quinta-feira, 18 de maio de 2017

XVIII

08/05/2017

Como espécie, não teremos sequer o luxo de uma morte digna, tal à qual almejam os utopistas do Movimento pela Extinção Humana Voluntária.


09/05/2017

A humanidade fará de tudo para ter o direito de destruir outro planeta. Mas se ela já fracassou nesse planeta tão acolhedor onde nasceu, o que dirá em outros nos quais só conseguirá sobreviver mediante engenharias planetárias, genéticas, entre outras.

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Coleção de bordões que eu tive desde 2006:

Toda vida é sofrimento.
Não vim ao mundo a trabalho, mas sim a passeio.
Não é a pobreza que causa a dor, mas sim a cobiça.
Eu sou todas as criaturas e inexistem seres exteriores a mim.
Todos têm suas próprias razões.
É tarde demais. Sempre foi. Sempre será. Tarde demais.
Toda realidade é virtual.
A humanidade fracassou.
Não está nas mãos da humanidade evitar perder-se.
As pessoas acreditam no que querem acreditar.
Este mundo é o lugar onde nada se resolve.

14/05/2017

Quem se acha o máximo não se conhece a fundo; quem se acha um lixo não conhece a fundo os outros.

16/05/2017


Se você quer sucesso, venda ilusão (compare as carreiras de J. K. Rowling e de Thomas Ligotti, ou as de Lya Luft e de Ezio Flavio Bazzo). Inversamente, se você quer a verdade, ignore quem faz sucesso. 

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O que mais tem nesse mundo é gente iludida. Se eu for me irritar toda vez que presencio uma pessoa dessas, não terei paz.


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Minha atual definição para utopia: Em última instância, a utopia é a crença de que existe uma possibilidade de se deixar de sofrer por qualquer outro meio que não a morte. As utopias mais tradicionais (religiosas e políticas) acreditam na possibilidade de conciliar o Ser e o não sofrer (imaginam que de alguma forma é possível uma vida sem sofrimento), enquanto as utopias niilistas (como as de Schopenhauer e Nietzsche, respectivamente) acreditam que é possível o Ser transitar para o Nada (libertando-se desse mundo, ou deixando de produzi-lo, para ser mais exato) ou que é possível o Ser se satisfazer com o sofrimento, deixando de lamentá-lo, deixando se torturar-se por causa dele. Todas essas possibilidades são falsas, e, portanto, utópicas.

As ideologias só mudam quanto ao como fazer para chegar-se nesses estados fantasiosos de bem-aventurança, e é essa divergência o seu objeto de conflito. São diferentes caminhos que têm como guia a mesma miragem. Partem de diferentes loci sociais, e por isso observam a aporia de nossa existência de diferentes pontos de vista. Nesse sentido, estão todas em parte certas e em parte erradas. No geral, acabam acertando nas críticas que dirigem às outras ideologias, e errando nas defesas que fazem de si mesmas.

O retrato de nossa condição verdadeira é: “Não suportamos a vida, mas também não conseguimos nos livrar dela. Como espécie, continuamos a andar em círculos em torno dessa aporia, até a nossa eventual extinção – a qual virá pelo que tiver a oportunidade de ocorrer antes: seja por um evento aleatório totalmente exógeno à atividade autopoiética de nossa espécie, seja justamente como consequência da desmedida dessa atividade.” 

Qualquer outro retrato de nossa condição que burle seja lá por qual artifício essa verdade está maculado por ideologia-utopia.


17/05/2017

Sobre a fertilidade dos pobres: A minha hipótese - coerente com a antropologia cioriana - é que quanto mais ignorante a pessoa (e quanto mais desnutrida e portanto comprometida intelectualmente) mais ela se resume aos instintos autopoieticos, mais ela é uma mera máquina de comer e procriar. É o conforto e a sofisticação que permitem a reflexão e a negação dos instintos - ou ao menos sua sublimação por algum tipo de masturbação cultural.


18/05/2017

O mundo simulado base.
Imagine um futuro transhumano no qual as pessoas se divirtam imergindo em mundos de realidade virtual. Imagine que, tal como os web sites, existam milhões desses mundos, talvez mesmo bilhões. Semelhante ao que ocorre em Matrix reloaded, você pode passar do Japão Imperial para uma base em Marte ou do palácio de Calígula para a Terra Média cruzando apenas uma porta.

Essa diversão não é mero luxo: os transhumanos não têm com que ocupar suas vidas. Não precisam trabalhar para viver. Como já adiantou Schopenhauer (no §57 do tomo I de sua obra magna), essa situação de não ter que lutar para sobreviver, de ócio, logo leva ao desespero do tédio. Todos esses mundos virtuais têm como propósito basicamente distrair as pessoas transhumanas do vazio que existe dentro delas – tal qual sempre fizeram as religiões, a política, os esportes, os jogos de sedução, a sociabilidade, etc.

Agora imagine que existe uma espécie de mundo ilusório base, uma espécie de eixo central a partir do qual todos os outros, ou ao menos muitos, se ramificam. Essa base poderia servir, por exemplo, de ponto de partida para diferentes simulações. Por exemplo, se eu estou rodando uma simulação de 3.000 anos que começa comigo nascendo numa família medíocre qualquer e termina com eu sendo imperador da galáxia, essa simulação pode rodar, ao menos nas primeiras décadas, no mesmo mundo de tantas outras, como as das pessoas que sonham com utopias amorosas, ou como as das que sonham em ser celebridades, etc.

Essa base também poderia servir de ponto de descanso entre uma simulação megalomaníaca e outra: a mediocridade e a modorra podem servir de ínterim entre um delírio grandiloquente e outro. Essa simulação base pode servir também como uma prisão: os criminosos têm suas memórias apagadas e são jogados lá. Isso se não há os não buscam o esquecimento voluntariamente: nada melhor para fugir de si do que a amnésia, que também é útil para dar mais realismo para as simulações (muito melhor do que fingir ser Goku é ser ele mesmo, nem lembrando que um dia você já foi outra coisa senão isso). Por fim, esse mundo simulado base teria, como provavelmente todos os outros, figurantes, isto é, pessoas “falsas” – programas de computador que nunca tiveram um cérebro humano biológico, com neurônios, e que estão ali só para fazer massa (afinal, boa parte dos transhumanos desejam ter uma camarilha: há muito cacique para pouco índio, logo o jeito é simular esses índios).

