15/10/2016
Aprimorando o
conceito de Nietzsche de além-do-homem
No livro “O
niilismo”, p. 63, Franco Volpi faz a seguinte citação de Nietzsche: “O caráter
global do mundo é o caos pela eternidade”. Para aí logo emendar: “Quem será
capaz de suportar esse terrível pensamento que parece tornar a existência
insuportável? O ‘super-homem’”.
É só isso que
precisa para ser um super-homem? Se é, então eu sou um e conheço vários. Não
sei se é só isso mesmo que segundo Nietzsche é necessário para ser um
além-do-homem, porque não estudo esse autor nem pretendo perder meu tempo fazendo-o. Mas parece-me
que o conceito de “suportar” é insuficiente, principalmente quando se está em
questão o especular sobre uma sociedade de “além-dos-homens”.
Ora, se falamos
de uma nova coletividade humana (uma utopia, obviamente), não podemos deixar de
envolver a questão da AUTOPOISE DA ESPÉCIE. Schopenhauer, quase sempre superior a
Nietzsche, deixou bem claro que a negação do querer-viver é marcada por uma
castidade voluntária. Nietzsche parece não incluir o compromisso com reprodução
da espécie na sua lista de atributos do super-homem porque, imagino eu, se o
fizesse não poderia enaltecer a si próprio como o primeiro exemplar de uma nova
espécie de seres.
O que eu pretendo
aqui é melhorar, especificar, essa definição do além-do-homem à luz da
autopoiese, da afirmação do querer-viver. Nietzsche, com seu obscurantismo
teatral, fez uma enorme confusão com essa questão, como com tudo o mais.
Assim sendo, o
além-do-homem teria as seguintes características:
1. Assume que a
vida não tem um sentido teleológico, que seu em-si é autopoiese (ou qualquer
outro nome para isso, como a vontade em Schopenhauer, ou a vontade de potência
em Nietzsche).
O que Volpi
define por “suportar” incluiria tudo o que se segue, todos compromissos com a
autopoiese (ou seja, o além-do-homem se caracteriza por ter superado o impasse
entre lucidez e autopiese, em outras palavras, se caracteriza por levar a cabo,
no domínio da plena lucidez, a autopiese até então realizada na história da
vida sob o domínio da inconsciência):
2. Compromete-se
com a autopoiese nos seus três níveis: individual, societal e da espécie. Essa
adesão se caracteriza por ações concretas (não por mero aceite no nível
teórico/ideológico, como aliás já indica Schopenhauer no §56 do tomo I dO
mundo...) para a produção da autopoiese. No domínio individual, significa não
se matar e cuidar de si (não se matar lentamente como fazem boa parte dos
niilistas que não superaram o aspecto lúgubre da descoberta da falta de sentido
na vida). No domínio societal, implica em trabalhar (e caso se viva de renda,
em se preocupar em dar algum retorno à sociedade desse ócio por ela financiado
– como fez Schopenhauer), não ficar louco (como ficou Nietzsche) (pois uma
sociedade de loucos não funciona – os loucos precisam ser sustentados pelos
sãos), e em se envolver nas questões políticos-ideológicas da época (é aqui que
eu paro de me comprometer com a autopoiese e, portanto, não posso – junto com o
próprio Nietzsche – ser considerado um além-do-homem), sem cair em um utopismo
(pois ao cair em um caiu-se nas garras de um sucedâneo de deus e de uma nova
teleologia, e saiu-se do niilismo). No domínio da espécie – e isso é essencial
se se está falando de uma suposta sociedade de super-homens e em uma nova fase
para o Ser – o compromisso é representado pelo TER FILHO(S). Quanto a esse
envolvimento com a procriação, eu faço exigências adicionais para ele ser
considerado indício de um super-homem:
2.4 Por fim, no
caso de pessoas inférteis ou homossexuais, essa adesão à procriação se dá por
meio do “pegar para criar” crianças frutos de relações sexuais alheias.
Não conheço
ninguém que atende a todos esses requisitos. Os poucos niilistas que conheço,
mesmo os que superaram o aspecto lúgubre do niilismo, não querem ter filhos,
seja por empatia com o sofrimento de quem nasceria, seja por utilitarismo (por
calcular que o custo de ter filho(s) não cobre os benefícios). As exceções são
pessoas que não preenchem o item 2.2 – como o caso de Richard Dawkins (o qual,
além do mais, pode até ser descartado como niilista, por estar envolvido no
milenarismo neoateu). Se um Pirulla, por exemplo, tivesse filho(s), ele
preencheria todos os requisitos. Imagino que até existam pessoas que preenchem
todos, mas são exceções que estão muito longe de sinalizar para o dealbar de um
novo mundo.
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