sábado, 6 de maio de 2017

I

15/06/2016
"Mas escrever é expulsar de si tudo o que havia de importante. Portanto, quem escreve é alguém que se esvazia." (Cioran)
"Se você não escrever diariamente, os venenos se acumularão e você começará a morrer, ou a enlouquecer, ou ambos." ("O Zen e a Arte da Escrita - Ray Bradbury)
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Um cético não toma a decisão de se matar (fora em caso de eutanásia em face a severas limitações corporais), pois uma decisão como essa é embasada na crença de se possuir um conhecimento suficiente sobre o que é a vida e o que é a morte – crença essa que o cético não possui. Como diria Cioran, "o suicídio é um ato de fé".  

28/06/2016
Eu: uma vítima da ideia de "sentido" (enquanto síntese das ideias de “verdade” e de “salvação”).

29/06/2016


Proposição: nem amor fati nem odium fati: mas indifferens fati, “apafatismo”.

"Quando conhecemos o equilíbrio, não nos apaixonamos por nada, não nos apegamos nem à vida, porque somos a vida" (Cioran, em História e utopia).

09/07/2016

Trade-off da alteridade
Ao buscar aprofundar-se em sua alteridade (e na sua respectiva ideologia), se você apresentar suas visões de mundo para as pessoas elas reagirão com alguma agressividade (em especial se você mesmo já apresentar a sua visão de forma agressiva), pois o que está em jogo é a estabilidade dos mapeamentos cognitivos delas (e do seu) e, portanto, o conforto egoico de todos os envolvidos. Se você não buscar apresentar a sua visão a elas (apresentação essa que no fim sempre remete a uma tentativa de educá-las a sua imagem e semelhança, de reproduzir a sua visão nos outros, colonizando-os e tornando-os mais parecidos com o você é ou gostaria de ser, e assim reafirmar para você mesmo a correção dos seus valores e opiniões), elas só vão ser indiferentes a esse "cara estranho". Em ambos os casos você termina sozinho. É claro que, no fundo, estamos sempre sozinhos, mesmo que rodeados de gente superficial e simpática: o que muda é a intensidade dessa solidão e da percepção do abismo que há entre todas as pessoas-ilhas. É um trade-off: não há como ser "o diferentão" e ainda se sentir bem em meio às "pessoas comuns" (sendo bem recebido por elas ao exibir sua alteridade), em especial quando se adota um discurso de vilanização dos outros como explicação para a gênese das dores do mundo: por que os outros seriam receptivos a isso, à acusação de que eles são o problema e precisam mudar em direção ao que você já é ou quer ser para aí o mundo ser um lugar melhor? Não há como ter as duas coisas: ou se decide aprofundar-se em sua alteridade ao custo de aumentar a solidão, ou se goza da companhia dos outros ao custo de não aumentar a diferenciação de sua personalidade em relação a deles. A escolha é sua.

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Trade-off da (in)tolerância
Por que alguém se dedicaria diuturnamente, de corpo e alma, a uma ideologia/religião/causa se não acreditasse que ela está atrelada à verdade absoluta? Por outro lado, a simples existência do diferente já é ofensiva para quem acredita ter as chaves para a verdade absoluta, para a salvação e para o bem-viver – pois instaura uma dissonância cognitiva que indica que esses valores aos quais se dedica tanto esforço talvez não sejam tão absolutos assim (e de fato não são), afinal outras pessoas parecem viver tão bem, senão melhor, sem eles ou mesmo acreditando em valores opostos. Mas acreditar no relativismo cultural, aceitar que a crença do outro é tão legítima quanto a minha, destrói o fanatismo que é a base da minha dedicação: sem o fanatismo, não há obsessão e portanto não há porque se dedicar a causa alguma.
A existência de uma hierarquia de autoridades ligadas à autopoise de qualquer discurso é a evidência de que ainda existe uma massa de pessoas que toma esse discurso como uma verdade absoluta e que, por isso mesmo, está disposta a dedicar os seus recursos escassos (tempo, energia, dinheiro, saúde) à causa. Não que a culpa seja dos líderes: idólatras por instinto, as pessoas estão à procura de verdades absolutas, de mapeamentos cognitivos que lhes garanta sem dúvidas o que o mundo é, para onde ele vai e o que elas devem fazer para se darem bem: os líderes só oferecem o que a massa neurótica quer: certezas.
Se o relativismo cultural e o Estado Laico, que garantem a liberdade de fé e pensamento, fossem de fato aceitos pelos proselitistas, suas fés desmoronariam: sendo equivalentes e intercambiáveis, sendo ficções úteis, por que se dedicar a elas? Como escolher a melhor? Como viver com da dúvida? O resultado disso é uma situação esquizofrênica, na qual o proselitista alega, para ser politicamente correto, respeitar a opinião dos outros, mas na verdade acha que só ele tem razão e que todos os outros estão errados, inventando argumentos intermináveis para criticar e vilanizar os seus oponentes (todos aqueles que não dispõe de sua fé). 

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