Imaginou tudo isso?

Agora imagine que já estamos nesse mundo simulado base. 

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“A vida é sonho”, já dizia Calderón. E como poderíamos separar realidade de ficção se a estrutura da realidade é ficcional e a ficção nasce da intuição do real? Não existe nenhum critério válido para definir com certeza qual é a natureza desse mundo – este conhecimento nos é sonegado. Estamos e sempre estaremos perdidos. 


"Nem a mais pequena suspeita de realidade em lado algum, a não ser nas minhas sensações de não realidade." (Cioran, "Do inconveniente de ter nascido", VII)

sábado, 6 de maio de 2017

XVII

30/04/2017

Quanto mais despida de ideologia uma metanarrativa se pretende, mais ela precisa se policiar para se despir de juízos de valor – principalmente quando se põe a pensar a respeito de outras metanarrativas. Repetidamente vejo pessoas associadas a alguma metanarrativa/ideologia acusar os que pensam diferentes de serem burros ou mesmo dotados de “mal-caráter”: quando esse tipo de argumento é o melhor que se tem, revela-se o quão vitimado se está pelos próprios vieses cognitivos e pela própria adesão cega a uma fé, ao ponto de não conseguir nem imaginar o funcionamento da mente alheia sem apelar para a acusação dela ser inferior a sua.

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Niilismo criacionista
Mesmo que vivêssemos em um mundo claramente fabricado para a nossa moradia – como seria o caso se adotássemos o modelo da Terra Plana – assim mesmo poderíamos assumir uma postura basicamente niilista. Para entender isso, basta notar a relação que nós humanos temos com animais em aquários, com fazenda de formigas, com os fungos que destilam álcool (ou coalham leite, ou fazem os pães crescer, etc.), com ratos em laboratório, com bactérias em uma placa de Petri, com as bactérias do nosso sistema digestório, com nossos videgames, etc.
Qualquer uma dessas relações que temos com esses seres mencionados poderia ser muito parecida com a relação que temos com o criador/proprietário desse nosso universo da Terra Plana: poderíamos servir de passatempo e enfeite; poderíamos com nosso metabolismo sintetizar algum valor de uso; poderíamos ser um experimento científico sério (realizado por cientistas profissionais), ou mesmo um experimento científico caseiro (realizado por algum adolescente em seu quarto ou no porão); poderíamos ser parte de um organismo e contribuir para o seu funcionamento; poderíamos ser uma simulação virtual (a qual poderia servir tanto para fins de pesquisa quanto para mero entretenimento), etc.
         A razão especulativa permitiria validar qualquer uma dessas hipóteses, e tantas outras (como a da Gnose), mesmo em um mundo notadamente fabricado para que nele nós habitássemos. As conclusões às quais os criacionistas judaico-cristãos chegam não são baseadas em evidências, mas sim nos seus instintos de autopreservação.

06/05/2017


Nessa sístase, a elite, maquiavélica e altamente instruída, dá as mãos com a massa, ignara e neurótica, para, juntas, construírem o pior. 

XVI

29/04/2017


A minha visão do mundo está cada vez mais rumando para um hibridismo entre materialismo e construtivismo: de um lado, cada vez mais eu identifico o real com saber científico, em especial das ciências naturais; de outro, eu cada vez mais percebo como cada indivíduo constrói uma realidade particular em sua própria cabeça, e como o comércio dessas realidades particulares configura a construção de ilusões compartilhadas. (Vide imagem abaixo)

Na prática, o que está acontecendo é que eu mantenho o meu perspectivismo probabilista, mas cada vez mais eu estou atribuindo uma menor probabilidade para as narrativas idealistas e esotéricas. Por outro lado, cada vez mais percebo os seres humanos como seres delirantes por natureza que acreditam no que querem acreditar, vitimados por seus vieses e medos.


XV

20/04/2017

"Sentir-se ''em casa'' neste mundo aqui é justamente a tragédia denunciada por todas as gnoses." (Henry Corbin)

23/04/2017

Seriam os escritores que usam o fluxo de consciência na primeira metade do século XX precursores do pós-modernismo?  Digo isso porque tem gente que considera um marco da pós-modernidade o momento no qual as pessoas passaram a expor suas vidas privadas em programas televisivos de auditório.

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Resignação é outro nome para DESESPERANÇA.






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Praticamente toda a atividade filosófica e boa parte da atividade das ciências sociais se reduz a dar um verniz de objetividade a opiniões e a preferências pessoais, subjetivas.

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Dicas para promover a paz de espírito:

1.     Não ter relações de dependência (principalmente filhos), em ambas as direções (nem ser dependente, nem ter dependentes);
2.     Não ter dívidas;
3.     Ser superavitário: o bastante para poder ficar anos sem trabalhar se necessário;
4.     Não se achar melhor do que os outros e não ter a pretensão de instruí-los, todos têm suas próprias razões;
5.     Não pretender melhorar o mundo;
6.     Não acompanhar as notícias sobre as desgraças do mundo;
7.     Não se ocupar com o que o mundo deveria ser, mas sim com o que ele é e em como tirar vantagens disso;
8.     Não se envolver em debates ideológicos e nem nas polêmicas do momento; especializar-se em não ter opinião; não falar em nome de coletividades;
9.     Não se propor a resolver os problemas alheios, mas pode até fornecer alguma ajuda – se solicitada;
10. Não esperar realizar as utopias do amor romântico e de uma vida sexual satisfatória;
11. Não levar as coisas a sério (“nada é para valer”), tratar as relações civis e comerciais como jogos (gamificação);
12. Manter um cotidiano com baixa entropia informacional (“vida simples”);
13. Priorizar a diminuição da dor em detrimento do aumento do prazer;
14. Cuidar da alimentação, fazer atividades físicas regulares, dormir bem e com regularidade;
15. Meditar regularmente.

