sábado, 6 de maio de 2017

VI

15/10/2016

Aprimorando o conceito de Nietzsche de além-do-homem

No livro “O niilismo”, p. 63, Franco Volpi faz a seguinte citação de Nietzsche: “O caráter global do mundo é o caos pela eternidade”. Para aí logo emendar: “Quem será capaz de suportar esse terrível pensamento que parece tornar a existência insuportável? O ‘super-homem’”.
É só isso que precisa para ser um super-homem? Se é, então eu sou um e conheço vários. Não sei se é só isso mesmo que segundo Nietzsche é necessário para ser um além-do-homem, porque não estudo esse autor nem pretendo perder meu tempo fazendo-o. Mas parece-me que o conceito de “suportar” é insuficiente, principalmente quando se está em questão o especular sobre uma sociedade de “além-dos-homens”.
Ora, se falamos de uma nova coletividade humana (uma utopia, obviamente), não podemos deixar de envolver a questão da AUTOPOISE DA ESPÉCIE. Schopenhauer, quase sempre superior a Nietzsche, deixou bem claro que a negação do querer-viver é marcada por uma castidade voluntária. Nietzsche parece não incluir o compromisso com reprodução da espécie na sua lista de atributos do super-homem porque, imagino eu, se o fizesse não poderia enaltecer a si próprio como o primeiro exemplar de uma nova espécie de seres.
O que eu pretendo aqui é melhorar, especificar, essa definição do além-do-homem à luz da autopoiese, da afirmação do querer-viver. Nietzsche, com seu obscurantismo teatral, fez uma enorme confusão com essa questão, como com tudo o mais.

Assim sendo, o além-do-homem teria as seguintes características:
1. Assume que a vida não tem um sentido teleológico, que seu em-si é autopoiese (ou qualquer outro nome para isso, como a vontade em Schopenhauer, ou a vontade de potência em Nietzsche).
O que Volpi define por “suportar” incluiria tudo o que se segue, todos compromissos com a autopoiese (ou seja, o além-do-homem se caracteriza por ter superado o impasse entre lucidez e autopiese, em outras palavras, se caracteriza por levar a cabo, no domínio da plena lucidez, a autopiese até então realizada na história da vida sob o domínio da inconsciência):
2. Compromete-se com a autopoiese nos seus três níveis: individual, societal e da espécie. Essa adesão se caracteriza por ações concretas (não por mero aceite no nível teórico/ideológico, como aliás já indica Schopenhauer no §56 do tomo I dO mundo...) para a produção da autopoiese. No domínio individual, significa não se matar e cuidar de si (não se matar lentamente como fazem boa parte dos niilistas que não superaram o aspecto lúgubre da descoberta da falta de sentido na vida). No domínio societal, implica em trabalhar (e caso se viva de renda, em se preocupar em dar algum retorno à sociedade desse ócio por ela financiado – como fez Schopenhauer), não ficar louco (como ficou Nietzsche) (pois uma sociedade de loucos não funciona – os loucos precisam ser sustentados pelos sãos), e em se envolver nas questões políticos-ideológicas da época (é aqui que eu paro de me comprometer com a autopoiese e, portanto, não posso – junto com o próprio Nietzsche – ser considerado um além-do-homem), sem cair em um utopismo (pois ao cair em um caiu-se nas garras de um sucedâneo de deus e de uma nova teleologia, e saiu-se do niilismo). No domínio da espécie – e isso é essencial se se está falando de uma suposta sociedade de super-homens e em uma nova fase para o Ser – o compromisso é representado pelo TER FILHO(S). Quanto a esse envolvimento com a procriação, eu faço exigências adicionais para ele ser considerado indício de um super-homem:
2.1 A gravidez deve ser planejada (obviamente não conta gravidez fruto da irresponsabilidade animal: o além-do-homem está para além do homem, é algo superior ao homem, não pode se caracterizar por uma regressão à animalidade (essa regressão, por sua vez, é a uma “salvação” para Cioran, já que ele nega, ao meu ver com acerto, a validade desse delírio chamado super-homem)).
2.2 A pessoa não pode ser rica nem ter um emprego garantido (por ser um “fodão” de sua área). Por que é fácil procriar quando não se está em jogo grandes sacrifícios pessoais. Isso significa que essas pessoas ricas e com emprego garantido já estão a priori descartadas como além-do-homem: mesmo que preencham todos os outros requisitos, apenas se aproximam do que seria um além-do-homem, pois o que caracteriza esse indivíduo é a coragem, a virilidade: que coragem e virilidade pode haver quando a sobrevivência material sua e de sua prole já está garantida? Assim é fácil né...
2.3 A pessoa não pode ter se arrependido da decisão de ter procriado. Se arrependeu-se, não é além-do-homem: é só alguém imaturo o bastante para tomar uma decisão dessas sem conhecer a si mesmo e à vida o suficiente.
2.4 Por fim, no caso de pessoas inférteis ou homossexuais, essa adesão à procriação se dá por meio do “pegar para criar” crianças frutos de relações sexuais alheias.

Não conheço ninguém que atende a todos esses requisitos. Os poucos niilistas que conheço, mesmo os que superaram o aspecto lúgubre do niilismo, não querem ter filhos, seja por empatia com o sofrimento de quem nasceria, seja por utilitarismo (por calcular que o custo de ter filho(s) não cobre os benefícios). As exceções são pessoas que não preenchem o item 2.2 – como o caso de Richard Dawkins (o qual, além do mais, pode até ser descartado como niilista, por estar envolvido no milenarismo neoateu). Se um Pirulla, por exemplo, tivesse filho(s), ele preencheria todos os requisitos. Imagino que até existam pessoas que preenchem todos, mas são exceções que estão muito longe de sinalizar para o dealbar de um novo mundo.


  

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