sábado, 6 de maio de 2017

VIII


27/10/2016

Resumo da minha posição (a)política

Doomsayer niilista gnóstico eudemonista.

Somos animais paradoxais: temos tantas necessidades e elas são tão contraditórias entre si que para atendermos umas temos que abdicar de outras. Não há recursos para tudo: isso é válido tanto para indivíduos em particular como para sociedades como um todo. Por definição não há uma solução para o impasse de nossas existências individuais e coletivas, se por solução entende-se um equilíbrio dinâmico capaz de atender todas as nossas necessidades, incluso a necessidade de insatisfação (pois a própria satisfação completa e prolongada nos seria insuportável). Somos para sempre inaptos para a utopia.

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Os conservadores/direitistas/pessimistas estão certos em achar que a exploração de humanos por humanos (e, em um sentido amplo, a violência e o Mal) está calcada em uma ordem natural, estando assim, portanto, alheia à possibilidade de mudanças no domínio da cultura humana (a história natural é muito mais lenta que a história da cultura humana, é por causa dessa divergência, dessa falta de timing, que dizer que algo é natural equivale a colocá-lo como fora de ação do domínio da cultura humana). Os liberais/esquerdistas/otimistas estão certos em não aceitar essa ordem natural, mas errados em hipostasiá-la como cultural (precisam fazer isso para acreditar que podem mudá-la mediante a ação na História, no devir cultural – e aí está seu otimismo, e portanto seu erro). Por fim, os conservadores/direitistas/pessimistas estão errados em aceitar essa ordem natural e, em aceitando-a, em se prestar à sua autopoiese. Assim, ambos os lados em luta (“fortes” x “fracos”) estão parcialmente certos e errados ao mesmo tempo. Também estão certos os religiosos e esotéricos que acreditam que apenas uma força externa pode nos salvar (como Jesus ou os pleidianos), e estão errados os humanistas e progressistas que acreditam que podemos salvar a nós mesmos mediante o progresso. Mas os últimos estão certos em não acreditar em salvadores exógenos, enquanto os primeiros estão errados em deduzir da necessidade da salvação externa a existência de um salvador externo; ou seja: não podemos nos salvar, mas igualmente ninguém irá fazê-lo – simplesmente não há salvação. Todas as causas nobres e generosas são causas perdidas a priori.

A minha posição é pela não-aceitação do mundo tal qual é (assim como fazem os reformistas em geral), mas em conjunto com a descrença na possibilidade de melhora (assim como fazem os conservadores em geral): é uma síntese niilista entre conservadores e esquerdistas, é a opção pela renúncia à autopoiese da espécie humana. Mas essa renúncia ocorre somente no domínio de minha ação pessoal: não tenho nenhuma pretensão de transformá-la em objeto de militância política (como fazem os utopistas do Movimento pela Extinção Humana Voluntária), buscando convencer os demais a agirem como eu. Ou seja, na medida em que eu, como um pessimista, não tenho propostas (não tenho nenhuma causa coletiva pela qual lutar, nenhuma pedagogia a exercer sobre os outros) a minha posição política é uma não posição política, ou seja, é uma posição apolítica, uma renúncia à política porque reconhece, via ontologia, a vanidade da própria política, o fracasso de qualquer proposta política em entregar a utopia que promete. Assim, eu não tenho nada a propor (em termos de mudanças para um mundo melhor): propor algo, ou mesmo esperar que as pessoas “despertassem” para uma visão de mundo semelhante a minha, seria indicador tanto de otimismo (ao acreditar que as pessoas podem mudar para o que eu considero melhor) quanto de fascismo (ao negar o que as pessoas são tentando desfigurá-las e transformá-las no meu ideal). Qualquer proposta política que passe por um evangelismo é por definição otimista e fascista. Os pessimistas não são fascistas porque não possuem ensinamentos: somente os otimistas têm doutrinas e evangelhos.