XIV

01/04/2017

O “despertar para o Essencial” (para o conhecimento da inanidade do ser) depende de um misto de sofrimento com hipertrofia da lucidez. A falta de um grau suficiente tanto de um como de outro não é suficiente para servir de gatilho a esse “despertar”. Por isso algumas pessoas, por mais inteligentes (mesmo geniais) que sejam, não descobrem o Essencial PORQUE SEM UM SOFRIMENTO EXPRESSIVO NÃO VÃO DIGIRIA A SUA INTELIGÊNCIA PARA ESSA QUESTÃO. Também pode ocorrer de alguém ingênuo sofrer muito e, por déficit de um nível mínimo de inteligência, não despertar para o Essencial.


“Somente os verdadeiros sofredores são capazes de uma seriedade autêntica. Os outros estão prestes a renunciar, ao fundo deles mesmos, às revelações metafísicas originárias do desespero e da agonia em troca de um amor inocente ou de uma voluptuosa inconsciência.” (Cioran em "Nos Cumes do Desespero")

02/04/2017

Se existem milhares de realidades (representações do real), cada qual com sua metanarrativa sobre o que é a vida e o que ocorre após o evento da morte, então é tautológico que não só a maioria (senão todas, caso nenhuma dessas realidades corresponda ao real) das pessoas vive enganada como morre na expectativa de que aconteça algo que não acontece quando a morte se efetiva.

04/04/2017

Segundo Stephen Hawking, daria para destruir todo o universo – rasgando o campo de Higs – com um acelerador de partículas de diâmetro se circunferência equivalente ao da Terra. Segundo o mesmo físico, para estudar fenômenos do tamanho do comprimento de um plank seria necessário um acelerador de partículas com diâmetro equivalente ao nosso sistema solar.
Conclusão 1: é mais fácil destruir todo o universo do que descobrir todos os seus segredos constitutivos.
Conclusão 2: um civilização altamente tecnológica poderia destruir o universo inteiro, seja sem querer seja propositalmente.

10/04/2017

Eu posso, simultaneamente, achar que sou mais lúcido do que a maioria (que a minha visão de mundo particular é mais verdadeira que a visão de mundo da maioria das pessoas) e que ninguém é melhor do que ninguém (ou seja, que eu não sou melhor do que os outros). Isso porque o sentido da vida não é “descobrir a verdade/ter mais lucidez”: mesmo eu estando acima da média nesse quesito, como estar acima da média nesse quesito não é o sentido da vida então isso não me faz melhor do que ninguém (assim como não faria sê-lo ser especializado em qualquer atividade).

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Cada um é um universo. Mas alguns universos são mais áridos que outros.

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O século XX foi o momento no qual a humanidade descobriu quem é e ao mesmo tempo cavou a própria cova.

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É tudo uma grande masturbação.

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A “sensação de irrealidade” – o estranhamento – é um sinal da desabrochar da lucidez, um sinal de início de desreificação da consciência. Ela está na origem da religião e da filosofia. Chega a ser inacreditável que aquele psiquiatra imbecil que diagnosticou esquizofrênico por causa disso. É isso que acontece quando se aceita insiders como autoridade...


11/04/2017

Tanto utopia quanto distopia são estímulos à ação: a utopia é uma promessa de prazer atrás da qual se corre e a distopia é uma promessa de sofrimento a evitar-se que se substancie. Assim como a utopia produz as ideologias, a guerra entre as ideologias produz as distopias como ferramentas que cada ideologia produz para desqualificar suas concorrentes.
Assim como a utopia é impossível, a rigor a distopia é também impossível – ou pelo menos não é muito durável. A menos que se entenda como distopia a própria realidade de insatisfação humana, que vai aparecer inevitavelmente em qualquer sociedade (ou mesmo num indivíduo sozinho). Agora, a figura da distopia como um império de terror totalitário e definitivo é fantasiosa porque a vida humana sequer suportaria uma condição dessas sem que isso levasse a extinção da espécie por anomia dos indivíduos.

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Se partimos da premissa que tanto a direita quanto a esquerda têm um compromisso com a ideia de mundo melhor, então eu não sou nem de esquerda nem de direita, pois não tenho esse compromisso. Não sou nem “isentão”, pois esse nome é usado para descrever quem tem opiniões que ora estão mais para um lado ora estão mais para outro lado do espectro político. Eu estou mais para “indiferentão”, já que simplesmente não tenho opiniões políticas. Eu não falo em nome de coletividades, não sei o que é melhor ou pior para elas. O máximo que posso fazer é dizer o que eu ACHO (e mesmo essa opinião pode estar errada) que seria melhor para mim – o que não quer dizer que eu quero convencer os outros a pensar como eu penso, afinal ninguém além de mim precisa se preocupar com meus próprios interesses. Entendo que alguém de esquerda possa acusar essa minha posição de ser de direita, de ser alienada e etc. Tudo bem, cada um acredita no que quiser, não é objetivo meu que os outros achem que eu sou “do bem”, que eu não sou alienado, que eu faço parte da solução e não do problema, etc.

12/04/2017

A dinâmica da vida pressupõe uma dialética entre competição/ódio e cooperação/amor – isso também é válido para o funcionamento das sociedades humanas. No atual estágio tecnológico da civilização tudo indica que iremos nos destruir enquanto espécie por um excesso de competição/ódio/atividade. Mas o que os defensores do amor e de compaixão não percebem é que esses sentimentos se muito difundidos também inviabilizam o funcionamento de uma sociedade e, no limite, a própria autopoiese da espécie: se todos os seres humanos se afundassem da empatia, na compaixão e no amor, isso os levaria à inação ascética, e, por fim, à extinção voluntária. Mas isso nunca acontecerá, pois exigiria um grau inatingível de negação de nossas programações biológicas autopoiéticas (por mais que muitos indivíduos escolhessem esse caminho, sempre restaria alguns que não o fariam e assim dariam continuidade á espécie). Na pratica, o que a história da humanidade demonstrou exaustivamente é que aquelas sociedades nas quais a empatia se desenvolve demais acabam se enfraquecendo e sendo dominadas (ou mesmo varridas do mapa) por outras sociedades mais brutas, mais odiosas, violentas, ativas, másculas, etc.
Os evangelistas da empatia estão, portanto, militando em vão (como o estão os evangelistas de qualquer causa). E resta saber se eles percebem que o nosso padrão material de vida depende diretamente do atual nível de ódio/competição/violência/reificação. Estaria disposta a evangelista Maristela, por exemplo, a não ter um automóvel (e outros confortos capitalistas que ela tem) em troca de uma maior empatia entre as pessoas? É que ela provavelmente não percebe o papel construtivo que a violência tem em nossa civilização de alta entropia. Na cabeça maniqueísta viesada desses evangelistas da não violência e da empatia, a competição só produz o mal, só atrapalha o funcionamento da vida, e o amor só produz o bem, só viabiliza a autopoiese: não percebem o caráter fundamentalmente contraditório, aporético, da própria vida, do próprio ser; são vítimas do próprio otimismo ontológico que cultivam.

