04/10/2016
O cristianismo
não é negação da vida – não na sua forma institucionalizada. Nenhuma
instituição surge e prospera, ainda mais por quase 2.000 anos, se não servir à
autopoise. O que o cristianismo faz, e junto com ele o utopismo (ou
“platonismo”, como diria Nietzsche) em geral, é sinalizar para uma negação do
mundo, colocada como objeto a, para assim distrair a consciência do sofrimento
proveniente do mundo real e assim promover a sua aceitação – ou seja, a
aceitação e a afirmação da vida. É como se o paraíso cristão (e as demais
utopias) fossem a cenoura que faz o cavalo se mover, e a estrada na qual ele
anda fosse a vida (o mundo negado pela cenoura): é a esperança de um dia
atingir essa negação do mundo (comer a cenoura, conseguir o objeto a) que move
o cavalo no mundo real, que o motiva a aceitá-lo apesar dele ser-lhe
desconfortável, ou mesmo horroroso. Também aqui Nietzsche erra e Schopenhauer
acerta: Schopenhauer identifica o cristianismo primitivo (ainda não
institucionalizado) com a negação da vida e identifica o institucionalizado com
a afirmação, com o otimismo e com o “retorno ao judaísmo”.
10/10/2016
Inútil querer
entender as razões dos outros, sendo que nem eles as entendem.
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“Se amar
bastasse, as coisas seriam simples. Quanto mais se ama, mais se consolida o
absurdo.” (Camus, em O mito de Sísifo)
*
Para mim, o
interesse das pessoas por política e por discussões ideológicas é uma mistura
de: 1) defesa de seus interesses matérias, ligados à sobrevivência
(necessidade), ao conforto (utilidade) e ao luxo (desperdício conspícuo); 2)
(pre)ocupação com a coisa pública (a parte altruísta da motivação); 3) vontade
de controlar a coisa pública (vontade de poder) e assim 4) enfraquecer a voz
daqueles que pensam diferente (aversão à alteridade e tendência à confirmação
da própria crença); 5) supervalorização a respeito da própria importância na
sociedade e para a história da humanidade (auto-messianismo); 6)
supervalorização da própria capacidade de conhecer a verdade factual e de
julgá-la em nome dos próprios interesses e dos interesses coletivos; 7)
absolutismo ideológico (crença de que sua visão de mundo é a verdade absoluta,
e que se ela for adotada pelo resto da sociedade a utopia seria instaurada) e
8) o fanatismo dele decorrente; 9) a fidelidade a um grupo, dentro do qual
consegue-se reforçar os mecanismo de defesa do próprio ego; e, por fim, 10)
arranjar algo para distrair o vazio da existência (“arranjar sarna para se
coçar”). Dependendo da pessoa e do momento, é uma característica diferente dessas que
prepondera.
Esse "vazio
da existência” é, para mim, como é percebido internamente pelo indivíduo a
falta de objetos de desejo, e portanto a falta de sublimação das energias
corporais que sobram da luta diária pela sobrevivência; quanto menos se precisa
lutar pela sobrevivência, mais energias sobram e maior será a sensação de
vazio. Nossos corpos são máquinas fruto de um processo de 4 bilhões de anos de
seleção natural. Eles são um amontoado de algoritmos autopoieticos, cujo o fim
é somente sua autoreplicação – (re)produção, de si e da espécie (via
procriação). Quanto mais facilitada a vida em virtude do ócio e dos confortos
da civilização, mais energias sobram e precisam ser sublimadas via distração.
Como não existe nenhuma destinação natural para essa energia que sobra,
qualquer destinação será por definição fictícia, delirante. Discutir política,
literatura, filosofia, ver televisão, etc., são apenas diferentes estratégias para eludir o vazio.
14/10/2016
Ando me
especializando em não ter opinião. Isso não é fácil, dada a nossa tendência a
querer ter opinião sobre tudo. Agora, eu só me disponho a opinar sobre o que
estudo, e só estudo o que me diz respeito direto (pois indiretamente tudo me
afeta, e não há recursos disponíveis para estudar tudo).
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A minha aceitação
da vida e do mundo é antes fruto de um cansaço em estar frustrado do que fruto
de um amor sado-masoquista (fui ao indifferens fati a partir do odium fati). Estar frustrado é
cansativo e estressante, é incompatível com os meus quatro objetivos:
longevidade, bem-estar, empregabilidade
e patrimônio econômico. Claro que esse cansar-se foi facilitado pela
idade (fim da adolescência) e pela conquista de um padrão de vida relativamente
confortável. A melhor palavra para descrever o resultado desse cansaço é
“resignação”: pois não se trata de uma renúncia à visão do mundo como sendo
essencialmente mal, mas um renúncia – uma desistência – ao opor-se a esse mal.
Da forma como eu
mesmo categorizo, a minha aceitação é parcial, dado que eu só estou
comprometido com a minha própria autopoiese, mas não com a da sociedade nem com
a da espécie (comprometimentos esses que eu considero essenciais tanto para
definir tanto o amor fati quanto para definir o além-do-homem).
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