não têm a grandeza nem do esforço e nem da resignação, preferem o comodismo imoral do ressentimento.
Eu gostaria aqui de ser generoso e colocar essas pessoas como meras vítimas do sistema social, mas isso seria injusto. O sistema social oferece inúmeros caminhos para o desenvolvimento pessoal, e todas as pessoas acabam conhecendo pelo menos alguns deles, e mesmo assim elas escolhem o comodismo de não seguir nenhum deles, de não se esforçar para melhorar. Como eu acho que já disse no capítulo 112 do Outsider à beira do abismo (acho que foi nesse capítulo, mas não tenho certeza), as pessoas são, simultaneamente, vítimas do sistema social (e do sistema natural, acrescento agora se não disse lá) e reprodutoras do sistema social (e do sistema natural).
Para não precisarem se engajar no esforço de um processo interminável de automelhoramento, as pessoas escolhem simplesmente jogar suas vidas fora. Para não pagar o ônus, desistem do bônus, restando-lhes ruminar o ressentimento.
Hipótese de trabalho: o mundo pode ser dividido em dois grupos: de um lado uma minoria que tem um compromisso diuturno com o automelhoramento como ser humano, e, do outro, a maioria que não têm esse compromisso (seja por covardia, por preguiça, por fraqueza, por estafa, por falta de recursos, seja em função da sístase). Essa maioria pode até ter uma melhoria como pessoa com a idade, fruto de uma espécie de aprendizagem por osmose, por repetição, não fruto de um esforço contínuo pelo automelhoramento.
Essas pessoas — que são a maioria dos humanos — têm um ódio à aprendizagem. Associam aprender com a educação formal, e essa com algo chato e descolado do resto da vida. Com essa mentalidade, criam a base para desperdiçar a busca pelo conhecimento já sistematizado pela sociedade, e muitas vezes disponível de graça na internet ou nas bibliotecas, ou quase de graça nos sebos. São pessoas perdidas na vida, turistas sem lugar no mundo, sempre correndo atrás de algum prazer imediato ou de tentar sair das enrascadas nas quais acabaram de enfiando em função da sua imprudência e da sua estupidez.
Quem quer ser fracassado, que siga o caminho sem mim. Eu não vou me prestar a isso. Se a pessoa quer ir para cima, conte comigo; se quer ir para baixo, arranje outra companhia.
24/10/22
"Liberdade, Igualdade, Fraternidade", "Sejamos realistas: exijamos o impossível". Epítomes da aventura humana: tentar desesperadamente tornar o impossível realidade (em outras palavras: não aceitar o real). A natureza humana, assim como a própria natureza, gira em torno de aporias, de contradições insolúveis. Essa contradições são o motor do próprio movimento, como ensinou a dialética. O que Hegel e Marx não viram — ou melhor, se recusaram a ver — é o caráter de "soma zero" deste movimento, em outras palavras: a ausência de progresso. O progresso em certos pontos só se dá ao custo do regresso em outros, de tal forma que o somatório é nulo. Nada se cria, tudo as transforma...
15/02/23
Receita para relacionamentos disfuncionais:
Inautenticidade (não se responsabilizar por suas escolhas) + brigas por recursos + brigas de egos + comunicação violenta + barreiras à comunicação + ruídos de comunicação + punitivismo + culpabilizações + uso abusivo do princípio do terceiro excluído (pensamento dicotômico) + reducionismo ontológico + pouca capacidade de planejamento + aversão à aprendizagem + descompromisso com a automelhoria + infoxicacão + hedonismo + imediatismo + consumismo + desperdício conspícuo (distinção pelo desperdício de recursos) + descompromisso com a sabedoria + militâncias ideológicas (inclusive religiosas) + cansaço por excesso de trabalho + querer resolver todo tipo de incompatibilidade, em vez de aceitar conviver com algumas delas
29/04/23
Minha posição atual sobre a extinção humana. [de novo isso, zzzzz...]
Há uma probabilidade de 99% do último indivíduo da espécie Homo sapiens morrer entre 2070 e 2110, sem que haja a transição para o transhumanismo ou pós-humanismo. Ou seja, sem que surjam outras espécies a partir do Homo sapiens.
Diferentemente de figuras como Guy McPherson — que acreditam em um processo extremamente rápido da morte dos bilhões de humanos atualmente vivos (McPherson acredita que antes de 2030 já estaremos todos mortos) —, eu acredito que o definhar da espécie não será uma "morte súbita", mas sim se arrastará por décadas. De certa forma, o prognóstico do McPherson é até mais otimista do que o meu, pois uma morte rápida pode ser vista como preferível a uma morte lenta e dolorosa.