13/04/2017

Não sabendo que era impossível, foi lá e... se ferrou.

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Cada corpo no Everest ja foi um homem extremamente motivado.

15/04/2017

Se você não ri da insanidade, você se torna insano. Levar as coisas a sério é fatal.

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Nesse mundo onde nada se resolve, cada um acredita no que quer acreditar. 

XIII

16/03/2017


Existem basicamente dois mercados ligados ao “objeto a” “desenvolvimento pessoal”: um ligado ao empreendedorismo (em que as figuras que inspiram são bilionários) e um ligado à espiritualidade (em que as figuras que inspiram são religiosas, ocultistas e esotéricas). Até há momentos de conexão entre os dois mercados, mas em geral eles funcionam separados um do outro. 
O mercado da saúde perfeita acaba dando apoio a esses dois, embora também tenha vida própria e ganhe contornos diferentes nas suas interconexões com o mundo do empreendedorismo e com o mundo do esoterismo. 
Tem ainda o mercado da estética, que perpassa o da saúde perfeita e o do empreendedorismo, e às vezes até o do esoterismo, mas também tem uma vida própria.
As religiões se apropriaram dos discursos de autoajuda. Visto que era inútil demonizá-los, o jeito foi absorvê-los.

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Minha atual definição de ideologia: é uma ordem simbólica, parte integrante do mapeamento cognitivo, dedicada a tentar dar conta do mal-estar que é constitutivo ao ser humano (e oriundo da tríplice raíz do Mal: a autopoiese, a heterotrofia e a lucidez). A ideologia não é uma parte bem delimitada, separada das demais, do mapeamento cognitivo. Ao contrário, as redes neurais ligadas à ideologia estão ramificadas por toda parte cognitivo-emocional do cérebro, afetando até a percepção do mundo físico. A ideologia não é somente, como imaginou Marx, uma legitimação idealista de relações de exploração, é, antes disso, uma legitimação inventada pela consciência (estimulada pelo instinto de autopreservação) para o próprio viver – legitimação que ela, em monólogo, apresenta para si mesma, tentando assim contornar a ferida mortal causada pela exaptação negativa da lucidez.

17/03/2017

As pessoas se submetem à autoridade de líderes não somente porque são ingênuas e ignorantes, mas porque, para suportar o sofrimento (para justificá-lo), querem acreditar que uma transcendência é possível. Os líderes corporificam a transcendência e, ao mesmo tempo, servem de facilitadores do processo (fictício) de transcender de seus seguidores. Os que os líderes têm realmente a mais que os seus seguidores é a capacidade de persuasão e um conhecimento doutrinário (teórico e prático – no caso dos gurus orientais a prática é bem mais importante do que no Ocidente, onde ela se reduz basicamente a rituais); o resto é tudo teatro, no qual as pessoas (líderes e seguidores) acreditam porque querem acreditar, por viés de confirmação.

Essa autoridade que os líderes têm leva-os naturalmente (via vontade de potência) a se envaidecer por causa do controle que exercem sobre os outros. Não se tem seguidores submissos impunemente. Quando, no contexto da maioria das religiões organizadas, se mistura essa autoridade com repressão sexual – e não raro uma sexualidade extremamente limitada (ou mesmo ausente) é justamente um dos atributos distintivos do líder religioso – tem-se um “fábrica” de pedofilia. As religiões organizadas, em especial o catolicismo com sua castidade formal obrigatória a todos os que trabalham na administração do negócio religioso, não são meros atratores de pedófilos psicopatas ou maquiavélicos (que planejam friamente seus ataques sexuais), mas são mesmo produtoras de pedófilos, em virtude dessa mistura de autoridade infalível com repressão sexual (e ainda com idealizações invejosas da pureza e da inocência infantis).

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A indústria do entretenimento foi essencial para o aumento da não religiosidade da população – isso porque tanto ela quanto a religião trabalham no mesmo mercado, o da distração do vazio, para assim justificar (tornar justo, aceitável) o sofrimento de existir e assim viabilizar a adesão voluntária à autopoiese. Não se trata de “uma armadilha”, de “um engodo” no sentido tradicional dessas palavras, pois afinal as pessoas – particularmente os instintos autopoiéticos delas – demandam esse tipo de distração, a qual é essencial para elas sobreviverem e para atuarem com agentes da autopoiese de si mesmas, da sociedade e da espécie: sem ilusão e sem esquecimento, a vida não se sustenta, não suporta a si própria.

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Quando os ideólogos (no sentido marxiano) dizem que o mundo dos homens é reflexo do transcendente, e são criticados pelos materialistas por isso, eles não deixam de ter razão, no sentido de que essa ficção de fato é essencial para a sobrevivência humana. Assim, tanto esses ideólogos quanto os marxistas estão parcialmente certos e errados ao mesmo tempo. O marxismo só fez mudar a utopia do além-morte para o futuro histórico, é esse o objeto a que ele usa como distrator do sofrimento de existir.

19/03/2017

O crescimento da não religiosidade parece ter mais a ver com o crescimento da indústria do entretenimento (que oferece distrações utópicas do vazio sem cobranças morais e com um biopoder mais flexível e sutil do que o da religião) na modernidade tardia (fruto do progresso técnico capitalista) do que com a difusão da educação científica. Mais um evidência de como os neoateus e os cientificistas sequer entendem seu inimigo declarado: tentam combatê-lo com a educação científica, mas não percebem que a questão da “verdade” nem é a necessidade mais importante que a religião atende em seus fiéis.


25/03/2017

Pragmatismo (não utopismo): ocupar-se do mundo tal como ele é (e de como tirar proveito disso), e não de como ele deveria ser (utopias/valores). O mundo é o que é, comprometer-se em criticá-lo ou em elogiá-lo implica em vieses cognitivos e de ação que acabam por reduzir suas opções. Como já disse Robert Greene, “não se comprometa com ninguém”.

