sábado, 6 de maio de 2017

II


11/07/2016

É o que resta de barbárie em uma sociedade em processo de pacificação e de "evolução moral" que ainda a protege de ser engolida pela barbárie externa. Portanto, são as forças bárbaras internas ao mundo Ocidental – corporocracia maquiavélica, militarismo, anarcocapitalismo, neofascimos, fundamentalismo evangélico, reacionarismos vários – que protegem o Ocidente de não ser engolido pelo barbarismo da Rússia, da China e dos fundamentalistas islâmicos. Se a parte da população ocidental ainda bárbara “evoluísse moralmente” e se tornasse pacífica, não haveria ninguém para fazer o trabalho sujo para defender “o estilo de vida ocidental” diante da vontade de poder externa.

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Duas características básicas de qualquer conteúdo cultural discursivo que se pretenda profundo: abordar o lado sombrio da vida (a morte, a guerra de todos contra todos, a irracionalidade, as privações, o acaso, etc.) e faze-lo sem maniqueísmo. 

14/08/2016

Em algum lugar, Cioran diz que “no fim da adolescência, se é fanático por definição”. O que se segue é uma especulação sobre a cibernética psicológica envolvendo o fanatismo juvenil.
Quando se é criança, tem-se poucas responsabilidades e muitos sonhos de um futuro glorioso. Quando se está na adolescência, as cobranças para se sustentar e se inserir na divisão social do trabalho aumentam, ao mesmo tempo em que se ganha cada vez mais consciência das dificuldades de se realizar os sonhos infantis. “Pouco a pouco, estabelece-se a certeza da limitação do mundo”. Essa “hipertrofia da consciência” em conjunto com o início da liberdade-responsabilidade pela própria existência e pelas próprias escolhas levam a um aumento do mal-estar existencial: por isso é tão comum sentir-se saudades da infância.
Esse aumento de mal-estar alimenta o desejo de superá-lo, donde surgem as utopias: ficções que prometem eliminar nossa aporia fundamental, fundante do “animal paradoxal”, e promover um bem-estar permanente. As ideologias são as filhas da utopia: descrevem quais são os problemas existentes no mundo que precisam ser superados, e descrevem como fazê-lo. O fanatismo surge de uma adesão convicta a alguma utopia-ideologia, adesão essa que é diretamente proporcional ao mal-estar, o qual é tão intenso quanto tão intensas são as frustrações das perspectivas infantis.
Com o amadurecimento, com o tornar-se adulto, o indivíduo tente a se resignar em parte ante essas limitações do mundo que descobriu em sua adolescência. Quanto mais maduro mais resignado e quanto mais resignado, menos fanático, pois menor é o mal-estar em face da dissonância entre o que o mundo é (real) e o que se gostaria que ele fosse (ideal).
Isso são linhas gerais, não quer dizer que todo adolescente é mais fanático que todo adulto. Mesmo porque certos adultos se especializam no fanatismo: eles tendem a ser líderes dos movimentos utópicos-ideológicos, sejam eles ligados ao questionamento dos poderes estabelecidos, sejam promotores do establishment. Os adultos que não são ideólogos profissionais tendem a ficar menos fanáticos com o tempo, pois pouco a pouco vão se resignando com as limitações do mundo.
Resumindo:
Na infância não se tem consciência das limitações do mundo, e não se tem muita liberdade e responsabilidade.
Na adolescência ganha-se essa consciência e luta-se contra essas limitações, além de ter que se lidar com o fardo da responsabilidade (contrapartida da liberdade).
Na adulticidade/maturidade/velhice resigna-se com essas limitações. 

12/09/2016 

Sobre o humor negro
Como de costume, quando falamos do outro, falamos também de nós mesmos. Eu lido com esse "humor negro hiper pesado" interpretando esse tipo de comportamento como indício de imaturidade emocional: ri-se do sofrimento alheio por ser incapaz de empatizar com ele. É uma estratégia de defesa, de afastamento da dor alheia, com a qual não se consegue lidar. Não surpreendentemente, esse tipo de humor é encontrado principalmente em homens jovens. No mais, toda a nossa existência é uma piada de mau gosto mesmo, e ninguém tem maturidade emocional para enfrentar a realidade de cara limpa. Destruídos todos os escapismos, o que resta? Também é o humor negro um escapismo, uma tentativa de se defender do horror que está em toda parte – não somos todos animais eternamente insatisfeitos, que não pediram para nascer mas que estão condenados à morte? Pelo menos o humor negro reconhece esse horror, e ri dele, em vez de fingir que ele não existe: ao fazer isso, já deu um passo além da mediocridade açucarada do senso-comum.

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A utopia política é, junto à arte, um dos ópios dos intelectuais.

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