A única possibilidade – remota – para mim da História ser capaz de redimir a humanidade, seria mediante uma eugenia transhumanista, que desarmasse os algoritmos de nossa animalidade heterótrofa (a história do Mal é a história da heterotrofia, está literalmente escrita em nosso DNA): apenas quando a cultura modificar diretamente a nossa programação biológica é que haveria uma remota possibilidade e emancipação. Mas não acredito que essa possibilidade se concretizaria, pelo simples motivo dela demandar – como pré-condição para a produção de humanos geneticamente modificados – uma aumento da reificação. Só que o caminho para qualquer sociedade utópica, emancipada, demandaria uma diminuição da reificação. Na melhor das hipóteses, a reificação teria que aumentar (para permitir a produção de humanos alterados geneticamente) e depois (quando esses humanos estivesse prontos) ser abandonada. Tudo isso soa otimista demais: o mais provável – e dado o histórico do uso que fazemos da tecnologia – é que a manipulação genética de humanos seja usada para dar à elite superpoderes e para criar escravos e soldados perfeitos, como, aliás, em geral adiantam os enredos de ficção científica.

Além dessas considerações ontológicas (influenciadas grandemente por Cioran), a minha renúncia a participar da política tem um outro caminho: o prospectivo, futurológico: a crença de que estamos a caminho inexorável (é tarde demais para tentar evitá-lo) da extinção humana, a ocorrer nas próximas décadas (no mais tardar no começo do século XXII) – se a parte cioriana corresponde ao “niilista gnóstico” a parte eco-escatológica corresponde ao “doomsayer” (embora Cioran tenha a sua própria versão do apocalipse,que não deixa de ser-me bem-vinda). Todos esses aspectos e sua conexão – estamos usando a tecnologia para nos destruir justamente porque ela nos dá mais poder mas não muda a nossa “natureza caída” – podem ser muito bem ilustrados pelo filme Cloud Atlas (não li o livro ainda, mas lerei).

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Por fim, dado que a política e a História não podem oferecer nenhuma perspectiva animadora, resta a mim o cuidado de si: por isso o eudemonismo, o qual não deixa de ter um pé no maquiavelismo, e, portanto, na política, mas em uma política totalmente a-utópica, egoísta e despida de qualquer preocupação com os (des)caminhos das coletividades. Ou seja, dado que o “doomsayer niilista gnóstico” é uma posição apolítica, a única posição política que me resta é o eudemonismo, o qual, enquanto hedonismo temperado pela prudência, não deixa de ser uma versão mais elegante do pragmático “toma lá, dá cá”, tão criticado por utopistas de todos os lados.


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Adendo (realizado em 11/04/2017)
Se partimos da premissa que tanto a direita quanto a esquerda têm um compromisso com a ideia de mundo melhor, então eu não sou nem de esquerda nem de direita, pois não tenho esse compromisso. Não sou nem “isentão”, pois esse nome é usado para descrever quem tem opiniões que ora estão mais para um lado ora estão mais para outro lado do espectro político. Eu estou mais para “indiferentão”, já que simplesmente não tenho opiniões políticas. Eu não falo em nome de coletividades, não sei o que é melhor ou pior para elas. O máximo que posso fazer é dizer o que eu ACHO (e mesmo essa opinião pode estar errada) que seria melhor para mim – o que não quer dizer que eu quero convencer os outros a pensar como eu penso, afinal ninguém além de mim precisa se preocupar com meus próprios interesses. Entendo que alguém de esquerda possa acusar essa minha posição de ser de direita, de ser alienada e etc. Tudo bem, cada um acredita no que quiser, não é objetivo meu que os outros achem que eu sou “do bem”, que eu não sou alienado, que eu faço parte da solução e não do problema, etc. 



Eu só me ocupo com o que o mundo é e  principalmente  em como tirar vantagem disso (sim, a tal "Lei de Gérson", rs). Quanto à questão de como o mundo deveria ser, deixo-a para os ideólogos-utopistas de todas as estirpes. O que me importa é o meu conforto  e o resto do mundo que se dane. Isso é ser um canalha? Provavelmente sim, mas meu ego – livre do moralismo cristão  não se ofende em ver-se como um.

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