28/03/2017

“Honra” é um expediente do biopoder – um artifício para controlar as pessoas em prol do maquinismo social estabelecido.

30/03/2017

O próprio discurso do Cioran apresenta um VIÉS COGNITIVO CAUSADO PELO PENSAMENTO UTÓPICO: ele idealiza a condição animal (chega a chamá-la de “paraíso”) e acaba focando sua anatomia do Mal em apenas um de seus tripés, aquele que é especificamente humano (a exaptação negativa da lucidez), ignorando os outros dois: a heterotrofia (que é comum a todos os animais) e a autopoiese (comum a todos os seres vivos, desde o primeiro deles). Ele até chega a se referir aos outras duas raízes do Mal, mas não se delonga em escrutiná-los, como se temesse destruir com esse escrutínio a sua utopia pessoal. Nesse sentido, o discurso de Schopenhauer – ao dar mais destaque para a autopoiese (na forma de Vontade) – é menos viesado do que o do Cioran. Não que Cioran esteja completamente errado ao elogiar a condição animal – de fato ela implica em menos sofrimento (por só ter uma dupla raiz do Mal), assim como a condição da planta não implica em sofrimento (embora já tenha a principal raiz do Mal). O problema é que ele exagera o foco, ao ponto de facilmente induzir a si e aos seus leitores a esquecerem as outras duas raízes do mal em detrimento da mais superficial delas (a propriamente humana) – e nisso reside seu viés cogntivo, fruto de um utopismo.

31/03/2017

Os escatologistas parecem ter um viés cognitivo animado por uma pulsão de morte: não apenas eles querem morrer, mas querem que tudo morra – toda humanidade, ou mesmo todos os seres. Tão frustrados estão com suas vidas, que desejam morrer e se vingar desse mundo que as produziu tal qual elas são (e não tal qual eles gostariam que elas fossem). Para fins da construção de sua ideologia, a própria extinção – que, de resto, é tautológica (tudo o que começa no tempo nele vai terminar) – converte-se em utopia, à qual está prestes a ocorrer: um dealbar de um anti-Milênio. Não estou dizendo que os discursos escatológicos devem ser descartados por possuírem um viés cognitivo que os estrutura – afinal, todo discurso, e toda construção de realidade (até mesmo a intuição do mundo físico), é, enquanto “recorte”, mediado por vieses. A questão é atentar-se para as possíveis deformações na apreensão da representação do real causadas por essas tendências à confirmação. Sem uma autocrítica nesse sentido, o escatologista não tarda a virar uma caricatura, vendo o fim do mundo iminente em qualquer evento cotidiano.

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“O primeiro sinal do começo do entendimento é querer morrer.” (Franz Kafka)

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Boa parte das obras literárias (se não todas) pode ser considerada como a fabricação ficcional de evidências para legitimar alguma ontologia. Os momentos “profundos” das obras literárias, como também os dos filmes, são sempre relativos a apresentação/defesa de uma ontologia. A obra literária – por definição ficcional – é uma forma de sofística ontológica. Enquanto o discurso ontológico da filosofia e das ciências humanas é um discurso genérico – uma metanarrativa – o discurso da literatura, embora também almeje tocar o geral – é uma casuística, a exposição de um caso.

XII

29/01/2017

Um bom livro de sociologia geral, quando estudado atentamente, é suficiente para esgotar a “profundidade” que quase qualquer filme ou romance. A parte “profunda” dessas obras sempre refere-se à ontologia do ser social e/ou da natureza humana. Quando alguém – como eu – já leu e pensou muito sobre essas ontologias e tem uma posição muito bem definida nesse quesito, as referidas obras de arte ou soam redundantes – quando apontam na direção da minha opinião (pessimismo ontológico) – , ou soam fúteis – quando apontam na direção oposta (otimismo ontológico).


01/02/2017

“Só os tolos não julgam pelas aparências”. (Oscar Wilde)

Se é verdade que o Bem e a moral são, no limite, incompatíveis com a vida (e nesse ponto concordam Schopenhauer, Nietzsche e Cioran), também é verdade que a total amoralidade inviabiliza a vida humana (regredindo-a à animalidade). Ou seja, a autopoiese humana apenas é possível nesse “espaço de mediocridade” entre os extremos da total bondade e da total amoralidade, da completa empatia e da total psicopatia. Não só o Bem é incompatível com a vida, mas o Mal também: ela apenas funciona no movimento sinérgico de ambos.


O próprio “eu” é uma reificação. Assim como no parágrafo acima, a vida só existe numa área de mediocridade entre a total reificação e a total desreificação.

06/02/2017

Se a vida não tem sentido, não existem uma forma “certa” (melhor) de se viver e formas “erradas” (piores) de se viver. Existem apenas diferentes formas de se distrair enquanto a morte não chega.

09/02/2017

Reflexão suscitada por ocasião da seita do Waldo Vieira:
Como diria o Cioran, o homem é o ser delirante por excelência. É o que vemos nesses casos: basta a pessoa exigir uma prova científica verdadeira (que siga realmente o método científico) como pré-requisito para se entregar ao delírio, e tudo se esfumaça no ar. Se Waldo Vieira tivesse estabelecido a si mesmo a meta de primeiro provar a projeção astral cientificamente para só então depois utilizá-la como ferramenta epistemológica, não teria construído seu império enciclopédico. Ou ele nunca estudou o método científico, ou ressignificou o conceito de ciência para que conseguisse acreditar que suas crenças são balizadas pela ciência – em ambos os casos, é um pseudocientista e um charlatão.

08/03/2017

É o caráter estruturalmente vazio da consciência – o “vazio da máquina” – que configura nossa eterna insatisfação: é um vazio que nada pode preencher, mas que nos mantém numa eterna busca por uma satisfação a priori impossível.

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É comum na nossa sociedade a utilização da seguinte chantagem emocional com as pessoas que avisam que têm vontade de se matar (ou que já tentaram e não conseguiram): que é “egoísmo” fazer isso e deixar a família em sofrimento (supostamente causado pela falta da pessoa). E não é “egoísmo” dos membros dessa família exigir que a pessoa fique viva apenas para não terem que lidar com a culpa de não ter feito nada substancial para cuidar da pessoa?