Acredito que entre 2040 e 2060 a população humana começará a cair em números absolutos, e que a cada ano haverá um aumento no número absoluto da queda. Acredito que veremos primeiro as populações atualmente pobres e miseráveis — bilhões de pessoas — morrerem, ao passo que veremos as classes médias caírem da pobreza, depois na miséria e depois na morte. Tudo isso acompanhado de um caos social infernal. Depois de mais de década desse processo, aí sim haveria o rompimento total das cadeias produtivas globais, ficando cada região entregue a si mesma. E aí mais umas décadas seriam necessárias para se chegar numa situação em que simplesmente a agricultura não funciona mais, tamanha a degradação das fronteiras planetárias. A partir daí, ainda haveria humanos em bunkers, os quais, acredito, poderão viver até algumas décadas nessa condição (o McPherson acha que em alguns meses já terão se matado uns aos outros ou morrido em função de radiações mortais vindas do caos da superfície), para daí, enfim, o último indivíduo da espécie morrer.
Acredito que figuras como McPherson estão contaminadas por um wishful thinking que exagera na intensidade e na velocidade do processo de extinção humana, enquanto quase todo o resto da humanidade tem um wishful thinking no sentido oposto. Acredito que a minha posição corrige as distorções desses dois vieses (um no sentido de exagerar a situação, outro no sentido de subestimá-la).
Em resumo, os apocalípticos ambientais estão certos, mas exageram na velocidade e na intensidade da destruição que imaginam.
Já os transhumanistas e demais prometeicos tecnológicos erram ao superestimar a tecnologia e ao subestimar a gravidade da situação ambiental. Na cabeça deles, é como se magica e rapidamente tudo fosse ser resolvido pela tecnologia. Eu até acho que a tecnologia poderia resolver a situação, mas para isso precisaríamos de séculos, os quais não teremos. Acho que se a história humana nesse planeta fosse outra, e/ou se a geografia do planeta fosse outra (por exemplo, se houvesse um continente embaixo do gelo do Ártico), até poderíamos superar o Grande Filtro. Mas, nessa realidade concreta tal qual existe, não superaremos. Somos apenas um (mais um?) exemplo de fracasso, de civilização que não conseguiu ultrapassar o Grande Filtro.
02/05/23
[Autismo] Como tentar reduzir a incidência dos hiperfocos indesejados?
1. Considerar os hiperfocos indesejados como hábitos.
2. Identificar os estímulos desses hábitos.
3. Reduzir ou eliminar a exposição a esses estímulos.
4. Fortalecer a capacidade de adiar a gratificação (dizer não para o prazer imediato).
5. Aumentar a organização mental e o foco no essencial: simplificar a vida.
6. Diminuir a exposição às informações (ignorância seletiva, desinfoxicação) e disciplinar a relação com o entretenimento.
11/05/23
Em defesa da pornografia
Criticar a pornografia por não ser realista é equivalente a ver um filme da Marvel e reclamar da falta de realismo, ou equivalente a assistir às Olimpíadas e reclamar que as pessoas comuns não fazem o que aqueles atletas fazem, ou, ainda, equivalente a reclamar da falta de realismo diante de uma apresentação do Cirque du Soleil. Os atores pornográficos são atletas do sexo, além de serem... atores.
A fome pelo irreal e por ultrapassar os limites do possível contamina todas as áreas da cultura desde sempre. Somos fascinados por fenômenos de cauda (acontecimentos improváveis, cujas incidências estão nas caudas da curva de distribuição normal de probabilidades) também desde sempre. Mas a pornografia tem que ser realista!, bradam alguns mentecaptos. Ou talvez, pior, eles bradem que a pornografia não deveria existir!
Esse tipo de argumentação não difere muito dos argumentos usados pelos filósofos da Antiguidade e da Idade Média, que condenavam tudo o que, segundo o entendimento deles próprios, ia "contra a natureza".
No fim das contas, esse clamor específico por uma pornografia realista (ou mesmo pela extinção da pornografia, ou ao menos pela sua irrelevância) é um disfarce para o moralismo e expressão de um erro de avaliação. Quem sabe até expressão de um ressentimento. Se essas pessoas não sofrem com a irrealidade nas outras áreas da cultura mas sofrem com a irrealidade na pornografia, é porque não entenderam que a pornografia, assim como tantas obras culturais, não busca o realismo, mas sim busca, igualmente como tantas obras culturais, justamente o exagero, o limítrofe, o caudal, o espetacular, o extraordinário. E também não entendem que é justamente essa irrealidade que torna todas essas obras culturais atraentes. Se fosse para vermos representadas as nossas mediocridades (no sentido de normalidade estatística) e banalidades, não consumiríamos todo esses conteúdos culturais. Essas pessoas sofrem porque ao verem a pornografia elas querem viver as experiências ali retratadas. Se elas não quisessem, se elas entenderem e aceitarem que aquilo ali é tão irreal quanto um filme da Marvel, não iriam sofrer, e iriam, sem ressentimentos, se deleitar com o melhor do que a pornografia tem a fornecer.
Perdidos neste universo desamparado, que bom que ao menos tivemos e ainda temos a pornografia!
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