sábado, 6 de maio de 2017

III

20/09/2016

Boa parte do que chamamos de “cultura” – e toda a indústria do entretenimento – basicamente envolvem uma masturbação sem fim do instinto sexual, dos instintos de luta-e-fuga, e de demais algoritmos de nossa animalidade (todos ligados à autopoiese). São uma forma de sublimarmos a energia (no sentido físico da palavra: capacidade de realizar trabalho) que “sobra” em relação à autopoiese da vida mais imediata – essa energia precisa ser sublimada para manter a saúde dos indivíduos e a estabilidade das instituições sociais (e dos poderes estabelecidos – e aí que a cultura, em especial a religião e a indústria do entretenimento, engloba as técnicas de administração das massas). Essa energia “sobra” justamente porque com o desenvolvimento da divisão social do trabalho e da tecnologia a produção da autopoiese da vida mais imediata é facilitada: assim, quanto mais desenvolvida uma sociedade, mais energia sobra para ser sublimada no domínio da cultura. Como essa pulsão por definição não possui uma destinação biológica (correspondente a alguma função biológica, para além da autopoiese), qualquer destinação para ela será por definição fictícia: enchendo assim o domínio da cultura de um acervo inesgotável de delírios. É essa ausência de destinação natural para essa energia que é sentido subjetivamente pelos indivíduos como VAZIO.

Na religião, os mundos escapistas imaginados são apresentados como o “mundo real”, do qual esse aqui é uma sombra; na indústria do entretenimento não se tem essa pretensão: ela está explicitamente comprometida com o irreal. Por caminhos em parte opostos, ambas buscam fugir da opressiva banalidade do verdadeiro. A se depender dos avanços tecnológicos, os delírios da indústria do entretenimento estão apenas começando. 

21/09/2016

Aporias do animal paradoxal:
Trade-off da intolerância:
Ou toleramos o mundo tal qual é (com todos seus horrores, incluso os que sofremos), ou sempre acabamos por ser intolerantes com algum tipo de pessoa: se admitimos que o mundo não vai bem, acabamos caindo na tentação de explicar o porquê disso, e ao fazê-lo inevitavelmente alguém será vilanizado. A única forma de “não ser intolerante” é não culparmos ninguém, o que deriva de não reconhecermos que as coisas vão mal no mundo, o que significa tolerá-lo tal qual ele é, incluso com o nosso próprio sofrimento pessoal.
Trade-off da (des)crença:
Se somos adeptos de uma crença, por um lado acreditamos que o mundo pode ser melhor do que é e que o (nosso) sofrimento tem algum sentido, porém entramos em dissonância cognitiva toda vez que nos deparamos com evidências de que essa crença não se sustenta.Muitas vezes essa evidência vem na simples existência de alteridades tão ou mais funcionais do que a nossa mas que não compartilham de nossa crença. É essa dissonância cognitiva ante nossas verdades (que queremos absolutas) que está na origem dos conflitos ideológicos: queremos calar o outro para, em eliminando-se a sua alteridade, forçarmos as evidência em prol da crença que professamos. A intolerância é consequência da tendência à confirmação inerente à qualquer crença.
Se somos niilistas, céticos radicais de dispensam qualquer crença como ilusória em um mundo sem remissão possível, não entramos nesse tipo de conflito, porém estamos condenados a (tentar) viver sem um “sentido” para o (nosso) sofrimento. Dado que as crenças possuem efeitos sedativos ante o mal-estar inerente à existência, não é impunemente se pretende viver sem crenças. 

22/09/2016

No meu "passado marxista" eu tendia a acreditar muito mais no "poder de manipulação" da mídia, no sentido de imaginar q é ela que torna as pessoas medíocres. Hoje em dia, vejo essa mediocridade como estrutural da e funcional para sociedade, construída antes de mais nada pela assimetria de apropriação dos valores de uso, e em segundo lugar como decorrência superestrutural da manutenção do establishment plutocrata. Mas não se trata de mera conspiração de um grupo de pessoas más: em última instância, tudo isso é decorrente de nossa natureza animal eternamente insatisfeita e contraditória por excelência. A relação entre mídia e público na produção da mediocridade é dialética: a mídia oferece o que as pessoas querem e as pessoas aprendem a querer o que a mídia oferece (um conteúdo basicamente escapista, pautado por uma fuga permanente da realidade - o que desde sempre acompanha a humanidade, vide a religião). Hoje em dia, mesmo com muita informação qualificada disponível gratuitamente na internet, as pessoas escolhem a mediocridade. Transformaram voluntariamente o YouTube em uma TV, etc. Não é culpa só dos Illuminati não, rs

As pessoas não querem saber a verdade, não querem se comprometer com uma investigação sobre esse assunto. Mas ao mesmo tempo querem opinar e ter razão sobre tudo. O espetáculo de mediocridade intelectual dentro e fora das redes sociais não poderia ser outro com seres humanos assim

Esses problemas decorrentes da assimetria na apropriação de valores de uso supostamente poderiam sumir se tivéssemos alta tecnologia para diminuir a escassez desses valores. Ocorre que com o avanço da tecnologia avançam também as possibilidades de desejos que podem ser realizados, de tal forma que a escassez continua praticamente a mesma. Isso porque cada um de nós tem uma capacidade inesgotável de desejar. Assim sendo, nenhum progresso tecnológico será um dia suficiente
Portanto, enquanto houver "povo" e "massa", vai haver essa mediocridade. Só poderemos nos livrar, como civilização, do povo e da massa, quando todo o 'trabalho duro", medíocre e mecânico tiver sido autorizado. Mas aí o que fazer com bilhões de pessoas sobrando? Fora os impactos ambientais da tecnologia... Enfim, eu não acredito na possibilidade de "solução" para esses impasses. As utopias políticas são a versão societal do "objeto a" lacaniano que nos move à ação. São por definição inatingíveis

Acredito que a mediocridade continuará mesmo com alta tecnologia - vide as sociedades em Star Wars - e que, cedo ou tarde (mais cedo do que tarde), nossa civilização ruirá (e mesmo nossa espécie será extinta) muito antes de conseguir sair desse planeta

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