XI

01/01/2017

As pessoas desejam “saúde” para as outras (em aniversários, no Ano Novo, etc.) como se isso algo que vem de graça, e não consequência de nossos hábitos. Fora aqueles vítimas de acidentes causados por outras pessoas e aqueles vítimas de seus genes particularmente ruins, todos nós pagaremos nessa vida pelos hábitos que cultivamos e pelas escolhas que fazemos.

04/01/2017


“Otimista racional” é uma contradição em termos: quando alguém busca ser o mais racional possível, não tem como se encaixar em qualquer definição de otimismo. Supondo-se que uma abordagem racionalista chegue não ao otimismo nem ao pessimismo, mas ao realismo, o que eu tenho a acrescentar é que esse realismo não está a um ponto eqüidistante do pessimismo e do otimismo, mas sim mais perto do primeiro do que do segundo: isso porque o realismo racional – munido de uma extensa investigação ontológica e fenomenológica – não tem como não se aproximar do pessimismo ontológico, que nada tem em comum com qualquer denominação de otimista.

14/01/2017

Os 4 níveis da ficção:

1. Intuição (percepção sensual do mundo);
2. Teoria (explicação da intuição);
3. Ideologia (teoria social);
4. Utopia (idealização do mundo para além do intuído).

20/01/2017

Teori da conspiração e os pseudocéticos
Descobri um dos motivos porque eu sou atraído por teorias da conspiração: porque elas levantam dúvidas sobre pessoas e instituições de reputação ilibada, logo porque elas rompem com o bom-mocismo e com a razoabilidade ingênua (e otimista ontológica) e apontam para o pessimismo ontológico que tanto me agrada.
Assim como ocorre com as pessoas individuais, com as famílias e com os demais grupos, as instituições sociais mantém uma aparência ilibada, enquanto por debaixo dos panos a corrupção corre a solta. Enquanto os teóricos da conspiração apontam o dedo para essa corrupção generalizada, seus críticos arautos da razoabilidade chamam a atenção para a aparência ilibada do verniz de sociabilidade.
Como a realidade é construída socialmente e como existe uma divisão social do conhecimento, em última instância cada um se vê na posição de ter que acreditar no que especialistas dizem. Como todo ser humano é corrupto, não há como confiar 100% em qualquer especialista ou autoridade, por mais ilibada que seja sua reputação. Uma postura “verdadeiramente” cética não é aquela que descarta prontamente as teorias da conspiração em nome da razoabilidade e da crença nas instituições e no ser humano, tampouco é aquela que abraça as teorias da conspiração em nome da desconfiança nos poderes estabelecidos: as teorias da conspiração estão mais corretas no que questionam do que no que constroem: demolem ídolos para colocar novos no lugar, usam da desconfiança para logo apelarem para a confiança. Dessa maneira, o cético de verdade acaba simplesmente não acreditando nem nas versões oficiais nem nas teorias da conspiração: essa seria uma posição mais honesta e cética: admitir que simplesmente não há como saber “a verdade” sobre essas questões.
Se não temos como saber se um avião com um ministro do STF que era relator da Lava-Jato caiu por sabotagem ou não – se não temos como saber nem a verdade sobre um evento concreto que de fato ocorreu agora pouco –, imagine então se temos como saber se esse mundo é ou não uma simulação, se existem outros níveis de realidade que afetam esse aqui, etc. etc. A postura mais honesta intelectualmente NÃO é a dos “céticos” arautos da razoabilidade – que se agarram ao senso-comum, à cotidianidade reificada, ao “bom senso”e a uma cosmovisão em última instância otimista – mas sim aquela que admite que simplesmente não temos como saber a verdade nem sobre um evento pontual como essa queda de avião, e muito menos sobre o que é esse mundo.
“Ceticismo” não é defender a visão razoável, “científica”, racional da realidade – isso é “razoalismo”, cientificismo, racionalismo. Ceticismo é não acreditar em nenhuma visão da realidade – é perceber que toda metanarrativa é falha. Claro que umas são mais prováveis do que outras, são mais bem-cosntruídas do que outras – mas daí podemos no máximo estabelecer uma estimativa de probabilidades, e não uma certeza, como “os céticos” (racionalistas, cientificistas) pretendem fazer. 

X

21/11/2016


Recuso-me peremptoriamente à sedução malsã de qualquer exegese deontológica. Não me (pre)ocupo com o que o mundo deveria ser, mas sim com o que ele é e com o que ele está se tornando – e busco maximizar a minha utilidade nesse contexto.

29/11/2016

Nós somos muito mais “animais fantasistas” do que “animais racionais”.

01/12/2016

Temperamento é destino.

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Quando abandonamos as ideias de teleologia e de progresso histórico, abandonamos também as de “certo” e “errado”, “pessoas melhores” e “pessoas piores”, “pessoas boas” e “pessoas más”, etc. Abandonar essas ideias é como sair da reta dos números reais e ir para o plano dos números complexos, no qual não existe mais uma hierarquia de grandeza – existem apenas diferentes e caóticas formas de se distrair enquanto a morte não chega.
Em cada subcultura, em cada “jogo” definido pela divisão social da consciência, há pessoas que se sobressaem, mas essas pessoas não são “seres humanos melhores do que os outros”. Elas o seriam se o fato de se sobressaírem as fizesse ficar mais próximas de atingir o sentido da vida. Como não há sentido, também não há pessoas que estão mais próximas dele do que outras, e portanto não há “seres humanos melhores”.


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Honestamente, não faz diferença se Deus existe ou não, ou quais são suas características: o mundo é uma merda, e isso se depreende tanto pelo cotidiano, quanto pela história humana quanto pela biologia e pela psicologia. Não faz diferença – para o fim de avaliar se o mundo é ou não uma merda – saber a origem do mundo, se é fruto de um arquiteto bom, ou de um arquiteto mal, ou se é uma simulação, ou se é função fisiológica de um ser, ou se é fruto de acaso em um multiverso, etc. 

IX

05/11/2016

Qualquer metáfora parece uma boa explicação quando ignoramos a complexidade da realidade.

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São explicações tão simples que são simplórias, caricaturas burlescas.
Ser simples é descartar premissas desnecessárias e focar apenas nas informações relevantes não importando se isso vai complicar a sua análise. A preocupação em ser simples não é em descomplicar e sim não inventar explicações precipitadas. Agora, descartar a complexidade em nome da simplicidade é ser simplório. Uma explicação simplória é feita para ser fácil de entender – por isso é tão sedutora para as massas, que querem acreditar que estão bem informadas sobre tudo. 


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Só se importar com o que te afeta diretamente. Porque indiretamente TUDO te afeta, e não dá para estar bem informado sobre tudo.

13/11/2016

O que todas as experiências de grande sofrimento tem em comum é o rompimento do compromisso da pessoa com este mundo. O que muda é a maneira como esse rompimento é pensado e expressado. Quando religiosos dizem que o sofrimento aproxima de Deus, esse Deus é entendido como algo que não é este mundo, que é totalmente diferente dele e como representante de outro domínio da realidade, um oposto a esse. Lutar por alguma utopia política, ou mesmo por utopias pessoais (como ter muito poder, ficar muito rico, encontrar o amor romântico idealizado, realizar-se mediante filhos, etc.): são diferentes utopias, objetos a, ilusões inventadas para dar um sentido ao sofrimento e assim tornar a vida suportável. Em um surpreendente paradoxo, é o desprezo pelo mundo tal qual ele é que permite sobreviver-se nele, desde que se sonhe com um outro mundo e use-se esse sonho como motivador, como a cenoura que o cavalo persegue e nunca alcança. Quanto mais a pessoa mostra-se refém de alguma utopia (não importa se seja transcendental, terrena, política ou individual), mais podemos inferir que ela precisa desse artifício para suportar a vida, logo mais ela provavelmente sofre (na proporção da sua capacidade subjetiva de sofrer e de resistir ao sofrimento).
O problema é que essa estratégia de agarrar-se a uma utopia também gera sofrimento toda vez que as evidências indicam que ela nunca chegará. Uma solução mais eficaz é resignar-se com as limitações do mundo tal qual ele é, e aceitá-lo tal qual ele é, sem ficar comparando ele com formas idealizadas que dizem como ele deveria ser. Isso pode parecer amor fati, mas pelo menos na minha interpretação dos fatos eu chamo de indifferens fati. No indifferens fati o indivíduo mantém apenas um compromisso com sua própria autopoiese (e nem é um compromisso absoluto, ele mantém-se enquanto o viver está relativamente confortável), mas abandona a autopoiese da sociedade e da espécie (o que significa não nutrir nenhum ideal político e não adotar nenhuma soteriologia; e significa, principalmente, não se desgastar tendo filhos (a menos que se seja muito rico e isso não represente muito esforço, ou se utilize dos filhos para enriquecer, etc.)). Enquanto, na minha concepção, o amor fati implicaria em um imperativo categórico de procriar, no indifferens fati só se suja com esse compromisso caso ele seja muito vantajoso do ponto de vista utilitário individual (o que quase nunca o é).

16/11/2016

Existem pelo menos dois fronts atuais no conflito “materialismo x idealismo” (“cientificismo x espiritualismo”, “ateísmo x teísmo”, etc.) nos quais a questão ainda não se resolveu (e, portanto, se alguém espiritualista resguarda sua crença nesses fronts, essa pessoa não pode ser desmascarada pela ciência): a natureza da consciência (se ela é produzida pelo cérebro ou não) e os limites do universo (se existe um multiverso ou não). Se a for demonstrado que a consciência é um epifenômeno da matéria e se for demonstrado que estamos em um multiverso caótico (destruindo assim o argumento teísta da ordem, da simetria, da beleza), então o espiritualismo teria que confessar que acredita porque é absurdo, já que não teria mais argumentos.

Sobre a palhaçada do “livre-arbítrio”: a neurociência já demonstrou que é o inconsciente que decide e joga a decisão para o consciente, o qual só inventa uma justificativa para si mesmo (e para outras consciências). Os que acreditam em livre-arbítrio ainda podem alegar –e para isso podem se basear em Schopenhauer, Kant e provavelmente muitos outros – que a liberdade está no inconsciente. Porém, se estudarmos a biologia evolutiva do inconsciente, não é difícil vê-lo como um subproduto do automatismo animal. Porém, até que de fato a ciência tivesse destrinchado os algoritmos do inconsciente humano, o fantasma do livre-arbítrio ainda pode escapar do escrutínio científico e apresentar-se com não refutado pela ciência.

Claro, aquilo que pode ser aceito sem evidências, pode igualmente ser descartado sem.

VIII


27/10/2016

Resumo da minha posição (a)política

Doomsayer niilista gnóstico eudemonista.

Somos animais paradoxais: temos tantas necessidades e elas são tão contraditórias entre si que para atendermos umas temos que abdicar de outras. Não há recursos para tudo: isso é válido tanto para indivíduos em particular como para sociedades como um todo. Por definição não há uma solução para o impasse de nossas existências individuais e coletivas, se por solução entende-se um equilíbrio dinâmico capaz de atender todas as nossas necessidades, incluso a necessidade de insatisfação (pois a própria satisfação completa e prolongada nos seria insuportável). Somos para sempre inaptos para a utopia.

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Os conservadores/direitistas/pessimistas estão certos em achar que a exploração de humanos por humanos (e, em um sentido amplo, a violência e o Mal) está calcada em uma ordem natural, estando assim, portanto, alheia à possibilidade de mudanças no domínio da cultura humana (a história natural é muito mais lenta que a história da cultura humana, é por causa dessa divergência, dessa falta de timing, que dizer que algo é natural equivale a colocá-lo como fora de ação do domínio da cultura humana). Os liberais/esquerdistas/otimistas estão certos em não aceitar essa ordem natural, mas errados em hipostasiá-la como cultural (precisam fazer isso para acreditar que podem mudá-la mediante a ação na História, no devir cultural – e aí está seu otimismo, e portanto seu erro). Por fim, os conservadores/direitistas/pessimistas estão errados em aceitar essa ordem natural e, em aceitando-a, em se prestar à sua autopoiese. Assim, ambos os lados em luta (“fortes” x “fracos”) estão parcialmente certos e errados ao mesmo tempo. Também estão certos os religiosos e esotéricos que acreditam que apenas uma força externa pode nos salvar (como Jesus ou os pleidianos), e estão errados os humanistas e progressistas que acreditam que podemos salvar a nós mesmos mediante o progresso. Mas os últimos estão certos em não acreditar em salvadores exógenos, enquanto os primeiros estão errados em deduzir da necessidade da salvação externa a existência de um salvador externo; ou seja: não podemos nos salvar, mas igualmente ninguém irá fazê-lo – simplesmente não há salvação. Todas as causas nobres e generosas são causas perdidas a priori.

A minha posição é pela não-aceitação do mundo tal qual é (assim como fazem os reformistas em geral), mas em conjunto com a descrença na possibilidade de melhora (assim como fazem os conservadores em geral): é uma síntese niilista entre conservadores e esquerdistas, é a opção pela renúncia à autopoiese da espécie humana. Mas essa renúncia ocorre somente no domínio de minha ação pessoal: não tenho nenhuma pretensão de transformá-la em objeto de militância política (como fazem os utopistas do Movimento pela Extinção Humana Voluntária), buscando convencer os demais a agirem como eu. Ou seja, na medida em que eu, como um pessimista, não tenho propostas (não tenho nenhuma causa coletiva pela qual lutar, nenhuma pedagogia a exercer sobre os outros) a minha posição política é uma não posição política, ou seja, é uma posição apolítica, uma renúncia à política porque reconhece, via ontologia, a vanidade da própria política, o fracasso de qualquer proposta política em entregar a utopia que promete. Assim, eu não tenho nada a propor (em termos de mudanças para um mundo melhor): propor algo, ou mesmo esperar que as pessoas “despertassem” para uma visão de mundo semelhante a minha, seria indicador tanto de otimismo (ao acreditar que as pessoas podem mudar para o que eu considero melhor) quanto de fascismo (ao negar o que as pessoas são tentando desfigurá-las e transformá-las no meu ideal). Qualquer proposta política que passe por um evangelismo é por definição otimista e fascista. Os pessimistas não são fascistas porque não possuem ensinamentos: somente os otimistas têm doutrinas e evangelhos.

A única possibilidade – remota – para mim da História ser capaz de redimir a humanidade, seria mediante uma eugenia transhumanista, que desarmasse os algoritmos de nossa animalidade heterótrofa (a história do Mal é a história da heterotrofia, está literalmente escrita em nosso DNA): apenas quando a cultura modificar diretamente a nossa programação biológica é que haveria uma remota possibilidade e emancipação. Mas não acredito que essa possibilidade se concretizaria, pelo simples motivo dela demandar – como pré-condição para a produção de humanos geneticamente modificados – uma aumento da reificação. Só que o caminho para qualquer sociedade utópica, emancipada, demandaria uma diminuição da reificação. Na melhor das hipóteses, a reificação teria que aumentar (para permitir a produção de humanos alterados geneticamente) e depois (quando esses humanos estivesse prontos) ser abandonada. Tudo isso soa otimista demais: o mais provável – e dado o histórico do uso que fazemos da tecnologia – é que a manipulação genética de humanos seja usada para dar à elite superpoderes e para criar escravos e soldados perfeitos, como, aliás, em geral adiantam os enredos de ficção científica.

Além dessas considerações ontológicas (influenciadas grandemente por Cioran), a minha renúncia a participar da política tem um outro caminho: o prospectivo, futurológico: a crença de que estamos a caminho inexorável (é tarde demais para tentar evitá-lo) da extinção humana, a ocorrer nas próximas décadas (no mais tardar no começo do século XXII) – se a parte cioriana corresponde ao “niilista gnóstico” a parte eco-escatológica corresponde ao “doomsayer” (embora Cioran tenha a sua própria versão do apocalipse,que não deixa de ser-me bem-vinda). Todos esses aspectos e sua conexão – estamos usando a tecnologia para nos destruir justamente porque ela nos dá mais poder mas não muda a nossa “natureza caída” – podem ser muito bem ilustrados pelo filme Cloud Atlas (não li o livro ainda, mas lerei).

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Por fim, dado que a política e a História não podem oferecer nenhuma perspectiva animadora, resta a mim o cuidado de si: por isso o eudemonismo, o qual não deixa de ter um pé no maquiavelismo, e, portanto, na política, mas em uma política totalmente a-utópica, egoísta e despida de qualquer preocupação com os (des)caminhos das coletividades. Ou seja, dado que o “doomsayer niilista gnóstico” é uma posição apolítica, a única posição política que me resta é o eudemonismo, o qual, enquanto hedonismo temperado pela prudência, não deixa de ser uma versão mais elegante do pragmático “toma lá, dá cá”, tão criticado por utopistas de todos os lados.


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Adendo (realizado em 11/04/2017)
Se partimos da premissa que tanto a direita quanto a esquerda têm um compromisso com a ideia de mundo melhor, então eu não sou nem de esquerda nem de direita, pois não tenho esse compromisso. Não sou nem “isentão”, pois esse nome é usado para descrever quem tem opiniões que ora estão mais para um lado ora estão mais para outro lado do espectro político. Eu estou mais para “indiferentão”, já que simplesmente não tenho opiniões políticas. Eu não falo em nome de coletividades, não sei o que é melhor ou pior para elas. O máximo que posso fazer é dizer o que eu ACHO (e mesmo essa opinião pode estar errada) que seria melhor para mim – o que não quer dizer que eu quero convencer os outros a pensar como eu penso, afinal ninguém além de mim precisa se preocupar com meus próprios interesses. Entendo que alguém de esquerda possa acusar essa minha posição de ser de direita, de ser alienada e etc. Tudo bem, cada um acredita no que quiser, não é objetivo meu que os outros achem que eu sou “do bem”, que eu não sou alienado, que eu faço parte da solução e não do problema, etc. 



Eu só me ocupo com o que o mundo é e  principalmente  em como tirar vantagem disso (sim, a tal "Lei de Gérson", rs). Quanto à questão de como o mundo deveria ser, deixo-a para os ideólogos-utopistas de todas as estirpes. O que me importa é o meu conforto  e o resto do mundo que se dane. Isso é ser um canalha? Provavelmente sim, mas meu ego – livre do moralismo cristão  não se ofende em ver-se como um.